Matr?culas sempre abertas
Escola B?blica Dominical enfrenta crise, mas ainda ? vista como elemento fundamental da Igreja Evang?lica.
Domingo ? dia de escola! Pelo menos, para milh?es de crentes que saem de suas casas no chamado dia de descanso a fim de aprender a Palavra de Deus.
A Escola B?blica Dominical (EBD) ? a maior e mais democr?tica institui??o de ensino do mundo. Ela abre suas portas a qualquer pessoa, independentemente de idade, classe social ou n?vel de instru??o. Gratuita, oferece a todos a oportunidade de ampliar seus horizontes de conhecimento e espiritualidade. ? ali que muita gente senta-se pela primeira vez em um banco escolar, e ? nela que pessoas sem qualquer instru??o formal podem tornar-se mestres. Al?m disso, a EBD est? diretamente ligada ? hist?ria das igrejas evang?licas no Brasil, j? que foi implantada ainda em meados do s?culo 19, ?poca em que as primeiras denomina?es protestantes de miss?o chegaram ao pa?s. Pode-se dizer que a Igreja Evang?lica, por aqui, nasceu de m?os dadas com a Escola Dominical.
At? o in?cio da d?cada de 1980, quando a liturgia das igrejas hist?ricas ainda predominava, a EBD era t?o fundamental ao domingo quanto o pr?prio culto p?blico, a ponto de se apropriar naturalmente da nomenclatura "dominical". Em in?meras congrega?es, as atividades matinais concentram-se no estudo b?blico, conferindo ? Palavra de Deus um papel de centralidade na vida dos crentes. Sempre houve discuss?es quanto ? pedagogia e ao conte?do, ? verdade; mas, apesar do formato e das metodologias aplicadas, matricular-se em uma das classes era o que se esperava de todo e qualquer membro da congrega??o, fosse veterano ou novo convertido.
Todavia, por volta de trinta anos atr?s, teve in?cio uma esp?cie de crise. Algumas denomina?es mais novas, notadamente as de linha neopentecostal, acharam por bem substituir a boa e velha Escola Dominical por outras atividades, ou simplesmente aboli-la. A justificativa, correta em parte, era de que o modelo estava desgastado. Em muitas igrejas, de fato, as manh?s de domingo transformaram-se em enfadonhos encontros, onde temas com pouca conex?o com a realidade e a vida dos crentes eram abordados. Mas a pergunta ?: por mais que a EBD precise de renova??o e dinamismo, algu?m conseguiu inventar coisa melhor? Se depender das igrejas mais tradicionais, a resposta ? a mesma – ou seja, um retumbante "n?o". Muitas denomina?es continuam adeptas do modelo tradicional de Escola Dominical e reiteram que seus frutos s?o ben?ficos aos crist?os, mesmo em pleno s?culo 21, ?poca de tantas modernidades. "Acredito que ela ? a mais importante ag?ncia de aprendizado b?blico e de evangeliza??o da Igreja", afirma Rute Bertoldo Vieira Moraes, pastora, redatora e coordenadora do Departamento Nacional de Escola Dominical da Igreja Metodista. "Muitas igrejas surgiram a partir da EBD, especialmente atrav?s do trabalho com crian?as", confirma.
Material abundante – N?o existem estat?sticas oficiais, nem mesmo denominacionais, para indicar se a frequ?ncia ? Escola Dominical est? mesmo em queda, como se queixam tantos pastores e educadores crist?os. Mas ningu?m tem d?vidas de que a institui??o est? longe da extin??o. E, mesmo n?o sendo uma unanimidade, ela continua contando com forte apoio entre os evang?licos. Segundo a te?loga Lilia Dias Marianno, mestre em ci?ncias da religi?o e assessora do Departamento de Educa??o da Conven??o Batista Brasileira (CBB), as pessoas podem estar desacreditadas da igreja, mas n?o das Escrituras. "O amor pela B?blia est? aumentando nesses ?ltimos dias", entusiasma-se. "Mas h? muitas igrejas que n?o est?o vivendo a Palavra de Deus e, por isso, tamb?m n?o conseguem suprir a necessidade das pessoas", opina. Por essa raz?o, variados minist?rios seguem investindo na EBD como principal ferramenta de discipulado. Uma das maneiras encontradas para se fazer isso tem sido atrav?s das editoras das pr?prias denomina?es, as quais t?m colaborado com a publica??o de materiais e organiza??o de eventos para forma??o de professores.
A Assembleia de Deus, maior confiss?o evang?lica do pa?s, constitui o melhor exemplo. A Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), sediada no Rio de Janeiro, n?o apenas produz vasto material para alunos e professores das mais diferentes classes, como tamb?m promove encontros nacionais para educadores. Esses congressos, de grande porte, atraem professores e dirigentes de ensino b?blico de diversas denomina?es, interessados no know-how de uma igreja que j? caminha para 100 anos de fidelidade ?s Escrituras. Outras institui?es eclesi?sticas fazem o mesmo, elaborando e publicando o pr?prio material educativo. As igrejas batistas contam com a Junta de Educa??o Religiosa e Publica?es (Juerp); j? a Editora Cultura Crist? ? respons?vel pelas li?es dos presbiterianos; e as igrejas metodistas e congregacionais tamb?m disp?em de material pr?prio de EBD. Em todos os casos, os curr?culos s?o elaborados de acordo com a ortodoxia da doutrina crist? e as particularidades teol?gicas de cada grupo.
"Preparamos uma matriz que apresenta a divis?o dos temas, sua distribui??o e seu detalhamento ao longo dos anos", explica Cl?udio Ant?nio Batista Marra, te?logo, jornalista e editor da Editora Cultura Crist?, de S?o Paulo. A casa edita e distribui material eclesi?stico, respeitando cada fase do desenvolvimento et?rio e espiritual de seus fi?is, de modo que os alunos possam aprender e aplicar os ensinamentos na vida pr?tica. "As idades s?o agrupadas em faixas para viabilizar a cria??o do material, sua comercializa??o e uso", diz o editor. Hoje em dia, a diversidade de bons materiais ? tanta que, mesmo entre as igrejas hist?ricas, congrega?es locais muitas vezes optam por trocar o material da casa publicadora denominacional por li?es de outras editoras, por entender que ? mais adequado ?quele momento – isso, quando n?o o produzem internamente.
Quem oferece essas li?es sem tra?os teol?gicos ou eclesiol?gicos espec?ficos de uma denomina??o precisa manter duas preocupa?es: com o pre?o final – as publicadoras independentes n?o contam com subs?dios de igrejas, e por isso precisam produzir lucro para continuar funcionando – e com a qualidade do conte?do. "Isso exige uma postura de vida tanto corporativa quanto individual orientada pelo paradigma da grande miss?o da Igreja", afirma Andr? de Souza Lima, editor assistente da Editora Crist? Evang?lica. "Ou seja, existimos para ensinar os disc?pulos de Cristo a guardar todas as coisas."
"Alimento nutritivo" – "Se a Escola Dominical fosse mais promovida, ter?amos uma Igreja quatro vezes maior", pontifica o pastor e professor Ant?nio Gilberto, da Assembleia de Deus, um dos mais respeitados educadores crist?os do pa?s. Formado em psicologia, teologia, pedagogia e letras, Gilberto tem 56 anos de experi?ncia na ?rea e ? autor de sete livros, entre eles o Manual de Escola Dominical (CPAD), considerada obra de refer?ncia. No entender de Gilberto, muitas igrejas t?m sofrido com problemas devido ? pouca import?ncia que d?o ao estudo da Palavra. Defensor intransigente da EBD cl?ssica – aquela que se realiza ao menos uma vez por semana, envolvendo toda a igreja, com m?todos de ensino e conte?do -, o veterano mestre anda preocupado com o que v? no cen?rio evang?lico brasileiro. "As igrejas precisam se conscientizar de que a educa??o b?blica ? um investimento que merece lugar entre as prioridades da igreja", sentencia.
Algumas denomina?es de surgimento mais recente, no entanto, parecem dispostas a quebrar o modelo cl?ssico e oferecer a seus fi?is algo que entendem mais contextualizado como pr?tica educacional e de discipulado. ? o caso da Igreja Renascer em Cristo, com a sua Escola de Profetas, mais voltada para a forma??o de lideran?a. J? a Igreja Bola de Neve – denomina??o criada por surfistas evang?licos e que tem membresia predominantemente jovem -, por sua vez, mant?m um minist?rio voltado para o estudo da B?blia chamado Mergulhando na Palavra, de natureza mais informal.
De maneira geral, s?o duas as principais cr?ticas ?s iniciativas que diferem da EBD convencional: a primeira diz respeito ? confiabilidade do conte?do ministrado; e a outra se concentra na falta de uma estrutura que contemple as necessidades espec?ficas de cada grupo dentro da igreja. O modelo em c?lulas, por exemplo, ? rejeitado por muitos especialistas religiosos no que se refere ao discipulado. Para Lilia Dias Marianno, esse modelo muitas vezes se limita a reproduzir aquilo que ? dito pelo pastor nos cultos durante as reuni?es na semana. "O modelo de c?lulas n?o produz conhecimento b?blico. Nele n?o h? estudos consistentes das Escrituras", critica.
H? ainda as denomina?es que nem mesmo possuem algo que substitua a EBD, limitando a transmiss?o do conhecimento b?blico ?s prega?es nos cultos. ? o caso, por exemplo, das igrejas de linha neopentecostal, como Universal do Reino de Deus, Mundial do Poder de Deus e a Internacional da Gra?a. Procuradas pela reportagem de CRISTIANISMO HOJE para dar informa?es a respeito do assunto, seus representantes n?o haviam se pronunciado at? o fechamento desta edi??o. Como investem fortemente em m?dia, principalmente em r?dio e televis?o, igrejas dessa linha atraem milhares de pessoas a seus templos, promovendo cultos todos os dias da semana. Mas muita gente discorda que tais ajuntamentos constituam uma forma de discipulado. "O culto ? celebra??o, n?o ensinamento. O espa?o de ensino b?blico ? outro momento. Na Escola B?blica Dominical, s?o formados disc?pulos; ? o momento de o povo leigo sentar, estudar e buscar conhecimento", opina Lilia.
A quest?o n?o se resume ? consist?ncia do alimento espiritual; ela passa tamb?m pela maneira como esse conte?do ? apresentado. A concorr?ncia pela aten??o do membro da igreja ? forte. "Hoje em dia, as igrejas sofrem com a falta de interesse dos membros pelo estudo da B?blia, pois existem outros atrativos mais interessantes, como louvor, festas e confraterniza??o, sem falar na ?nfase nos milagres e na solu??o r?pida de problemas, elementos com alto apelo sensorial", afirma Silas Davi Santos, professor de EBD dos jovens da Igreja Metodista em Itaberaba (SP). No seu entender, o verdadeiro estudo da Palavra segue na contram?o disso, pois exige tempo, disciplina e dedica??o. "A Escola Dominical pode e deve ajudar o crist?o e aluno a manter o foco na Palavra, fomentando os ensinamentos de Jesus para que n?o se desvie por caminhos errados."
Tatiana Piva
(Colabora??o: Carlos Fernandes)
Fonte: Revista Cristianismo Hoje Edi??o Especial 2 anos.