Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Beleza oculta

 
Dança litúrgica em celebração metodista

Mais do que uma comemoração, o 13 de maio, festejado nos livros de história como "Dia da Abolição da Escravatura", é uma data para reflexão: momento para questionarmos o racismo e a escravidão ainda vigentes no país. Mas é, também, uma data para valorizarmos os talentos, determinação e fé de irmãos e irmãs negros, muitas vezes ocultos dentro da própria igreja.
Sob o manto do preconceito, injustiça social e preconceito, a beleza da diversidade concebida pelo Criador resiste e frutifica. E ninguém melhor para falar sobre este assunto do que o Reverendo Antônio Olímpio de Sant'Ana, ex-secretário executivo do Cenacora e pastor metodista aposentado que se surprendeu ao perceber que a aposentadoria lhe trouxe ainda mais trabalho... ele continua, sob a luz da Palavra, trilhando os caminhos do direito e da justiça.

Veja a seguir alguns trechos de uma entrevista exclusiva concedida ao jornal Expositor Cristão.

1) Como foi o início de sua carreira ministerial?

Entre as escolhas que eu fiz na minha vida, ser pastor foi a mais feliz de todas. Hoje beirando os 72 anos, sinto um prazer imenso em ser Pastor e orgulho muito especial em ser um REVERENDO METODISTA, pois foi no exercício deste ministério missionário dentro da sociedade que consegui aprofundar-me nos segredos do amor ao próximo e à sociedade como um todo. A motivação para desenvolver o ministério pastoral com ênfase na área social surgiu na minha infância.
Minha mãe, dona Rita Margarida de Jesus, iniciou-me nos primeiros passos. Fui abençoado por tê-la acompanhado em suas visitas aos enfermos, às famílias dos bairros pobres onde atuava como parteira popular.

 
Rev. Antônio Olímpio de Sant'Ana

Analfabeta, exercia sabiamente as suas habilidades na prática do amor ao próximo.
A minha opção pelo ministério pastoral teve o seu primeiro passo formal dado aos doze anos, quando o Rev. Firmino Lopes dos Santos perguntou-me se eu queria ser pastor, resultando na minha recomendação para o Concílio Distrital e a seguir, para o Concílio Regional. Estava com 13 anos. E neste ponto vale a pena contar a inusitada experiência que vivi em janeiro de 1950, na cidade de Belo Horizonte. Saímos de João Monlevade, MG, eu e o Rev. Firmino, para participar do Concílio Regional no Izabela, mas, como não era membro do Concílio, eu tinha que hospedar-me em um hotel. E nesta tentativa senti, pela primeira vez, de maneira bem visível, a virulência do racismo. Em um táxi rodamos vários hotéis de Belo Horizonte tentando a minha hospedagem e em nenhum "havia vaga".  Com os meus 13 anos incompletos não tinha a dimensão da gravidade desta atitude racista, mas a marca ficou em mim, indelével.
Creio ser interessante dizer que preto é cor. Eu sou preto. Mas sou também negro. Ser negro é ter consciência de sua negritude. Portanto eu sou preto, sou negro e sou lindo.
É desagradável afirmar, mas há uma diferença muito grande em ser discriminado pela família religiosa da qual faz parte e ser discriminado na sociedade como um todo. Nesta você tem as leis que o protege, mesmo fraca como a do Senador Afonso Arinos ou até a atual onde o racismo é tratado como crime. E dentro da igreja, como é que fica? Pois foi exatamente dentro da igreja que eu senti como o racismo era e ainda é forte. Brincadeiras de mau gosto que nos ofendiam, reclamações repletas de lágrimas de colegas que se sentiam discriminados nas nomeações, frases altamente ofensivas de membros racistas. No meu caso, em algumas igrejas por onde passei, no primeiro domingo à noite o templo enchia. Todos queriam ver o novo pastor pretinho e baixinho falar. E durante a semana eu ficava sabendo que eu apesar de preto, falava bem.

2) Quando se formou em Teologia?

 Terminei o meu bacharelado em teologia em 1963. E para tal prepararei uma dissertação de final de curso intitulada: Bases Bíblicas e Teológicas da Responsabilidade Social da Igreja.   Saí da Faculdade de Teologia com um propósito e não mudei uma vírgula sequer nestes 46 anos de luta.

3) Quando e como iniciou o trabalho na Cenacora?

Antes de falar sobre a Cenacora - Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo - torna-se necessário falar sobre a Comissão Nacional de Combate ao Racismo, criada por um grupo de negros metodistas centrados em Minas Gerais, Rio de Janeiro, S.Paulo e Rio Grande do Sul, em 1973. Informalmente criada, passamos 12 anos tentando oficializá-la com o apoio do Colégio Episcopal, nada conseguindo, apesar da simpatia de alguns Bispos. Temia-se o surgimento de discussões geradoras de desentendimentos, considerando o principal argumento de muitos de que "na igreja não existe racismo, somos todos irmãos".
Em setembro de 1985, exercendo o cargo de Secretário Geral de Ação Social da Igreja Metodista no Brasil, convocamos o "Primeiro Encontro Nacional do Negro Metodista" no Rio de Janeiro, no Instituto Metodista Bennett. Ao final dos três dias do encontro é formalizada a criação da Comissão Nacional de Combate ao Racismo, na Igreja Metodista do Brasil. A pesquisa e análise da existência do racismo na vida e obra da Igreja Metodista alcançaram resultados positivos e logo se tornaram conhecidos da militância de outras Igrejas Nacionais, gerando ao longo destes anos o surgimento de comissões, grupos e militâncias individuais contra o racismo.
Após articulações feitas no início de 1986, foram convidados representantes das Igrejas Nacionais, objetivando a criação de uma comissão ecumênica semelhante à da Igreja Metodista. Nascia o Cenacora.

4) Como é, basicamente, o trabalho desenvolvido pelo Cenacora?

Os projetos desenvolvidos pela Cenacora centralizam-se tanto nas igrejas e suas instituições como na sociedade brasileira, preferencialmente no entorno das igrejas. Quando iniciamos estávamos ansiosos para avaliar seriamente os racismos embutidos na literatura religiosa, nos sermões, nas lições de escola dominical e nos hinos que cantávamos com tanto ardor. E a partir daí, organizamos a nossa campanha, os seminários, palestras e a produção de materiais.

5) O que você gostaria que as novas lideranças da Cenacora desenvolvessem no futuro?

Você sabe que não sou mais o executivo da Cenacora. Quando deixei a Cenacora em setembro de 2008, já tínhamos implantado dois interessantes programas: um envolvendo uma campanha nacional junto às Igrejas Nacionais pelo registro civil de nascimento. O outro programa baseia-se no documento JUSTIÇA TRANSFORMADORA: SER IGREJA E SUPERAR O RACISMO. A Cenacora, apoiada pelo CMI, desafiou as instituições teológicas das Igrejas membros desta a refletirem crítica e solidariamente sobre o conteúdo da cartilha, respondendo à seguinte pergunta: "Como o processo e conceito de justiça transformadora identificam-se com a nossa realidade de racismo dentro das igrejas e sociedade no Brasil levando em consideração a própria história do negro neste país?"

6) Como você avalia a preocupação da Igreja Metodista com a questão da diversidade étnica e direitos humanos?

É só ler o PLANO PARA VIDA E MISSÃO e uma série de documentos específicos para cada área para concluir que a Igreja Metodista tenta levar a sério, na sua produção de materiais, a sua responsabilidade missionária. Mas, a minha experiência como alguém que vive "fazendo o meio de campo", viajando por todo o país , assuntando a uns e  a outros colegas pastores e pastoras, nota-se que os nossos documentos, principalmente o PVM são pouco lidos e seguidos. Passei maus momentos com alguns superintendentes distritais que sempre me exortavam declarando que  "eu tinha sido nomeado para a igreja local e somente dela deveria cuidar. Nada de interferir nos problemas da cidade". E devido à minha compreensão e convicção que tinha de que eu era o ministro da palavra de toda a cidade, incluindo seu povo e as suas lideranças, eu vivia dando explicações a algumas autoridades eclesiásticas. Era o meu dever e responsabilidade envolver-me com todos. Porque todos, sem exceção, eram alvos do amor de Deus e a mensagem que repassava trazia a semente da paixão e compaixão. Eram igualmente alvos do amor de Cristo que redime. O povo e os graves problemas, o seu sofrimento ou alegria são o celeiro, a fonte privilegiada, inesgotável e a razão de ser dos nossos sermões.

Trecho da entrevista que o Rev. Antônio Olímpio de Sant'Ana concedeu ao Jornal Expositor Cristão em maio de 2009.

Para ver a entrevista completa em PDF CLIQUE AQUI!

Veja também:

• A história de João Cândido, conhecido como o "Almirante Negro" que liderou a Revolta das Chibatas em 1910. CLIQUE AQUI!

• A história de um negro que o protestantismo esqueceu, Francisco Solano Trindade, um dos fundadores do que mais tarde se conheceria como "Movimento Negro". CLIQUE AQUI!

 


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