Samuel Kobia, secret?rio geral do Conselho Mundial de Igrejas, acompanhou o Conc?lio e deu entrevista na qual fala sobre ecumenismo
Edelberto Behs, PORTO ALEGRE, Brasil, Outubro 13, 2006
A Igreja Evang?lica de Confiss?o Luterana no Brasil (IECLB) tem um claro compromisso ecum?nico. Miss?o n?o pode ser entendido, pois, como sin?nimo de anticatolicismo ou de antipentecostalismo. “Nosso desafio consiste em fortalecer e encontrar novas maneiras de di?logo ecum?nico e coopera??o entre as igrejas e express?es religiosas”, enfatizou o pastor presidente da IECLB, Walter Altmann.
Esse compromisso est? registrado no relat?rio que Altmann apresentou ao 25. Conc?lio Geral da IECLB, reunido de 12 a 15 de outubro, em Panambi, cidade localizada a 380 Km ao noroeste da capital. O evento re?ne nas depend?ncias do Col?gio Evang?lico Panambi 95 delegados e delegadas dos 18 S?nodos e 21 convidados, observadores e parceiros de igrejas do Brasil e do exterior.
Existem no pa?s in?meras pessoas que andam sem rumo, sem f? ou que perderam a f?, “?s quais devemos prestar contas da nossa esperan?a”, disse Altmann. A prega??o da IECLB n?o ? contra nenhuma outra igreja, “mesmo que tenhamos com elas maiores ou menores diverg?ncias doutrin?rias, mas ? positiva, a favor de Jesus Cristo”, enfatizou o pastor presidente, que tamb?m ? o moderador do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).
No relat?rio, Altmann reportou-se ao F?rum de Miss?o reunido pela IECLB em Florian?polis, em julho. O F?rum concluiu que a igreja crist? ? essencialmente mission?ria, mas que falta uma cultura de planejamento na igreja e coragem, em muitos S?nodos, de ousar novos caminhos. Ainda assim, a IECLB est? presente em 67 dos 125 centros urbanos brasileiros que somam mais de 200 mil habitantes.
O pastor presidente assinala, bem por isso, que o rosto da IECLB est? em transi??o. Ela vive a dupla realidade da perda de membros e do desafio de acolher os novos rostos, frutos da miss?o. “Por isso, ela n?o pode mais restringir sua atua??o ao acompanhamento de membros, mas deve incorporar a dimens?o mission?ria em todos os seus n?veis, buscando alcan?ar pessoas para al?m das fronteiras geogr?ficas, culturais e ?tnicas”.
Afinado com esse compromisso mission?rio, o pastor Paulo Afonso Butzke desafiou a IECLB, ao apresentar o tema principal do Conc?lio, hoje de manh?, a “lan?ar as redes em ?guas mais profundas”. Ele destacou que a miss?o n?o ? da igreja, e que a Igreja ? uma fun??o da miss?o de Deus. “Somos apenas instrumentos”, apontou.
Num olhar sobre as perspectivas para o futuro da igreja, Butzke mencionou tr?s desafios para a IECLB: o desafio da sustentabilidade, o desafio do crescimento quantitativo e qualitativo, e o desafio da identidade.
O palestrante enfatizou que o tema da sustentabilidade n?o se esgota numa estrat?gia de capta??o de recursos, mas deve estar embasada numa consistente concep??o de desenvolvimento de igreja que contemple o testemunho do evangelho (martyria), a comunh?o (koinonia), o servi?o ao pr?ximo e ? sociedade (diakonia) e o louvor e a celebra??o (a leitourgia).
Se o tema da sustentabilidade nas congrega?es for canalizado apenas para o equil?brio or?ament?rio “ele ter? resultados frustrantes”, alertou Butzke. O te?logo recomendou ? igreja que desenvolva sensibilidade para as necessidades e dores da sociedade, de vir ao encontro do pr?ximo que se encontra em situa??o de sofrimento ps?quico, espiritual, f?sico e
econ?mico.
Butzke destacou que em nenhum outro campo a IECLB desenvolveu-se tanto nos ?ltimos anos do que na renova??o lit?rgica. Admitiu, contudo, que ainda cabe avan?ar “na compreens?o e melhor elabora??o dos elementos antropol?gicos do culto para que, de fato, se torne acontecimento dialogal e proporcione experi?ncia de comunh?o”.
Para Butzke, o desafio maior da IECLB ? o de ouvir a ordem de Jesus – lancem as redes em ?guas mais profundas (segundo Lucas 5, 1-6). “Se o barco chamado IECLB se tornar dispon?vel para a miss?o de Deus, ent?o poderemos contar com a sua fidelidade, e, onde e quando aprouver a Deus, experimentar o milagre das redes repletas de suas b?n??os”.
O secret?rio-geral do CMI, pastor metodista Samuel Kobia (leia entrevista abaixo), veio a Panambi a convite da IECLB, para acompanhar o Conc?lio e dar continuidade ao momento que a IX Assembl?ia do organismo ecum?nico reunido em fevereiro, em Porto Alegre, inaugurou. O bispo dom Sin?sio Bohn, da cidade ga?cha de Santa Cruz do Sul, representa a Igreja Cat?lica no Conc?lio.
Tamb?m est?o em Panambi representantes das igrejas Evang?lica Luterana dos Estados Unidos, Evang?lica do Rio da Prata, Evang?lica Luterana da Baviera, Evang?lica da Alemanha, da Noruega, Metodista do Brasil, Presbiteriana Unida, da Coordenadoria Ecum?nica de Servi?o, da Sociedade B?blica do Brasil e da Sociedade Mission?ria Norueguesa.
Fonte:ALC Not?cias
Movimento ecum?nico precisa ouvir as vozes do Sul
Entrevista: Edelberto Behs, PORTO ALEGRE, Brasil, Outubro 17, 2006
De passagem r?pida pelo Brasil, a convite da Igreja Evang?lica de Confiss?o Luterana (IECLB), o secret?rio-geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Samuel Kobia, defende mudan?as corajosas no movimento ecum?nico, chamando para o centro da agenda atores que come?am a al?ar voz, como mulheres, jovens, pessoas portadoras de defici?ncia, ind?genas.
“Eu acredito fortemente que chegou a hora para uma nova ?poca do ecumenismo no mundo”, disse Kobia em entrevista ? ALC. O ecumenismo do s?culo XXI tem que aceitar que a situa??o mudou, declarou. “Por isso precisamos outras maneiras de nos organizar, incluindo a configura??o do movimento ecum?nico, no qual a espiritualidade ocupe um lugar mais central”, agregou.
O movimento ecum?nico, preconizou, precisa ouvir as vozes que v?m do Sul. Kobia defendeu um ecumenismo espiritual voltado aos jovens, no qual possam encontrar sentido para a vida, e quer que o CMI possibilite a corais de crian?as latino-americanas se apresentarem em outras regi?es do mundo para entoarem can?es de paz e trazer mensagens de supera??o da viol?ncia.
Kobia esteve em Panambi, cidade ga?cha a 380 km a noroeste de Porto Alegre, onde a IECLB reuniu seu Conc?lio, de 12 a 15 de outubro. De fala mansa e pausada, vestindo um terno escuro, apesar do calor, o secret?rio-geral apontou, na entrevista, pequenos avan?os na rela??o do CMI com o Vaticano e lamentou a decis?o da Igreja Metodista brasileira de desvincular-se de organismos que tenham a presen?a da Igreja Cat?lica.
Leia, abaixo, a entrevista de Kobia ? ALC na ?ntegra.
ALC – Qual o motivo da sua visita pouco mais de meio ano ap?s a realiza??o da IX Assembl?ia do Conselho Mundial de Igrejas, em Porto Alegre?
Samuel Kobia – A minha visita a esta regi?o est? limitada, desta vez, ao Brasil. Eu vim aqui para reagir ao convite da Igreja Evang?lica de Confiss?o Luterana no Brasil (IECLB) para participar e ter a oportunidade de refletir tamb?m um pouco no seu Conc?lio Geral. Por isso n?o vou visitar outras igrejas na Am?rica Latina e no Brasil. Normalmente, depois de uma Assembl?ia Geral do CMI n?s tentamos construir e refor?ar os contatos que fizemos ao longo do processo de prepara??o da Assembl?ia e durante a pr?pria Assembl?ia.
A IECLB realiza o seu Conc?lio Geral no mesmo ano em que tivemos a Assembl?ia do CMI e por isso decidi que esta seria uma oportunidade que eu gostaria de aproveitar para dar continuidade ao momentum que a Assembl?ia inaugurou.
Tamb?m sublinho o fato de que o final da Assembl?ia que aconteceu no Brasil n?o ?, na verdade, o final do nosso interesse pela vida das igrejas no Brasil. Espero que no pr?ximo ano, ou nos pr?ximos dois anos, eu possa vir mais uma vez ? Am?rica Latina e desta vez visitar algumas igrejas a mais, com o prop?sito de fortalecer a rela??o com elas.
ALC – Terminada a IX Assembl?ia e reunido o Comit? Central, em setembro, agora est?o definidas as linhas principais que o CMI dever? seguir nos pr?ximos anos. Quais s?o os desafios que organismo ecum?nico tem pela frente?
Samuel Kobia – Um desafio principal j? identificamos a caminho de prepara??o da Assembl?ia. Foi afirmado com muita contund?ncia pela Assembl?ia, e foi reiterado na primeira reuni?o do Comit? Central, que o movimento ecum?nico est? desafiado a redefinir o seu papel na sociedade hoje em dia. Vivemos num mundo onde vemos a multiplicidade da prolifera??o de muitas organiza?es que est?o envolvidas nas mesmas quest?es com os quais o movimento ecum?nico lida. O ponto ent?o ?: Qual a especificidade do movimento ecum?nico? O que ? que n?s podemos trazer ao debate e qual a rea??o aos desafios, de forma que os outros j? n?o o estejam fazendo. Esse ? o maior desafio do movimento ecum?nico.
Relacionado a isso est? um segundo desafio, que ? o encorajamento interno do movimento ecum?nico. O CMI, como a mais abrangente e contundente express?o do movimento ecum?nico, ? conformada por denomina?es ou ?rg?os confessionais. Mas agora estamos percebendo uma fraqueza nas denomina?es, porque muitas igrejas-membro est?o tendo o seu n?mero de membros diminu?do e tamb?m est?o perdendo influ?ncia na sociedade. Ao mesmo tempo em que h? um decl?nio no n?mero de denomina?es, constata-se um crescimento contundente das comunidades n?o-denominacionais. Esse processo enfraqueceu as denomina?es que constitu?am a membresia do CMI. Ent?o, o nosso desafio ? o de acompanhar as igrejas-membro no entendimento do que ? que elas t?m que fazer para identificar os aspectos para que isso mude.
O terceiro desafio para o movimento ecum?nico, e relacionado a tudo isso, ? o auto-entendimento num mundo plural e multireligioso. Em toda essa din?mica o Comit? Central tentou nos aconselhar a como organizar os nossos programas, de forma que a gente consiga responder a esses desafios. Por isso existe, por exemplo, uma ?nfase forte na forma??o ecum?nica, assim como na forma??o de f?, porque particularmente a gera??o mais nova tem pouco entendimento dos elementos b?sicos da f? crist?. A gera??o mais nova do movimento ecum?nico perdeu o jeito de se fazer forma??o ecum?nica. O tipo de espa?o que era oferecido pelo movimento de crist?os jovens hoje n?o ? t?o forte como era nos anos 50 e nos anos 60 do s?culo passado. ? por isso que h? uma grande necessidade de forma??o ecum?nica, porque estamos ? procura de unidade na igreja. A maneira como abordamos o tema da miss?o e a espiritualidade constituem uma ?rea muito importante dos nossos programas.
E, finalmente, a maneira como lidamos com as quest?es de diaconia e desenvolvimento, justi?a e paz, porque esses elementos constituem uma grande ?rea de trabalho do CMI. Essa ? uma tentativa de descobrir e entender a voz do CMI para o mundo de hoje. Temos que refor?ar as nossas vozes em n?vel local, mas tamb?m em n?vel global. Esses s?o, diria, alguns dos desafios b?sicos que encaramos hoje.
ALC – Qual a contribui??o efetiva das igrejas da Am?rica Latina para a caminhada do CMI? O fato da IX Assembl?ia ter se reunido em Porto Alegre teve algum reflexo?
Samuel Kobia – Existem dois desenvolvimentos no mundo hoje, nos quais posso vislumbrar que o CMI tenha influ?ncia ou tenha sido influenciado pelo fato da Assembl?ia ocorrer na Am?rica Latina. Na comunidade global, mas tamb?m no centro da Europa e no Leste europeu, estamos passando por um per?odo de transi??o, de um per?odo de ditaduras militares para um mecanismo democr?tico de governo. Eu sinto que a Am?rica Latina contribuiu muito mostrando como lidar com essa mudan?a s?cio-pol?tica.
Quando olhamos para situa?es como a do Brasil ou da Argentina, do Chile, mas tamb?m mais recentemente da Bol?via, podemos aprender muito como uma boa administra??o dessas transi?es podem ser modelo de se lidar com grandes mudan?as. Existem muitas pessoas na ?frica, na ?sia e na Europa Central, que, acredito, podem aprender com esse modelo. Por isso estou confiante que o CMI possa comunicar a experi?ncia da Am?rica Latina de como lidar com grandes transi?es.
A segunda contribui??o est? relacionada ao crescimento do pentecostalismo e o movimento carism?tico. A Am?rica Latina ? uma regi?o onde o pentecostalismo tornou-se muito forte na metade do s?culo passado. Como nos relacionamos com os pentecostais? Como envolvemos os pentecostais no movimento ecum?nico? Por isso, podemos aprender com a Am?rica Latina, como as principais igrejas protestantes est?o trabalhando em coopera??o e vendo como encontrar caminhos de ter boas rela?es com os pentecostais e os membros do movimento carism?tico.
A outra ?rea ? como lidar com a pobreza. Mais uma vez, tomando esse pa?s como exemplo, mas tamb?m vendo o Chile que mostrou que existem maneiras de lidar com a pobreza num novo quadro pol?tico, essa ? uma ?rea que aprendemos muito tendo realizado a Assembl?ia aqui na Am?rica Latina.
E, finalmente, as quest?es de viol?ncia. A Am?rica Latina ? uma regi?o que conhece a viol?ncia, v?rios pa?ses da Am?rica Latina lidaram com a viol?ncia. Que tipo de programas e projetos as igrejas levaram a cabo para combater e superar a viol?ncia? Atrav?s da Assembl?ia conseguimos aprender tamb?m isso da Am?rica Latina.
ALC – Os objetivos propostos pela D?cada de Supera??o da Viol?ncia, que este ano tem o seu foco centrado na Am?rica Latina, t?m sido alcan?ados? Que avalia??o o senhor faz?
Samuel Kobia – Quando temos um foco regional para o programa da D?cada de Supera??o da Viol?ncia, a inten??o ? usar esta regi?o como uma janela atrav?s da qual o resto do mundo, o resto do mundo ecum?nico pode aprender como lidar com viol?ncia. Uma das maneiras da D?cada de Supera??o da Viol?ncia ter o foco na Am?rica Latina fez, diria, tomar emprestado deste pa?s, o Brasil – n?s vimos, por exemplo, o trabalho do Viva Rio -, de encontrar um novo arranjo entre as comunidades, as igrejas e os governos de como lidar com as quest?es das armas envolvidas em atos de viol?ncia, sugerindo maneiras alternativas de treinar jovens: ao inv?s de coloc?-los no servi?o militar trein?-los para uma cultura de paz. Acho que ? uma dessas possibilidades alternativas da qual podemos aprender bastante da Am?rica Latina.
Em segundo lugar, ao trazer a agenda do programa da D?cada de Supera??o da Viol?ncia para as igrejas n?s trabalhamos em conson?ncia com as organiza?es ecum?nicas regionais como o Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), os Conselhos Nacionais de igrejas e grupos que lutam pela paz. Por isso houve tamb?m uma reflex?o teol?gica sobre a viol?ncia e eu acredito que ? uma contribui??o com a qual podemos contar.
Em terceiro lugar, a id?ia de usar o programa da D?cada de Supera??o da Viol?ncia como uma matriz de interpreta??o, para que se consiga envolver as crian?as para que reflitam sobre a viol?ncia e a paz. Fomos encorajados pelo fato de que corais de crian?as em muitas igrejas da Am?rica Latina conseguiram trazer mensagens para as igrejas e para a sociedade, mostrando as faces da viol?ncia. Mais uma vez, como uma janela, gostaria de continuar construindo nesta dire??o. A minha proposta foi de que o CMI pudesse facilitar um projeto no qual os corais de crian?as da Am?rica Latina possam viajar para outras regi?es, para mostrar como as crian?as podem e conseguem ter e formular uma mensagem clara para a sociedade, que se refere ? supera??o da viol?ncia.
ALC – A busca da paz passa necessariamente pelo entendimento religioso? Como se consegue tal entendimento, quando, aparentemente, as dist?ncias entre crist?os e mu?ulmanos aumentam?
Samuel Kobia – ? verdade que existe uma dist?ncia entre crist?os e mu?ulmanos em muitas partes do mundo. Mas tamb?m houve uma diminui??o dessa dist?ncia entre crist?os e mu?ulmanos em outras ?reas. Por exemplo, na ?frica, na Lib?ria, em Serra Leoa, conc?lios inter-religiosos para a paz e a reconcilia??o conseguiram trazer crist?os e mu?ulmanos para um di?logo muito pr?ximo. Quando esses conc?lios se re?nem, se os crist?os abrem a reuni?o com uma ora??o a mesma reuni?o ser? encerrada com a ora??o de um mu?ulmano. Nesse sentido, h? um melhor entendimento entre crist?os e mu?ulmanos, tanto que eles contribu?ram para a paz e a reconcilia??o nesses pa?ses.
A gente tamb?m pode apontar o exemplo da Mal?sia, na ?sia, onde crist?os e mu?ulmanos se aproximaram para lidar com quest?es econ?micas e sociais naquele pa?s. Na Europa, onde se criou esse clima tenso inaugurado com o epis?dio das charges na Dinamarca e mais recentemente com as declara?es do papa Bento XVI, ao mesmo tempo h? tamb?m im?s mu?ulmanos e comunidades mu?ulmanas que se aproximaram dos crist?os. E eles est?o dizendo: olhem, as comunidades mu?ulmanas n?o s?o uma entidade monol?tica, mas tamb?m existem mu?ulmanos que s?o moderados, tolerantes, e por isso precisamos trabalhar juntos com essa gente.
Acho que podemos alcan?ar um resultado maior se conseguirmos construir baseados nesses exemplos, incluindo os incidentes recentes nos Estados Unidos, onde, depois do 11 de setembro, em alguns casos as igrejas tornaram-se os lugares onde alguns mu?ulmanos, que sofreram discrimina??o e ass?dio da sociedade, foram trazidos para expressar sua amizade e entendimento nas igrejas. E o Conselho Nacional de Igrejas dos EUA – a igreja presbiteriana, a igreja metodista, a igreja luterana – todas elas partilharam as experi?ncias em que funcionaram como centros de ref?gio, se se pode chamar assim, e isso fez com que muitos mu?ulmanos olhassem para os crist?os a partir de uma perspectiva diferente.
Dito isso, aceitarei com clareza que a religi?o continuar? a desempenhar um papel importante, inclusive no que se refere, ?s vezes, ? difus?o da viol?ncia. A religi?o tamb?m ? um mecanismo para isso. Os extremistas dentro da comunidade isl?mica est?o usando qualquer incidente para tentar mostrar que o mundo mu?ulmano est? sendo atacado pelo mundo crist?o. E por isso a guerra no Iraque, a situa??o na Palestina, a situa??o no L?bano, essas situa?es at? sugerem que os crist?os est?o usando os judeus muitas vezes para oprimir e dominar o mundo mu?ulmano. Eles v?em o Iraque como uma nova cruzada, porque infelizmente o presidente George Bush usou esse termo depois do ataque de 11 de setembro e muitos mu?ulmanos n?o esqueceram essa declara??o.
Ent?o, existe muito trabalho a ser feito. Por isso que o nosso programa de Di?logo Inter-Religioso e Coopera??o vai ser um dos nossos programas priorit?rios depois da Assembl?ia de Porto Alegre.
ALC – Qual o papel da m?dia nesse contexto. Ela ajuda ou mais atrapalha para a aproxima??o entre povos e a constru??o da paz?
Samuel Kobia – Eu acredito que a m?dia tem tanto um lado positivo quanto negativo no que se refere a esse assunto. Por exemplo: A maneira como a m?dia lida com qualquer evento ou inst?ncia, como as charges publicadas na Dinamarca, pode trazer uma mensagem positiva como uma mensagem que pode encorajar o confronto direto. A sociedade, hoje, ? muito influenciada pela m?dia. Eu acredito que jornalistas, hoje, t?m maior influ?ncia nas comunidades do que os sacerdotes, pastores. Por isso eles t?m uma responsabilidade enorme, para, de um lado, serem fi?is nas reportagens, de relatarem os fatos como eles s?o. Mas tamb?m h? casos em que a m?dia faz uma an?lise da situa??o e por isso ela pode, muitas vezes, deslanchar ou inflamar uma situa??o.
Por essa quest?o, acredito que ? muito importante que a m?dia de massa, e n?s, do movimento ecum?nico, trabalhemos juntos. Por exemplo, a m?dia pode ser uma ajuda muito grande para comunicar a experi?ncia do CMI no Oriente M?dio, onde o nosso programa de Acompanhamento Ecum?nico na Palestina e Israel est? sendo levado a cabo. Este ? um programa bastante efetivo que tem envolvido centenas de pessoas que est?o l? como testemunhas oculares do que est? acontecendo nos territ?rios ocupados da Palestina. Tamb?m em Israel, estes que est?o trabalhando pela paz e pelo di?logo, ?s vezes acham bastante dif?cil atuar porque percebem que existem for?as em Israel que n?o querem que isso aconte?a. Mas este programa n?o ? sensacionalista, n?o ? algo que pode virar manchete facilmente. Se a m?dia quisesse, poderia trazer isso como exemplo do que pode ser feito pelo movimento ecum?nico, ajudando a ter um entendimento maior da situa??o da Palestina e de Israel.
ALC – Quando de sua visita ? Am?rica Latina antes da IX Assembl?ia, o senhor falou de um “ecumenismo espiritual”, com base nas experi?ncias recolhidas do contato com igrejas e organismos. O senhor dizia que o CMI est? preparado para mudan?as e que ele n?o seria t?mido para realiza-las. ? chegado esse momento? Que mudan?as o senhor preconiza, sem timidez?
Samuel Kobia – Eu acredito fortemente que chegou a hora para uma nova ?poca do ecumenismo no mundo. O ecumenismo do s?culo XX foi conformado tamb?m pelo contexto social e econ?mico, particularmente na Europa e na Am?rica do Norte. O ecumenismo do s?culo XX foi impactado por essa realidade e foi moldado pelas id?ias e experi?ncias da Europa e da Am?rica do Norte, porque basicamente esses eram os contextos que deslancharam o processo pelo lado intelectual, organizacional do ecumenismo. N?s nos encontramos, hoje, numa situa??o em que a Igreja est? crescendo no Sul, mas n?o no Norte. Ent?o, encontramo-nos numa situa??o em que o ecumenismo que passou do s?culo XX para este n?o conseguiu transformar-se e permitir-se ser influenciado pela nova realidade em que est? inserido. N?s temos que ter um ecumenismo do s?culo XXI que aceite que a situa??o mudou. E por isso precisamos outras maneiras de nos organizarmos, incluindo a configura??o do movimento ecum?nico, no qual a espiritualidade ocupe um lugar mais central.
Mas mais uma vez, essas mesmas denomina?es est?o diminuindo na Europa e nos Estados Unidos. ? por isso que n?s precisamos ter um di?logo dentro do movimento ecum?nico, que tem que come?ar a escutar as vozes do Sul, porque a vitalidade da cristandade est? hoje no Sul, e n?o no Norte.
Terceiro, n?s precisamos ter a participa??o daqueles que tradicionalmente t?m sido marginalizados dentro da igreja, para que sejam eles que conformem o movimento ecum?nico do s?culo XXI. As vozes dos te?logos liberais do final do s?culo XX, que eram basicamente europeus e norte-americanos, as lideran?as hier?rquicas das igrejas dessas regi?es, de novo, s?o aqueles que ocuparam a maioria dos espa?os at? agora no movimento ecum?nico. Mas agora n?s precisamos enxergar que as mulheres, os jovens, os povos ind?genas, os portadores de defici?ncia sejam capazes de se colocar dentro do movimento ecum?nico do s?culo XXI. N?o como objetos do movimento ecum?nico, mas como sujeitos, capazes de influenciar a agenda do movimento ecum?nico. Quando olhar para a quest?o desse ponto de vista, voc? come?ar? a ver que as agendas v?o come?ar a mudar. Mas dizendo isso, eu n?o tiro a ?nfase, de maneira alguma, da necessidade por procura pela unidade. A procura pela unidade continua e ? de fato a quest?o principal do movimento ecum?nico. Mas estou dizendo que ? poss?vel olhar para a quest?o da unidade atrav?s dos olhos n?o somente daqueles que foram os protagonistas do ecumenismo do s?culo XX, mas tamb?m atrav?s dos olhos dos novos atores do movimento ecum?nico.
E, finalmente, vejo que a juventude na Igreja, hoje, n?o est? t?o preocupada com a integridade doutrinal como os pais e seus av?s estiveram. Muitos dos jovens nas igrejas querem descobrir como a Igreja pode dar significado ?s suas vidas. ? por isso que falo mais de um ecumenismo espiritual. Porque quando escuto os jovens ou os vejo procurando com ansiedade por alguma coisa que lhes d? significado ? vida, para mim isso ? espiritualidade tamb?m. Por isso estou realmente bem preparado para investir tempo e recursos para fazer com que o CMI tenha um papel fundamental nesse processo de encorajamento para essa abordagem do ecumenismo no s?culo XXI.
ALC – Delega??o do CMI esteve como papa Bento XVI, em junho de 2005, quando lhe prop?s uma agenda comum de colabora??o. Passado mais de ano desse encontro, o que de concreto existe dessa agenda?
Samuel Kobia – Eu fiquei bastante encorajado pela resposta do papa Bento XVI naquela oportunidade, pela rea??o dele ? proposta para essa colabora??o. Ele