Um bate-papo com o escritor Affonso Romano de Sant?Anna
Vest?gios De algumas coisas n?o se t?m mais vest?gios: De algumas coisas n?o se t?m mais vest?gios. Por isto alguns se calam
utens?lios
objetos
costumes
e sentimentos
que ca?ram em desuso.
outros colam os olhos vagos
no horizonte
enquanto alguns como arque?logos
t?m sido vistos
procurando
daquele tempo
ah! daquele tempo
algum vest?gio.
Foi numa fam?lia metodista que nasceu o poeta Affonso Romano de Sant'Anna, no dia 27 de mar?o de 1937, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Sua irm?, Cl?udia Romano de Sant?Anna, foi redatora do jornal Expositor Crist?o entre os anos de 1972 a 1980. Na adolesc?ncia, a f? quase o levou ao minist?rio pastoral. Acabaria encontrando sua verdadeira voca??o na literatura: formou-se bacharel em Letras Neolatinas na Universidade Federal de Minas Gerais e depois fez um doutorado sobre a obra de Carlos Drummond de Andrade, escritor que conheceu pessoalmente. "Ele, inclusive, me emprestou seus arquivos, que reunia cerca de 600 p?ginas", conta Affonso numa entrevista ao Jornal do Brasil. "Logo depois que retornei dos Estados Unidos, em 67, defendi a tese. Dia depois, recebi um telegrama dele, que dizia: ?voc? me desparafusou todo?. Este foi o melhor elogio que eu poderia ter recebido".
Afonso Romano tamb?m teve o privil?gio da amizade de Clarice Lispector. Ele escreve no sitewww.claricelispector.com.br: "A meu convite ela foi v?rias vezes ? PUC-RJ quando dirigi o Departamento de Letras e Artes. Tenho aqui as fotos dela assistindo a alguns dos desafiadores encontros nacionais de professores de literatura que organizamos nos anos 70. Lembro-me daquele em que Luiz Costa Lima e Jos? Guilherme Merquior debatiam trocando hermetismos te?ricos, quando Clarice, de repente, levantou-se e foi embora. Fiquei preocupado. N?lida a acompanhou. Telefonei-lhe depois. E ela: "Aquela discuss?o incompreens?vel foi me dando uma fome que cheguei em casa e comi um frango inteiro."
Escritor, professor e cr?tico liter?rio, teve uma participa??o fundamental na "descoberta" do talento liter?rio de Ad?lia Prado. Em 1973, ela lhe enviou os originais de seu primeiro livro, "Bagagem". Affonso os encaminhou a Drummond, que tamb?m se encantou com a beleza da poesia de Ad?lia. Ambos prestigiaram a sess?o de aut?grafos deste primeiro livro, lan?ado em 1976.
Afonso Romano de Sant?Anna sempre foi muito respeitado no mundo acad?mico, mas n?o se restringiu a ele. Por isso, muita gente que jamais entrou numa universidade j? leu algum poema ou cr?nica deste escritor, sempre presente nas p?ginas dos jornais refletindo sobre os problemas da pol?tica, da sociedade, da vida. Afinal, como ele mesmo nos fala na entrevista que voc? ler? a seguir, o poeta est?, historicamente, mesclado ao profeta.
1) Uma das muitas biografias suas que existem na Internet afirma que voc? foi "criado para ser pastor" e, aos 17 anos, j? pregava em v?rias cidades de Minas. ? verdade isso? Voc? chegou a considerar a possibilidade de cursar Teologia?
? verdade. ?ramos seis filhos. Tinha dois tios pastores: Rev. Affonso Romano e Rev. Lemos. Tio Affonso foi reitor da Faculdade de Teologia em Rudge Ramos. Cheguei a visit?-lo e ? tia Marta l?, nos anos 50. N"O Granbery" fui um dos "puritanos"? como chamavam os rapazes que iam ser pastor, muitos vindos do interior. Preguei em Matias Barbosa, S?o Jo?o Nepomuceno, Barbacena, Cachoeirinha, Santos Dumont, etc. Depois de ter ocupado v?rios cargos nos movimentos juvenis e jovens, l? pelos 16 ou 17 anos descobri que minha verdadeira voca??o era a poesia e a literatura. E fui em frente.
2) Existe algum texto po?tico na B?blia que o inspire de maneira especial?
A B?blia est? em toda minha obra. O ritmo dos Salmos e dos Prov?rbios, as par?bolas de Cristo, enfim, literariamente, a B?blia ? riqu?ssima, tem trag?dia, drama, lirismo e ali o profeta e o poeta se misturam social e historicamente.
3) E a forma??o metodista, de que maneira ela influenciou ou influencia sua forma??o e produ??o liter?ria?
A for?a ?tica do metodismo ficou. Os princ?pios b?sicos permanecem. Em tudo o que fa?o ou escrevo isto se nota. Ali?s, ? falta de ?tica o que se nota hoje em nossa sociedade. O que Cristo trouxe, na verdade, foi uma nova rela??o ?tica, e a ?tica ? que nos ensina os limites de nosso espa?o em rela??o ao pr?ximo.
4) Como ? seu relacionamento com a Igreja hoje?
Um relacionamento cordial. Continuo tendo v?rios amigos l? dentro, v?rios textos meus ?s vezes aparecem em programas da igreja. O tempo da juventude passado naqueles congressos e reuni?es foi um tempo muito precioso e inesquec?vel.
5) Publicamos em nosso site, tempos atr?s, um artigo seu no qual voc? criticava um curso de forma??o de pastores por correspond?ncia (uma esp?cie de "kit pastor" a pre?os m?dicos…). Como voc? avalia o crescimento do movimento evang?lico no pa?s e sua inser??o na sociedade?
?, a coisa mudou. E para pior. O que h? por a? em certas denomina?es ? puro neg?cio, balc?o. Se Cristo entrasse em alguns templos que se erguem por a? em nossas cidades teria que trazer de novo o chicote e clamar: "Oh! ra?a de fariseus e hip?critas!…"
6) O Pr?mio Jabuti de 2006 pelo livro Vest?gios ? o mais recente que voc? ganhou?
Esse pr?mio deu certa visibilidade ao livro. Mas depois publiquei mais tr?s- "O homem e sua sombra" (Ed. Alegoria), "A cegueira e o saber" (Ed. Rocco) e "Tempo de delicadeza"(Ed. LPM).
7) No poema que d? t?tulo ao livro Vest?gios voc? fala de "sentimentos que ca?ram em desuso". Que sentimentos, sonhos, ideais a Igreja poderia "cultivar" no mundo?
Vivemos numa ?poca em que palavras como "?tica" e "car?ter" quase chegam a ser palavr?es, pois ca?ram em desuso, como certas roupas, utens?lios e m?quinas. No entanto, s?o instrumentos essenciais ? vida pessoal e social. Com o fim, que j? ocorreu, do s?culo XX, temos que fazer uma avalia??o de muita coisa: aquele foi um s?culo importante, mas nos trouxe muitos equ?vocos. Temos que entrar no s?culo XXI antes que ele acabe sem tomar conhecimento da gente.