Reflexão Dia do Trabalho

O termo ?trabalho?, em sua matriz etimol?gica, deriva da palavra tripalium. Era um objeto de tortura greco-romano, de tr?s paus entrecruzados, que era colocado no pesco?o de uma pessoa,  provocando agoniza incessante na v?tima. Em latim, ainda, trabalho quer dizer "labor". Donde procede a afirma??o medieval de S?o Bento: ora et labora, a ora??o conectada ao trabalho e ao bem comum.


A no??o de trabalho, no mundo antigo, nos arremete ? no??o de escravid?o. As sociedades ocidentais antigas eram, em geral, escravocratas. Arist?teles, por pertencer a esse ambiente de pensamento, justificou-a filosoficamente a partir do jusnaturalismo. Em seu direito natural, uns nasciam naturalmente para servir e outros naturalmente para serem servidos. O sistema de escravid?o movia a m?quina das grandes aristocracias.


Na antiguidade o trabalho era algo desprez?vel do ponto de vista social. Os nobres pensavam, ao passo que os escravos executam atividades pesadas e manuais. O trabalho era entendido como uma atividade abjeta, impura, imoral. Os fil?sofos antigos n?o trabalhavam. Pensavam. O que n?o quer dizer que a atividade intelectual represente ?cio improdutivo. Uma forma de o fil?sofo trabalhar, ? pensando, diria um fil?sofo antigo, um trabalho de cunho contemplativo.


Plat?o, um dos vultos da filosofia grega, concebeu o trabalho daquela maneira, com pouca varia??o ? percep??o aristot?lica. Como os demais fil?sofos, Plat?o fala a partir de um lugar comum – a aristocracia. Para ele, quem n?o sai das artes pl?sticas (artes manuais) para a filosofia ? um escravo. O trabalho na p?lis grega foi hierarquizado e colocado numa posi??o inferiorizada, e por se tratar de uma atividade degradante, estava abaixo de outros of?cios.


A hermen?utica tradicional do G?nesis vincula o trabalho a uma impreca??o, resultado de um castigo divino, advindo do mau uso do livre-arb?trio. A maldi??o no texto se refere, pois, n?o ao trabalho em si, mas ao extenuante esfor?o que seria requerido, desde ent?o, para extrair o p?o da terra ?rida e espinhosa, fazendo uma expl?cita refer?ncia a realidade das tribos n?mades e semi-n?mades que vagavam, no lento processo de sedentariza??o, na periferia do F?rtil Crescente. O que importa, neste relato, portanto, ? que ao serem expulsos do para?so terrestre, Ad?o e Eva ingressaram definitivamente no mundo do trabalho, tal como acentua a narrativa b?blica de funda??o.


Trabalho ? a modifica??o da natureza, que uma vez manipulada, ? colocada a servi?o do g?nero humano, no que tange ? sua conserva??o como esp?cie. Na Idade M?dia, a rela??o do trabalho baseava-se na categoria senhor/servo. A concep??o do trabalho se associava ? de servid?o. Enquanto que o escravo, no mundo antigo, trabalhava apenas para seu dono, na esfera medieval, o servo, ao contr?rio, trabalha duplamente: tanto para sua subsist?ncia quanto para a de seu senhor.


Somente com o alvorecer do mundo moderno que o conceito de trabalho ser? exponencialmente modificado. Gra?as ao calvinismo de Genebra, no s?culo XVI, que o trabalho voltar? ? cena como uma atividade nada penosa, ben?fica, e extremamente valorosa ? vida humana. A ?tica protestante de Jo?o Calvino, que visava a reten??o e o ac?mulo do que se ? produzido, assinala o come?o do capitalismo.


Percebe-se que o trabalho manual, antes depreciado pelas sociedades antiga e medieval, reaparece no ocidente moderno de forma glorificada. Neste contexto, quem se distancia do mundo do trabalho ? interpretado como um sujeito marginal. Marginal porque est? fora da linha de produ??o e de consumo, n?o servindo aos interesses do capital.


S? que esse homo faber (homem do fazer, do trabalho), vivencia, nos tempos modernos, um momento de crise epocal. Isto porque o homem que produz e que realiza trabalhos de toda ordem, material e imaterial, aos poucos, vai sendo substitu?do pelas novas tecnologias, num mundo sensivelmente marcado pelo processo de robotiza??o. A m?quina, originalmente criada para instrumentalizar, facilitar e aumentar a capacidade produtiva das sociedades industriais e de informa??o, acaba por descartar o trabalhador das linhas de produ??o. 


Uma outra reflex?o sobre o trabalho cabe perfeitamente aqui: a que emparelha o trabalho ao prazer. Embora o trabalho em sua raiz, denote pesar e tormento, pode ser compreendido como algo festivo. N?o se deve trabalhar apenas por dever, mas por prazer, visando o gozo e a felicidade plena do indiv?duo. "Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abund?ncia", afirma Jesus nos evangelhos. N?o se trabalha apenas por trabalhar, mas tendo em mira uma realiza??o espec?fica: intelectual, profissional, material. Desta forma, o trabalho pode ser encarado como uma fonte de alegria, se concebido como uma atividade que nos traz prazer, em certa medida, e n?o como fonte de aliena??o e descontentamento.


No evangelho joanino com frequ?ncia aparece a palavra ?trabalho?, do grego ergon. No tanque de Betesda, que em hebraico significa lugar de miseric?rdia, Jesus asseverou: "Meu pai trabalha at? agora e eu tamb?m trabalho" (Jo 5, 17). A a??o miraculosa e salv?fica de Jesus ocorreu justamente no S?bado, dia consagrado ao descanso no c?none judeu. Ou seja, qualquer a??o, dever ou trabalho humano deve estar a servi?o da vida, seja em que dia for. O trabalho na l?gica de Jesus ? um meio pelo qual se deve garantir a qualidade do viver, do viver justo e dignamente, e n?o o inverso.


Em cada gesto de Jesus, nos diversos atos em prol da vida, paira um clima de festa e de alegria no ar. Seu "labor" se reveste em tom de festividade porque se coloca na defesa da causa dos pequeninos. No dia 1o de maio, aqui no Brasil e algumas partes do mundo, comemora-se o Dia do Trabalho e do Trabalhador. E talvez o clima n?o seja de tanta alegria e festa. Mas ? ineg?vel que um grande avan?o legal j? foi dado em benef?cio dos trabalhadores.


Tanto nos tempos de outrora como nos dias atuais, o trabalho ? demarcado por dores de um lado e projetos de esperan?a da parte do povo trabalhador, do outro. Em tempos de crise global, h? quem adote uma postura c?tica, pessimista ou indiferente. E sempre haver? raz?o de sobra para quem pense com base nestes crit?rios. A palavra, por?m, que deve reger nossos cora?es e mentes ? a palavra Esperan?a – dita e repetida in?meras vezes na palavra de Deus: "quero somente trazer ? mem?ria aquilo que pode me causar esperan?a" (Lamenta?es 3, 21). Essa passagem de Lamenta?es n?o lamenta, mas expressa o desejo de superar aquilo que provoca no povo consterna??o, a adversidade pr?pria da vida humana. Para superar as crises de toda ordem devemos, acima de tudo, acolher o futuro com  esperan?a, e n?o somente alimentar d?vidas e contradi?es. Nossa ora??o, em tom de desejo, ? que hajam melhorias significativas nas rela?es entre o capital e o trabalho, para que p?o e fartura possam existir na mesa de cada trabalhador/a, n?o s? na Am?rica Latina mas em toda aldeia global.


"Eu dou um passo, ela d? dois passos. Eu dou dois passos, ela d? quatro passos. Eu dou quatro passos, ela d? oito passos. Pra que serve a utopia? Pra que serve o sonho? Pra que serve a esperan?a? Serve pra eu seguir caminhando". (Galeano).


 


Refer?ncias bibliogr?ficas


CORTELLA,  M?rio S?rgio. Qual ? a tua Obra?: Inquieta?es Propositivas Sobre Gest?o. Petr?polis, Vozes, 2007.


SILVA, Valmor. O Trabalho como festa. Cadernos de Estudo B?blicos 11, Petr?polis, Vozes, 1986.


Arist?teles. Pol?tica. Tradu??o de Roberto Leal FERREIRA. 2? ed. S?o Paulo: Martins Fontes, 1998.


 


Rev. Jesus Tavernard J?nior


Agente de Pastoral do IEP

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