Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

Neuroteologia

 

   Neuroteologia. O que é isso ? É um ramo recente de pesquisa que investiga se a "religiosidade" possui ou não um correlato cerebral. É procurar "onde" estão as redes neurais cerebrais que codificam a crença ou a fé.

Seria um absurdo muito grande supor a existência de áreas no cérebro cujos circuitos sejam especializados em fé ou apego religioso?

O livro, em português, "A religião do cérebro" de Raul Marino Jr, Editora Gente, 2005, mostra como é possível pensar a experiência religiosa a partir da anatomia e do funcionamento do nosso cérebro. É cada vez maior o número de pesquisadores que se dedica não só a discutir a religião no contexto científico, mas a mostrar que religiosidade e ciência se completam.

Uma pesquisadora chamada Nina Azari realizou um teste com voluntários ateus e crentes. Ela pediu que eles lessem o Salmo 23, uma quadrinha infantil e instruções para a utilização de um cartão telefônico. Ao mesmo tempo, a atividade cerebral foi registrada com o auxílio da tomografia por emissão de pósitrons (PET), em que regiões isoladas do cérebro podem ser visualizadas graças a marcadores radioativos. Os seis crentes que participaram da experiência informaram ter tido uma experiência, no passado, decisiva de conversão, algo que mudara sua vida.

O resultado mostrou que os ateus reagiram de forma emocional à leitura da quadrinha infantil, o que se revelou pela elevação de atividade em seu sistema límbico (região do cérebro responsável por nosso universo emocional), enquanto aos cristãos recitar o Salmo 23 proporcionou um prazer maior que repetir a quadrinha familiar, elevando-os a um estado que eles denominaram de "estado religioso" Conclusão: a experiência religiosa é evidentemente, e antes de mais nada, um processo mental.

Uma outra abordagem foi dada pela leitura de textos antigos. No século V a.C., Hipócrates caracterizava a epilepsia como doença sagrada. Quem, senão Deus, poderia jogar no chão seres humanos, contorcê-los e até cegá-los temporariamente, como costuma ocorrer nos ataques epilépticos?

Hoje em dia pesquisadores aventam a possibilidade de distúrbios epilépticos terem sido os deflagladores de certas experiências transmitidas até nós. Também sobre o apóstolo Paulo pesa a suspeita de epilepsia. "Aproximando-se de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu, e caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Ele perguntou. Quem és tu, Senhor ? Respondeu o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues, mas levanta-te e entra na cidade e lá te será dito o que te cumpre fazer. (Atos 9,3-6) ". O que se descreve é a conhecida epilepsia. Terá sido Paulo, portanto, um paciente neurológico que, a caminho de Damasco sofreu um ataque de particular intensidade, tornando-se assim um precursor do cristianismo além faz fronteiras de Israel?

Observações realizadas em epilépticos parecem sugerir que uma pequena região do nosso cérebro responde por um papel excepcional no tocante a experiências religiosas: o lobo temporal. Em regiões mais profundas do lobo cerebral, encontramos o hipocampo, que seria uma espécie de censura. É ele que decide se uma informação será armazenada ou esquecida.

Caso a autocensura seja desativada (por exemplo, pelo jejum, pela privação do sono ou por estados de êxtase), o cérebro pode estabelecer relações inusitadas. No caso dos portadores de epilepsia, o censor cerebral poderá ter sofrido lesões decorrentes dos ataques, razão pela qual os pacientes são regularmente atormentados por "iluminações".
O neurologista Vilayanur Ramachandran, diretor do Centro do Cérebro e Cognição da Universidade da Califórnia em San Diego, é um especialista nessa área de pesquisa. Através de experiências com voluntários epilépticos e não epilépticos ele tira uma conclusão: "Evidentemente o cérebro humano possui circuitos que participam das experiências religiosas e que, em alguns epilépticos, se tornam hiperativos".

Afirmações acerca de Deus não são possíveis de se extrair com base numa condutibilidade maior da pele ou na alteração da atividade verificada em determinada região do cérebro. O Todo-poderoso decerto não estará alojado no lobo temporal. Formulações sensacionais desse tipo antes prejudicam do que beneficiam a imagem de um ramo nascente de pesquisa.

Para o futuro, cumpre desenvolver um conceito único de religiosidade para todas as linhas de pesquisa que se ocupam das questões neuroteológicas. Quando os voluntários se autoclassificam de religiosos e não religiosos querem dizer a mesma coisa? No uso diário "religioso" é empregado como sinônimo de cristão. Religioso é um adjetivo que se pode subordinar a dois substantivos: religião e religiosidade. Contudo, religiosidade se aplica a indivíduos, mas religião se aplica aos sistemas religiosos socialmente estabelecidos.

Da mesma forma que o "sentir" foi pouco a pouco se juntando ao "pensar" como objeto da atenção das ciências naturais, também o "crer" poderá fazê-lo agora.
Obs.: A intenção de escrever o artigo é de fornecer informações atualizadas sobre esse assunto para que se possa discutir. Não representa minha opinião.

 

Sandra Alves Peixoto Pellegrini

(bióloga, professora universitária e membro da Igreja Metodista de Vila Isabel - RJ)


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