Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Dia do Índio

Como cantar em terra estranha*

Uma reflexão sobre o Dia do Índio - 19 de Abril

Foram buscar alguns do seu povo para fazer uma apresentação na cidade grande. E seus farrapos foram substituídos por roupas novas, sua ração de mandioca por churrasco e seus artelhos, feridos, aprisionados num incômodo sapato novo. Pediram-lhe que trouxesse roupa a caráter, pois queriam uma apresentação folclórica. Os néscios chamavam de folclore aquilo que para eles era coisa séria, pois cada passo, cada gemido em um significado. Mas pobre, impotente, dominado, que podia fazer? Cedeu e trouxe seus arremedos de adornos feitos com tampinhas de garrafas, nylon e penas de aves domésticas mal tingidas. Com o rosto pintado por guache ao invés de urucum sagrado, sob aplausos entrava no meio de um círculo, palco improvisado num grotesco espetáculo tragicômico do aviltamento de uma raça.

Meio sem jeito ele ensaiou passos. O povo ria de seu embaraço e do riso passaram à zombaria e logo vieram as vaias. Então, de repente, estacou no centro vibrando a lança de brinquedo que trazia na mão, o povo emudeceu e começaram a arrazoar. Teria o índio manso de repente virado selvagem? Mas, calmo como a serenidade dos fortes, seguro como tem a verdade, tirou sua triste fantasia e, com voz altiva que até os surdos odiam ouvir, disse que ia dizer algo que tinha acontecido com ele e seu povo, e com voz pausada e bem audível começou a declarar: "Nas calçadas de suas ruas tenho chorado lembrando de minha terra, do tempo que ela era minha, e em seus postes tenho pendurado minhas flautas, vocês nos fizeram dependentes e ainda pedem canções e danças. Vocês nos oprimem e pedem que sejamos alegres e têm a audácia de me pedir uma dança do meu povo. Como posso dançar ou cantar uma canção de meu povo se sou estrangeiro em minha própria terra.... Ah! se eu trocar a maior alegria da cidade por minha mata... Que eu me seque como uma árvore do castelo atingida pelo raio..."

E enquanto falava de punhos cerrados dirigia imprecações contra seus agressores, e a roda foi se desfazendo. Em silencio ele quedou só. Quando levantou os olhos restava só o motorista do jipe que com o motor em marcha tocava a buzina chamando-o para levá-lo de volta à aldeia.

Eu fique pensando ter lido algo semelhante em algum lugar e pensei que poderia se o Salmo 137. (Nossa canção em Sião)

*Bispo Scilla Franco - Publicado na integra no boletim do GTME, setembro de 1982, e no livro MINHA PRECE, p.67/68. Colaboração: Missão Tapeporã.


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