o moralizador




S?o Paulo, quinta-feira, 20 de mar?o de 2008












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CONTARDO CALLIGARIS

O moralizador

Moralizador ? quem imp?e ferozmente aos outros os padr?es que ele n?o consegue respeitar

ELIOT SPITZER era governador do Estado de Nova York at? sua resigna??o na semana passada.
Sua fortuna pol?tica e sua popularidade eram ligadas ? sua atua??o pr?via como procurador agressivo e inflex?vel contra os crimes financeiros e contra as redes de prostitui??o e seus clientes.
Ora, descobriu-se que ele era fregu?s de uma rede de prostitui??o de luxo e que tamb?m recorria a artimanhas financeiras para que seus pagamentos -substanciais: US$ 80 mil (R$ 140 mil)- n?o fossem identificados.
Esse fato de cr?nica (no fundo, trivial) foi para a primeira p?gina dos jornais do mundo inteiro -aparentemente, pela surpresa que causou: quem podia imaginar tamanha hipocrisia? Esse “espanto” geral foi, para mim, a verdadeira not?cia da semana.
Come?ou no dia em que Spitzer deu sua primeira declara??o p?blica, reconhecendo os fatos e a culpa, ao lado de sua mulher, imp?vida.
No programa “360”, da CNN, o ?ncora, Anderson Cooper, convocou dois comentaristas. Um deles, uma mulher, psic?loga ou psiquiatra, ofereceu imediatamente uma explica??o correta e ?bvia. Ela disse, mais ou menos: ? muito freq?ente que um moralizador raivoso castigue nos outros tend?ncias e impulsos que s?o os seus e que ele n?o consegue dominar. Cooper (que j? passeou pelos piores cen?rios de guerra e cat?strofes naturais) quase levou um susto e cortou rapidamente, acrescentando que essas eram, “claramente”, suposi?es, hip?teses etc. N?o ? curioso?
Em regra, prefiro as id?ias que s?o propostas, justamente, como hip?teses ou sugest?es que cada um pode testar no seu foro ?ntimo.
Mas, hoje, considerar a dita declara??o da especialista como uma suposi??o parece ser uma hipocrisia pior (e mais perigosa) do que a de Spitzer.
Afinal, depois de um bom s?culo de psicologia e psiquiatria din?micas, estamos certos disto: o moralizador e o homem moral s?o figuras diferentes, se n?o opostas. 1) O homem moral se imp?e padr?es de conduta e tenta respeit?-los; 2) O moralizador quer impor ferozmente aos outros os padr?es que ele n?o consegue respeitar.
Na mesma primeira declara??o, Spitzer confessou, contrito, que ele n?o conseguira observar seus pr?prios padr?es morais. Tudo bem: qualquer homem moral poderia confessar o mesmo. Mas ele acrescentou imediatamente que, a bem da verdade, esses eram os padr?es morais de quem quer que seja.
Aqui est? o problema: o padr?o moral que ele se imp?e, mas n?o consegue respeitar, ? considerado por ele como um padr?o que deveria valer para todos. Com que finalidade? Simples: uma vez estabelecido seu padr?o como universal, ele pode, como promotor ou governador, imp?-lo aos outros, ou seja, ele pode compensar suas pr?prias falhas com o rigor de suas exig?ncias para com os outros.
Quem coloca ruidosamente a ca?a aos maraj?s no centro de sua vida est? lidando (mal) com sua pr?pria vontade de colocar a m?o no pote de marmelada. Quem esbraveja raivosamente contra “veados” e travestis est? lidando (mal) com suas fantasias homossexuais. Quem quer apedrejar ad?lteros e ad?lteras est? lidando (mal) com seu desejo de pular a cerca ou (pior) com seu sadismo em rela??o a seu parceiro ou sua parceira.
O exemplo da ad?ltera, ali?s, serve para lembrar que a psicologia din?mica, no caso, confirma um legado da mensagem crist?: o apedrejador sempre quer apedrejar sua pr?pria tenta??o ou sua culpa.
A distin??o entre homem moral e moralizador tem alguns corol?rios relevantes. Primeiro, o moralizador ? um homem moral falido: se soubesse respeitar o padr?o moral que ele se imp?e, ele n?o precisaria punir suas imperfei?es nos outros. Segundo, ? poss?vel e compreens?vel que um homem moral tenha um esp?rito mission?rio: ele pode agir para levar os outros a adotar um padr?o parecido com o seu. Mas a imposi??o for?ada de um padr?o moral n?o ? nunca o ato de um homem moral, ? sempre o ato de um moralizador.
Em geral, as sociedades em que as normas morais ganham for?a de lei (os Estados confessionais, por exemplo) n?o s?o regradas por uma moral comum, nem pelas aspira?es de poucos e escolhidos homens exemplares, mas por moralizadores que tentam remir suas pr?prias falhas morais pela brutalidade do controle que eles exercem sobre os outros. A pior barb?rie ? isto: um mundo em que todos pagam pelos pecados de hip?critas que n?o se ag?entam.



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