imprensa e religião sunitas x xiitas

Damien Cave
Em Bagd?

Publicado pelo site UOL/traduzido do New York Times
04/03/2007



Ap?s s?culos de intera??o vibrante, de casamentos, compartilhamento e com?rcio entre seitas e classes sociais, Bagd? se tornou uma capital de fronteiras violentas e corrosivas. Ruas nunca cruzadas. Conversas nunca mencionadas. Portas nunca entradas.



Sunitas e xiitas em muitas profiss?es agora interagem quase que exclusivamente com colegas da mesma seita. Os sunitas dizem que t?m medo de visitar hospitais porque xiitas leais ao cl?rigo Muqtada Al Sadr dirigem o Minist?rio da Sa?de, enquanto trabalhadores xiitas que costumavam subir na traseira de picapes para trabalhar do outro lado do Rio Tigre, no oeste sunita de Bagd?, agora s? pegam trabalhos perto de casa.

A meta do novo plano de seguran?a de Bagd? ? consertar tudo isto -conseguir uma paz que costure juntos os bairros separados da cidade. Mas tr?s semanas ap?s o in?cio do esfor?o h? poucos sinais de progresso. O n?mero de corpos encontrados diariamente pela capital caiu para 20 ou menos, em compara??o aos n?meros anteriores entre 35 e 50. Em algumas ?reas intensamente patrulhadas por soldados americanos, algumas poucas fam?lias que fugiram da viol?ncia disseram estar voltando para suas casas.

Mas mesmo nos bairros que est?o melhorando ou que est?o relativamente calmos h? fronteiras por toda parte. Ruas antes atravessadas sem pensar em Bagd? agora s?o zonas de risco abandonadas e crivadas de balas, as linhas de frente da guerra quadra a quadra entre as mil?cias xiitas, os rebeldes sunitas, gangues criminosas advers?rias e soldados americanos e iraquianos.

Alguns americanos que estiveram tanto na B?snia quanto no Iraque disseram que Bagd? est? cada vez mais parecendo Sarajevo nos anos 90, uma treli?a de fronteiras que nunca s?o abertamente indicadas, mas que s?o apontadas aos cochichos temerosos entre vizinhos que sofreram perdas horr?veis.

Como feridas abertas, as fronteiras marcam hist?rias de viol?ncia brutal. E para os iraquianos, elas ressaltam uma pergunta vital no cora??o do novo plano: as feridas nos bairros algum dia cicatrizar?o?

Fadhil/Sadriya (Leste de Bagd?)

A Rua Sybaa costumava estar repleta de pessoas: as cal?adas ficavam lotadas de compradores e as ruas congestionadas com carros buzinando. No cora??o da regi?o central de Bagd?, Sybaa era conhecida como a rua das lojas automotivas de um lado do distrito comercial da cidade e as lojas de ferragens do outro.


Naquela ?poca -h? dois anos, disseram moradores- ningu?m parecia se importar que ela estava na fronteira entre o bairro de Fadhil, de maioria sunita, e Sadriya e Xeque Omar, as ?reas de maioria xiita ao sul.

Mas tudo mudou. Ap?s seis meses de luta entre sunitas e xiitas, a Rua Sybaa agora est? deserta e esquecida. Em uma tarde recente, o ?nico sinal de vida era um mec?nico solit?rio trabalhando dentro de uma garagem escura, seus esfor?os iluminados por uma ?nica l?mpada. Balas de combates anteriores perfuraram quase tudo -pr?dios, postes, mesmo os abafadores de som enferrujados pendurados do lado de fora das lojas fechadas.

Um Shaima, 48 anos, uma vi?va sunita loquaz que costumava vender iogurte no mercado em Sadriya, mora ao norte da Rua Sybaa, em Fadhil. Ela disse que costumava visitar as lojas dali para comprar roupas. Seu primo Samir trabalhou por anos no lado de Sadriya da Rua Sybaa como mec?nico, sem problemas.

Ent?o h? poucos meses, disse Shaima, ele recebeu uma amea?a. “Eles
disseram: 'voc? ? sunita e todos os sunitas s?o infi?is e suas mulheres s?o prostitutas, ent?o pare de vir a Sadriya ou ser? morto'”, ela disse. “Ele n?o deu ouvidos”, ela acrescentou.

No dia seguinte, ele foi seq?estrado. Testemunhas disseram que milicianos xiitas o arrancaram de sua moto e o jogaram no porta-malas de um sed?.

“Eles telefonaram para a esposa dele ?s 9 da manh? do dia seguinte”, disse Shaima, “dizendo para ela que eles matariam todos os sunitas e que o marido dela estava morto”.

Um sobrinho xiita de Samor reconheceu posteriormente o corpo mutilado do tio em uma pilha de lixo ao leste de Bagd?.

Shaima disse que seus dois filhos agora andam armados ? noite para proteger a ela e seus vizinhos.

O governo iraquiano liderado pelos xiitas n?o os proteger? porque os xiitas “querem nos eliminar”, ela disse. “Eles come?ar?o invadindo nossas casas, nos estuprando diante dos nossos filhos e depois nos matando e a eles”, ela acrescentou. “Eles deixar?o o Iraque chegar a um ponto onde a mis?ria palestina parecer? um piquenique.”

Do outro lado da divisa, em Sadriya, se encontra o reflexo de espelho da raiva e medo. A resposta tamb?m ? semelhante: jovens armados que se
consideram como protetores, que justificam a viol?ncia como uma resposta razo?vel ? viol?ncia.

Nazar Sharif Abd Hussein, 35 anos, um carpinteiro e segundo ele um militante da mil?cia Ex?rcito Mahdi, disse que n?o odeia todos os sunitas; uma de suas irm?s que vive fora de Bagd? ? casada com um.

Em uma recente entrevista, Hussein mal parecia feroz, com 1,70 de altura, trajando jeans e um su?ter cinza, com uma barba curta e olhos escuros fundos. Mas ele disse que pode ser vil quando necess?rio, porque criminosos e rebeldes sunitas em Fadhil n?o demonstram respeito pela vida.

Em maio passado, ele disse, seu melhor amigo de 17 anos, Salar, foi morto a tiros enquanto ambos protegiam a ?rea perto da divisa de Fadhil. Ele disse que Salar estava vestindo um colete ? prova de balas, mas uma seq??ncia de disparos de balas de calibre .50 perfuraram sua lateral e atravessaram seu peito.

“Eu ainda me lembro daquela noite”, disse Hussein, acrescentando: “Ele
estava parado no meio da rua”.

A fronteira sect?ria agora parece defini-lo. Ele disse que mora sozinha, trabalha perto de seu apartamento de dia e monta guarda para o Ex?rcito Mahdi ? noite. Como a mil?cia fechou bares e outros locais onde as pessoas socializavam (ele n?o expressou nenhuma opini?o sobre a pol?tica), ele disse que sua vida permanece estagnada. Ele disse que espera que ela continuar? desta forma.

“Eu n?o quero me casar porque talvez serei morto ou torturado”, ele disse. “Tenho medo de arrastar uma esposa para isto.”

Saydia/Dora (Sudoeste de Bagd?)

A viol?ncia implac?vel de Bagd? tamb?m criou uma divis?o mais profunda que pode provar ser igualmente dif?cil de eliminar: a linha entre o conhecido e o estranho.

? medida que o n?o familiar se torna perigoso, os iraquianos desenvolveram disfarces elaborados para ajud?-los a se passarem por membros da outra seita: esquemas como a ado??o de carteiras de identidade com sobrenomes falsos ou o desenvolvimento de hist?rias fict?cias elaboradas.

Mesmo assim, ser membro da mesma seita ou um parente n?o ? garantia de seguran?a na cidade, disseram os iraquianos, onde xiitas matam xiitas e sunitas matam sunitas devido ? incerteza temerosa sobre em quem confiar.

Ali Abu Zainab, um mec?nico e jornalista de 50 anos, disse que a divisa entre seu bairro, Saydia, e Dora, deixou ele e suas tr?s filhas jovens
isolados, afastados de sua fam?lia. Ambos os bairros historicamente foram ocupados por uma mistura de sunitas, xiitas e crist?os. Mas como Dora se tornou um campo de batalha para v?rios grupos militantes h? pelo menos um ano, ele disse, atravessar ? imposs?vel.

A avenida Hilla, que leva ao sul e que separa as duas ?reas, e a avenida Dora -a principal via para o bairro de mesmo nome- se tornaram zonas de combate, vazias exceto por homens armados. Um parente que foi for?ado a percorrer a avenida Dora de carro h? tr?s meses, devido a uma barreira surpresa, viu corpos espalhados pelas ruas, disse Zainab.

Assim, apesar de suas tias e primos favoritos morarem em Dora, a menos de tr?s quil?metros de dist?ncia, ele n?o os visita h? mais de um ano. No ano passado, ele disse, ele perdeu o casamento do primo na casa de sua tia. Quando outro primo foi morto por militantes xiitas, Zainab foi incapaz de comparecer ao funeral.

“Eu costumava ir freq?entemente a Dora como todo mundo em Saydia”, ele disse.

Agora ele faz compras perto de casa. Quando sai, ele parte pelo lado oposto do bairro. Mesmo assim, os riscos da divisa invadem o bairro. Como Saydia permaneceu menos violenta do que Dora, menos moradores fugiram e a seguran?a n?o ? t?o r?gida. Combatentes recha?ados de Dora consideram Saydia um bom local para se esconderem porque podem se misturar aos civis.

H? tr?s semanas, disse Zainab, ap?s soldados americanos e iraquianos iniciarem uma opera??o contra os rebeldes em Dora, uma batalha estourou perto de sua casa. Quando os disparos cessaram, 10 pessoas estavam mortas.

Ele disse que ningu?m no bairro parecia saber quem estava lutando ou o que provocou a luta.

“O extremismo sect?rio ? o motivo disto tudo”, ele disse. “Os iraquianos s?o sentimentais e suas emo?es os levam a seguir aqueles que se passam por religiosos.”

Ele disse que os pol?ticos iraquianos, com a ajuda da invas?o liderada pelos americanos em 2003, pareciam intencionados a incitar o ?dio. “Os problemas s?o entre eles”, ele disse. “N?o entre a popula??o.”

Kadhimiya/Huriya/Shuala (Noroeste de Bagd?)

Alguns iraquianos tra?am a divisa no degrau da porta de suas casas. Saadi Khazaal Jawad, um xiita de 60 anos e ex-funcion?rio do governo e dono de restaurante, disse que seu bairro ? t?o perigoso que ele se tornou um virtual recluso. Ele vive em Chikuk, uma ?rea mista espremida entre o bairro sunita de Huriya, ao sul, e os xiitas Kadhimiya ao leste e Shuala a oeste.

? medida que os xiitas do norte e leste come?aram a expandir seu territ?rio para Chikuk, os sunitas de Huriya come?aram a contra-atacar, tornando cada esquina daqui uma zona de risco potencial.

Jawad tem um Chevrolet Caprice que ele quase nunca dirige. Ele tem duas
filhas e quatro filhos que tenta manter em casa. Ele proibiu sua filha de 16 anos de ir ? escola.

Na maioria dos dias, disse Jawad, ele reza, come, cochila, l? os jornais iraquianos e assiste ? TV. Ele assiste os notici?rios, Oprah Winfrey e um programa de culin?ria de Rachael Ray.

Ele tamb?m se distrai com seus p?ssaros, um punhado de pombos passageiros em gaiolas no seu telhado. Os p?ssaros v?m de lugares que costumava visitar nas f?rias, como Mosul e Basra. Eles me oferecem uma forma de fuga, ele disse.

“Eu passo cerca de duas ou tr?s horas aqui”, ele disse enquanto alimentava os p?ssaros. “Eu esque?o de tudo quando estou aqui. Al?m disso, n?o posso ir a lugar nenhum. ? perigoso sair.” Mas mesmo Jawad n?o perdeu toda a esperan?a; ele disse que torce pelos esfor?os do governo iraquiano para promover a seguran?a. E alguns moradores de Fadhil e Sadriya disseram que a recente opera??o iraquiana-americana l? deu a alguns poucos amigos coragem suficiente para voltarem ao trabalho.

Mas eles disseram que pode levar anos para que homens como Hussein, o
miliciano Mahdi em Sadriya, abra m?o de suas armas e para os moradores se livrarem de seus medos. Com helic?pteros sobrevoando diariamente e disparos e explos?es t?o regulares quantos alarmes de rel?gios, o sentimento dos iraquianos de estarem presos ainda n?o diminuiu.

“Eu tento matar o tempo”, disse Jawad. “N?s tentamos nos manter ocupados porque quando n?o h? nada a fazer, isto faz o tempo parecer mais longo.”


Tradu??o: George El Khouri Andolfato


 

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