Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Reflexão Dia do Trabalho

O termo ?trabalho?, em sua matriz etimológica, deriva da palavra tripalium. Era um objeto de tortura greco-romano, de três paus entrecruzados, que era colocado no pescoço de uma pessoa,  provocando agoniza incessante na vítima. Em latim, ainda, trabalho quer dizer "labor". Donde procede a afirmação medieval de São Bento: ora et labora, a oração conectada ao trabalho e ao bem comum.

A noção de trabalho, no mundo antigo, nos arremete à noção de escravidão. As sociedades ocidentais antigas eram, em geral, escravocratas. Aristóteles, por pertencer a esse ambiente de pensamento, justificou-a filosoficamente a partir do jusnaturalismo. Em seu direito natural, uns nasciam naturalmente para servir e outros naturalmente para serem servidos. O sistema de escravidão movia a máquina das grandes aristocracias.

Na antiguidade o trabalho era algo desprezível do ponto de vista social. Os nobres pensavam, ao passo que os escravos executam atividades pesadas e manuais. O trabalho era entendido como uma atividade abjeta, impura, imoral. Os filósofos antigos não trabalhavam. Pensavam. O que não quer dizer que a atividade intelectual represente ócio improdutivo. Uma forma de o filósofo trabalhar, é pensando, diria um filósofo antigo, um trabalho de cunho contemplativo.

Platão, um dos vultos da filosofia grega, concebeu o trabalho daquela maneira, com pouca variação à percepção aristotélica. Como os demais filósofos, Platão fala a partir de um lugar comum - a aristocracia. Para ele, quem não sai das artes plásticas (artes manuais) para a filosofia é um escravo. O trabalho na pólis grega foi hierarquizado e colocado numa posição inferiorizada, e por se tratar de uma atividade degradante, estava abaixo de outros ofícios.

A hermenêutica tradicional do Gênesis vincula o trabalho a uma imprecação, resultado de um castigo divino, advindo do mau uso do livre-arbítrio. A maldição no texto se refere, pois, não ao trabalho em si, mas ao extenuante esforço que seria requerido, desde então, para extrair o pão da terra árida e espinhosa, fazendo uma explícita referência a realidade das tribos nômades e semi-nômades que vagavam, no lento processo de sedentarização, na periferia do Fértil Crescente. O que importa, neste relato, portanto, é que ao serem expulsos do paraíso terrestre, Adão e Eva ingressaram definitivamente no mundo do trabalho, tal como acentua a narrativa bíblica de fundação.

Trabalho é a modificação da natureza, que uma vez manipulada, é colocada a serviço do gênero humano, no que tange à sua conservação como espécie. Na Idade Média, a relação do trabalho baseava-se na categoria senhor/servo. A concepção do trabalho se associava à de servidão. Enquanto que o escravo, no mundo antigo, trabalhava apenas para seu dono, na esfera medieval, o servo, ao contrário, trabalha duplamente: tanto para sua subsistência quanto para a de seu senhor.

Somente com o alvorecer do mundo moderno que o conceito de trabalho será exponencialmente modificado. Graças ao calvinismo de Genebra, no século XVI, que o trabalho voltará à cena como uma atividade nada penosa, benéfica, e extremamente valorosa à vida humana. A ética protestante de João Calvino, que visava a retenção e o acúmulo do que se é produzido, assinala o começo do capitalismo.

Percebe-se que o trabalho manual, antes depreciado pelas sociedades antiga e medieval, reaparece no ocidente moderno de forma glorificada. Neste contexto, quem se distancia do mundo do trabalho é interpretado como um sujeito marginal. Marginal porque está fora da linha de produção e de consumo, não servindo aos interesses do capital.

Só que esse homo faber (homem do fazer, do trabalho), vivencia, nos tempos modernos, um momento de crise epocal. Isto porque o homem que produz e que realiza trabalhos de toda ordem, material e imaterial, aos poucos, vai sendo substituído pelas novas tecnologias, num mundo sensivelmente marcado pelo processo de robotização. A máquina, originalmente criada para instrumentalizar, facilitar e aumentar a capacidade produtiva das sociedades industriais e de informação, acaba por descartar o trabalhador das linhas de produção. 

Uma outra reflexão sobre o trabalho cabe perfeitamente aqui: a que emparelha o trabalho ao prazer. Embora o trabalho em sua raiz, denote pesar e tormento, pode ser compreendido como algo festivo. Não se deve trabalhar apenas por dever, mas por prazer, visando o gozo e a felicidade plena do indivíduo. "Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância", afirma Jesus nos evangelhos. Não se trabalha apenas por trabalhar, mas tendo em mira uma realização específica: intelectual, profissional, material. Desta forma, o trabalho pode ser encarado como uma fonte de alegria, se concebido como uma atividade que nos traz prazer, em certa medida, e não como fonte de alienação e descontentamento.

No evangelho joanino com frequência aparece a palavra ?trabalho?, do grego ergon. No tanque de Betesda, que em hebraico significa lugar de misericórdia, Jesus asseverou: "Meu pai trabalha até agora e eu também trabalho" (Jo 5, 17). A ação miraculosa e salvífica de Jesus ocorreu justamente no Sábado, dia consagrado ao descanso no cânone judeu. Ou seja, qualquer ação, dever ou trabalho humano deve estar a serviço da vida, seja em que dia for. O trabalho na lógica de Jesus é um meio pelo qual se deve garantir a qualidade do viver, do viver justo e dignamente, e não o inverso.

Em cada gesto de Jesus, nos diversos atos em prol da vida, paira um clima de festa e de alegria no ar. Seu "labor" se reveste em tom de festividade porque se coloca na defesa da causa dos pequeninos. No dia 1o de maio, aqui no Brasil e algumas partes do mundo, comemora-se o Dia do Trabalho e do Trabalhador. E talvez o clima não seja de tanta alegria e festa. Mas é inegável que um grande avanço legal já foi dado em benefício dos trabalhadores.

Tanto nos tempos de outrora como nos dias atuais, o trabalho é demarcado por dores de um lado e projetos de esperança da parte do povo trabalhador, do outro. Em tempos de crise global, há quem adote uma postura cética, pessimista ou indiferente. E sempre haverá razão de sobra para quem pense com base nestes critérios. A palavra, porém, que deve reger nossos corações e mentes é a palavra Esperança - dita e repetida inúmeras vezes na palavra de Deus: "quero somente trazer à memória aquilo que pode me causar esperança" (Lamentações 3, 21). Essa passagem de Lamentações não lamenta, mas expressa o desejo de superar aquilo que provoca no povo consternação, a adversidade própria da vida humana. Para superar as crises de toda ordem devemos, acima de tudo, acolher o futuro com  esperança, e não somente alimentar dúvidas e contradições. Nossa oração, em tom de desejo, é que hajam melhorias significativas nas relações entre o capital e o trabalho, para que pão e fartura possam existir na mesa de cada trabalhador/a, não só na América Latina mas em toda aldeia global.

"Eu dou um passo, ela dá dois passos. Eu dou dois passos, ela dá quatro passos. Eu dou quatro passos, ela dá oito passos. Pra que serve a utopia? Pra que serve o sonho? Pra que serve a esperança? Serve pra eu seguir caminhando". (Galeano).

 

Referências bibliográficas

CORTELLA,  Mário Sérgio. Qual é a tua Obra?: Inquietações Propositivas Sobre Gestão. Petrópolis, Vozes, 2007.

SILVA, Valmor. O Trabalho como festa. Cadernos de Estudo Bíblicos 11, Petrópolis, Vozes, 1986.

Aristóteles. Política. Tradução de Roberto Leal FERREIRA. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

 

Rev. Jesus Tavernard Júnior

Agente de Pastoral do IEP


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