
A guerra no Iraque vai cruzar novamente nos pr?ximos meses a vida de um brasileiro e a do pr?ncipe Harry, terceiro na linha sucess?ria do trono brit?nico. Isso porque o capel?o paraibano Carlos Tom? da Silva e o filho de Diana e Charles, que j? foram contempor?neos na Academia Real Militar de Sandhurst, v?o servir o Ex?rcito ingl?s na mesma ?poca e muito provavelmente na mesma regi?o, no sul do Iraque. Eles estar?o do mesmo lado do combate, entre bombas e ataques de insurgentes.
Se eles se encontrarem no front, Harry, segundo-tenente, ter? de bater contin?ncia ao brasileiro, capel?o capit?o do Ex?rcito brit?nico, duas patentes acima do jovem nobre.
Se Harry se sentir mal, triste, ou perdido espiritualmente, ele vai poder contar com a ajuda de Silva. "Tenho a responsabilidade dentro do regimento de cuidar do bem-estar espiritual, emocional e moral das tropas", explicou o reverendo Carlos Tom?, em entrevista ao G1. Mas ele admite que a probabilidade ? pequena, j? que o regimento de Harry deve ter seu pr?prio capel?o. "Estaremos no mesmo lugar geograficamente, mas em lugares distintos administrativamente", disse.
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Cidad?o brit?nico, o cl?rigo anglicano nascido e formado em Jo?o Pessoa, na Para?ba, vai viajar pela primeira vez para um pa?s em guerra. Ele ? o primeiro brasileiro a se tornar capel?o das for?as armadas brit?nicas, e foi treinado pelo Ex?rcito ingl?s na Academia Real Militar de Sandhurst, a mesma onde se formaram os pr?ncipes Harry e William.
Mas sua prepara??o para situa?es de conflito come?ou muito antes, contou ele ao G1, no Nordeste brasileiro, quando fez um servi?o semelhante apoiando como um mission?rio anglicano um grupo de agricultores sem-terra ligados ao MST.
"Meu tempo com os sem-terra foi uma prepara??o inconsciente para a realidade que estou vivendo atualmente", disse, reconhecendo os riscos que viveu ent?o e os que vai enfrentar nos pr?ximos meses, mas dizendo n?o ter medo. O maior desafio para ele, diz, vai ser encarar o calor de mais de 50? do deserto, muito acima do que conheceu na Para?ba.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida por telefone e e-mail.
G1 – Que tipo de contato o senhor teve com os pr?ncipes Harry e William? Carlos Tom? da Silva – Eles eram cadetes e eu j? era oficial em Sandhurst. Meu curso era para oficiais qualificados, juntamente com advogados e m?dicos. Ent?o fic?vamos em lugares diferentes dentro da academia, mas sempre nos cruz?vamos, por mais que n?o houvesse tempo para os conhecer de verdade. Fomos contempor?neos e devemos servir juntos, j? que vamos os dois [ele e Harry] no mesmo ano e praticamente no mesmo per?odo. N?o que sejamos pr?ximos a ponto de sermos enviados no mesmo v?o, mas vamos ficar na mesma ?rea no mesmo per?odo.
G1 – Qual a fun??o que o senhor vai desempenhar no Iraque?
Tom? da Silva – Vou desempenhar o trabalho de capel?o. Tenho a responsabilidade dentro do regimento de cuidar do bem-estar espiritual, emocional e moral das tropas. Somos muito procurados por todos os que t?m dificuldades no conflito, problemas pessoais e de relacionamento dentro do regimento. Al?m disso, fazemos celebra?es e damos aconselhamento. Acompanharei meu regimento a todo lugar que ele for.


G1 – H? algum treinamento especial?
Tom? da Silva – Muda completamente o cen?rio. Quando vivemos uma realidade de paz, o ritmo das coisas ? bem diferente. Aqui na Inglaterra fazemos casamentos, batismos e celebra?es de igreja. L? a situa??o ? diferente. Vamos estar numa regi?o des?rtica, encarando temperaturas acima dos 50?C. Vou ter que me vestir como um oficial do Ex?rcito, usando uniforme, colete ? prova de balas e capacete, me protegendo como os outros militares. Nunca estive l?, mas, conhecendo a realidade do que contam colegas que j? foram, ? uma situa??o sem nenhum conforto, em clima de tens?o e expectativa. No nosso departamento de capelania temos reuni?es de prepara??o, palestras com colegas que j? estiveram no Iraque. Aprendemos tamb?m quais os problemas mais freq?entes, como lidar com feridos. Temos ainda uma prepara??o f?sica espec?fica para encarar o calor do deserto por seis meses.


G1 – Mas o senhor j? enfrentou situa?es de calor intenso do sert?o do nordeste brasileiro…
Tom? da Silva – Eu sou da Para?ba, mas, pelo que tenho percebido, a situa??o do calor no Iraque ? muito pior do que a do sert?o nordestino. Nasci em Jo?o Pessoa, onde fiz toda a minha forma??o em letras, teologia e direito. Acho os 38?C do Nordeste muito, mas j? estou me preparando para uma realidade que pode chegar aos 60?C.
G1 – Como o senhor chegou a ser capel?o do ex?rcito brit?nico?
Tom? da Silva – Estudei Letras na d?cada de 80, primeiramente, me formando em ingl?s. Foi essa forma??o, paralela a um bacharelado em Teologia, que me fez querer viajar pelo mundo fazendo trabalhos mission?rios. Quando terminei estes dois cursos, fui trabalhar com a miss?o chamada “Opera??o Mobiliza??o”, que tem at? uma base em S?o Jos? dos Campos. Passei dois anos viajando de navio pela ?sia e pela ?frica. Na volta, decidi ir ao Reino Unido para trabalhar na recupera??o de ex-presidi?rios, na d?cada de 90. Nessa ?poca, recebi a cidadania brit?nica. Em 95 voltei ao Brasil e passei a estudar Direito, ainda em Jo?o Pessoa. Em 2001 eu fui ordenado cl?rigo da igreja anglicana.
Nessa ?poca, at? 2004, eu trabalhei como mission?rio anglicano entre os sem-terra, j? como capel?o no MST da Para?ba. Fiquei at? formar uma comunidade anglicana entre eles, chamada Santo Estev?o, num assentamento chamado Antonio Conselheiro em S?o Miguel de Taipu. Tudo isso contribuiu para que eu decidisse deixar o Brasil e vir me juntar ? igreja no Reino Unido.
Primeiramente fui para o Pa?s de Gales, e foi quando fiquei sabendo da necessidade de capel?es no Ex?rcito, sabendo que a capelania envolvia acompanhar as tropas a qualquer lugar que fosse necess?rio. Passei pelo processo de recrutamento e j? havia me decidido que deveria ir em frente. Recebi a vaga no Castelo de Windsor, sendo entrevistado pelo bispo da rainha Elisabeth II. Fui ent?o fazer um curso no centro de capelania do Ex?rcito e depois fui para a Academia Militar Real de Sandhurst, a mesma em que os pr?ncipes Harry e William fizeram seus cursos. Fui contempor?neo dos dois na escola.
- ? Pr?ncipe Harry deve ser mantido fora de perigo no Iraque
- ? Pr?ncipe Harry segue a tradi??o militar brit?nica
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- ? Londres pede ? imprensa que deixe o pr?ncipe Harry trabalhar no Iraque
- ? Pr?ncipe Harry servir? no Iraque por US$ 4,44 a hora
- ? O que voc? acha da ida do pr?ncipe Harry ? guerra?
G1 – O fato de o senhor ser brasileiro o torna um capel?o diferente dos outros?
Tom? da Silva – Acredito que levo um pouco da minha personalidade e da minha cultura, por mais que tenha me aculturado para me tornar brit?nico. Nunca vou anular completamente meu lado brasileiro, minha cultura brasileira, com tradi??o de sermos pessoas abertas, cheias de calor humano, informais. N?s nordestinos temos muita flexibilidade de nos adaptarmos a qualquer dificuldade e situa??o.
G1 – A sua experi?ncia com o MST pode ser vista como um primeiro contato com este trabalho em zonas de conflito?
Tom? da Silva – Tive desde cedo muito contato com o MST. Vivi muitas dificuldades com eles, vi morrerem pessoas do grupo assassinadas em conflito com os latifundi?rios, que contratavam pessoas para ir contra os sem-terra. Vi eles sendo amea?ados, vivendo em tens?o. Conhe?o essa realidade de dureza de luta pela terra.
G1 – O trabalho com o MST acabou sendo uma forma de treinamento para ir ao Iraque?
Tom? da Silva – Acredito que sim. Eu j? me sentava no ch?o nas barracas de lona preta dos sem-terra, da mesma forma que sento no ch?o com os soldados. A diferen?a ? o lugar geogr?fico, mas nas duas situa?es estou ajudando os seres humanos que est?o vivendo dificuldades, e o capel?o tem que ter esta mesma flexibilidade. Meu tempo com os sem-terra foi uma prepara??o inconsciente para a realidade que estou vivendo atualmente.
G1 – O senhor tem medo dessas situa?es de conflito?
Tom? da Silva – N?o sei se por ingenuidade ou coragem, nunca tive medo. Corri perigo enquanto participava dos assentamentos dos sem-terra, chegando a ser intimidado por capangas. Nunca tive medo, nada que me fizesse cogitar a id?ia de parar.
G1 – ? o mesmo que o senhor sente agora indo para o Iraque?
Tom? da Silva – Sim. Nunca tive uma mentalidade militar, mas estou me tornando um para servir aos militares e estou indo ao Iraque com eles, me tornando um deles, para ajud?-los. E n?o tenho medo de morrer. Acredito que, se a hora chega, voc? pode estar no banho, n?o vai ser diferente estar numa zona de guerra.

http://g1.globo.com/Noticias/0,,MUI7386-5602,00.html