| Luiz Verg?lio Batista da Rosa, Bispo na 2? Regi?o Eclesi?stica O ciclone Katrina, em setembro de 2005, praticamente devastou a Louisiana e Mississipi, especialmente a cidade de New Orleans, nos Estados Unidos. Diante da trag?dia de sua comunidade, o prefeito Ray Nagin, face ? inoper?ncia do governo federal em apoio imediato ?s fam?lias desabrigadas, publicamente denunciou que esta atitude era um ato de discrimina??o ?tnica, considerando que a popula??o atingida era majoritariamente negra. As rea?es, diante da den?ncia, foram imediatas. S? quando a verdade dolorosa da discrimina??o ?tnica foi explicitada ? que as a?es de governo foram ?geis. |
Isto nos traz outro fato, acontecido aqui. O Rev. Antonio Ol?mpio Sant?ana, em um Conc?lio de nossa Igreja, ao ser repetidamente ignorado pela Presid?ncia, denunciou estar sendo v?tima de discrimina??o. Houve uma onda de desconforto no Plen?rio, e a concess?o imediata da palavra.
Estes fatos permitem ver as dificuldades de enfrentarem-se processos hist?ricos arraigados e silenciados. Os processos de den?ncia da discrimina??o ?tnica, especialmente nos espa?os religiosos, s?o sempre negados, pois se a Igreja trabalha com a constru??o de uma identidade crist?, com a forma??o do car?ter crist?o; n?o se pode negar a identidade pessoal, cultural e ?tnica das pessoas.
Este tema exige uma releitura da hist?ria da di?spora africana, como fator determinante, num pa?s constitu?do por uma popula??o majoritariamente de afro-descendentes, para a elabora??o de nossa a??o transformadora, prof?tica e mission?ria.
Um crime (pecado) contra a humanidade
Primeiramente, precisamos considerar que a organiza??o pol?tico-econ?mica de muitos dos pa?ses europeus e da Am?rica do Norte na modernidade teve, como fator de produ??o e ac?mulo de riquezas, a explora??o hist?rica da escravid?o africana. Em segundo lugar, considerar que o colonialismo teve componentes pol?tico-ideol?gico-religiosos racistas, nas suas diversas formas de express?o. Estes continuam latentes e velados em diferentes modalidades de discursos. Este ? um pecado cujo sangue ainda clama da terra.
Por defini??o, um crime contra a humanidade ? um ato de persegui??o contra determinado grupo, que justifique a puni??o de acordo com as leis internacionais. Este conceito foi utilizado pela primeira vez no pre?mbulo da Conven??o de Hague, 1907, e subseq?entemente usado durante o julgamento de Nuremberg, para qualificar o Holocausto como um crime contra a humanidade.
O art. 7? da C?rte de Crimes Internacionais, de 2003, define "crime contra a humanidade" como sendo qualquer ato, tanto espor?dico quanto sistem?tico, como forma de ataque contra uma popula??o civil, nas formas de assassinato, de exterm?nio, escraviza??o, deporta??o ou transfer?ncia for?ada da popula??o, priva??o da liberdade mediante viola??o das leis internacionais (ONU), tortura, rapto, escravid?o sexual, prostitui??o for?ada, gravidez for?ada (estupro), esteriliza??o for?ada. Ou seja, persegui??o contra qualquer grupo ou coletividade por raz?es pol?ticas, de nacionalidade, etnia, cultura, religi?o, g?nero ou outros valores humanos reconhecidos como impermiss?veis, sob as leis internacionais.
Portanto, s? o reconhecimento da escravid?o africana como um crime contra humanidade criar? condi?es necess?rias para curar a sociedade humana das rela?es sociais doentias e injustas. Esta ? uma quest?o central para a??o das igrejas e dos movimentos sociais, comprometidos com ideais de justi?a e eq?idade.
A?es pela vida
Cremos que, para a f? crist?, o princ?pio moral e ?tico para as rela?es humanas ? o amor a Deus e o amor aos semelhantes. Fora disso, n?o h? salva??o!
A domina??o do corpo africano pretendeu negar sua humanidade e historicidade; por pr?ticas de desumaniza??o: a tortura, o estupro, a priva??o da liberdade; seja pela prega??o religiosa, ao retirar-lhe suas rela?es ontol?gicas e ps?quicas de estrutura??o de sua personalidade, pela nega??o de sua alma e a sataniza??o, cultural e religiosa. ? preciso lembrarmos que os povos ind?genas foram v?timas, tamb?m, deste processo.
Isto, objetivamente, exige a consolida??o das lutas pelos direitos da mulher e da crian?a, prioritariamente. Primeiro, porque o racismo, nas suas diferentes formas de discrimina??o, incide sobre o corpo, especialmente os corpos mais destitu?dos, historicamente, de poder. Logo, a luta das mulheres e das crian?as por direitos violados deve constituir nossa agenda proativa.
Precisamos, tamb?m, dar conte?do ? nossa leitura b?blica, na perspectiva de escurecer nossa teologia e liturgia. Sendo origin?rios de igrejas de miss?es europ?ias ou norte-americanas, ? preciso lembrar que toda e qualquer reflex?o necessita considerar as no?es de representa??o social, que se estabelecem pela linguagem, como formas de constru??o pol?tica, instituidoras de significados conectados ?s rela?es de poder.
Nossa igreja deve exercitar sua a??o pedag?gica ?s novas gera?es, ajudando-as a vencer o medo e a desconfian?a das diferen?as e da diversidade. Uma igreja como lugar social, aonde as conquistas da juventude negra v?o al?m dos espa?os concedidos: o destaque esportivo ou das express?es art?sticas. Mas que avance aos espa?os de decis?o, de governo, de lideran?a social; que ser?o alcan?ados pelas lutas por cidadania plena, e pelo resgate dos direitos constitucionais inalien?veis.
Contudo, s? a?es conexivas amplas poder?o garantir direitos humanos inalien?veis, e as repara?es hist?ricas cab?veis.
A verdadeira liberdade encontrada em Cristo, na pr?tica, deve nos conduzir ?s a?es de testemunho p?blico de nossa f?, que se traduz na presen?a do Esp?rito, a favor da vida, da justi?a, da verdade e da paz.
Participar deste processo ? compromisso Evang?lico da Igreja!