Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 19/09/2013

Carta ao índio brasileiro

Carta ao índio brasileiro

Esta carta foi escrita seis dias após o assassinato do líder indígena Marçal  de Souza ocorrido na Aldeia Campestre, município de Antônio João , MS, em 23 de novembro de 1983.  O pistoleiro e mandantes não foram condenados e as terras de Cerro Marangatu (Monte Sagrado) que engloba a Aldeia Campestre ainda   continuam em litígio.

29 de novembro de 1983*

 Mais uma vez tu foste espoliado, índio brasileiro! Tanta foram as coisas que te roubaram, desde que aportaram aqui os chamados civilizados. Tuas terras te foram sendo tomadas pouco a pouco.  Foste empurrado para cada vez mais longe.  As melhores áreas onde tu caçavas ou onde tu colhias o que precisavas foram  cobiçada pelos que aqui chegaram e pelo poder do engano, da persuasão, da força, foste sendo despojado delas.  Perdeste gradativamente o teu lugar natal.  Dos rios onde nadavas e pescavas foste sendo afastado de modo a que perdesses tal fonte de sustento e de alegria.

De tua saúde te roubaram.  Trouxeram sobre ti doenças desconhecidos, para as quais não estavas imunizado.  Dizimaram a tua população.  Tuas crianças, teus valentes, tuas mulheres, viram suas forças caírem vítima de moléstias próprias de estrangeiro.  Sem remédios conhecidos em tuas plantas e de teus pajés, foste enfraquecendo e reduzindo em numero e poder.

 De tua moral foste roubado. Reduzido à pobreza, à falta de saúde, sem saída para os teus sofrimentos, empurraram-te à degradação.  Perdeste o teu orgulho e o teu senso de valor. Muitos dos teus se deram à bebida e à prostituição. Forçados pela degradação a que foram submetidos, perdendo ainda mais o seu senso de valor e de significado para a vida. Foste reduzido a objeto de exposição aos olhos dos turistas. Sentiste a necessidade de assim vender a tua imagem para poder ao menos sobreviver.

 De tua independência foste destituído.  Tu - que eras o senhor destas terras - foste feito um irresponsável, tutelado, incapaz de se governar e de afirmar e afirmar a  tua posse e soberania.  És considerado como alguém que precisa ser dirigido por outros, que não são capazes nem sequer de dirigirem-se a  si mesmos, pois aí vês o estado em que se encontra a sociedade não indígena.

E agora te roubaram a voz e a liderança.  Tiram a vida de teus líderes, destroem quem quer falar por ti, reclamar os teus direitos, afirmar tuas reivindicações, recuperar o teu orgulho de ser humano, de ser outra vez senhor de seu destino.

Neste momento em que roubam Marçal de Souza, Marçal Tupã'i - (deus pequeno), levanta a tua voz, reconhece que estás sendo roubado.  Convoca outros  marcais, desperta teus líderes, sacode os que precisam ser despertados, entrelaça a tua união.  Afirma tua força, une-te contra os que julgam que os  tempos da tua exploração haverão de continuar eternamente.  Há muita gente não-índia que não compartilha da sanha dos que te roubam.  Há muitos que são do teu povo que se revoltam contra este estado de coisas e que quer se unir a ti e dar-te apoio para que os que te furtam de tuas terras, tua saúde, tua moral, tu independência e tua voz, saibam que isto tem que terminar.  Que jamais haverá Brasil digno deste nome enquanto um só dos  que são teus, índio brasileiro, sofrer qualquer tipo de exploração e de domínio.

A Igreja Metodista está contigo e se identifica com tua causa.  Seja a morte de Marçal um chamado a que acordes e te levantes para afirmar valorosamente a tua raça, o teu valor e o teu direito.

Rev. Sérgio Marcus Pinto Lopes (à época, era Secretário Executivo do Conselho Geral da Igreja Metodista)

Colaboração: Pastores Paulo e Ima

Missão Metodista Tapeporã - "Comunidade

Missionária a serviço do Povo Kaiowá/Guarani."


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