Jacó

Jac?: o homem que se tornou na??o


Uma interpreta??o da hist?ria de Jac? que nos ensina a superar as intoler?ncias e eliminar os preconceitos ?tnicos, pol?ticos e sociais.




A luta de Jac? e o Anjo. Obra do franc?s Alexander Louis Leloir, 1865. A hist?ria de Jac? inspirou artistas de todas as ?pocas e lugares.



Jac? seguia com suas mulheres, filhos, criados e bens de volta ? terra natal. Do planalto de Galaad, regi?o da Transjord?nia, desceu at? a garganta do rio Jaboque, um afluente do Jord?o. Ele resolveu atravessar toda a comitiva antes do p?r-do-sol e ficou por ?ltimo. Foi ent?o que surgiu aquele homem misterioso. J? estava escuro quando come?aram a lutar. A luta se estendeu at? o raiar do dia. Finalmente, o estranho pediu para ser solto, mas Jac? exigiu, antes, uma ben??o. O homem deu-lhe a vit?ria e um novo nome: Israel, aquele que luta com Deus. E Jac? chamou aquele lugar de Peniel (de panim, face e El, Deus), dizendo: "Vi a Deus face a face".


Assumindo a identidade de Israel, Jac? tornou-se o antepassado ep?nimo do povo judeu, ou seja, aquele que empresta seu pr?prio nome ? na??o – assim, em sua hist?ria revela-se a identidade de todo um povo. "A imagem do patriarca ep?nimo condiciona, necessariamente, a imagem que o povo forma de si mesmo", explica o te?logo espanhol Jos? Luis Sicre D?az, doutor em Sagrada Escritura pelo Pontif?cio Instituto B?blico de Roma e professor na Faculdade de Teologia de Granada. Talvez por isso a figura de Jac? seja a mais contradit?ria de todos os patriarcas, e a mais rica em significados. Mentira e verdade, ingenuidade e ast?cia, medo e f? s?o elementos que se alternam para descrever um patriarca humano, acima de tudo.



Disputa na barriga da m?e



Depois do estranho epis?dio da luta com Deus no rio Jaboque, Jac? iria se encontrar com seu irm?o g?meo Esa?. Eles tinham contas antigas a ajustar. A disputa come?ou antes mesmo do nascimento. Conta-se que os g?meos j? lutavam dentro do ventre da m?e, Rebeca. Esa? nasceu primeiro, mas Jac? veio logo atr?s, segurando no calcanhar do irm?o. Da? a origem de seu nome: Ya?acov , que deriva da palavra hebraica ekev, calcanhar. Jac? cresceu como um homem pacato, o preferido de Rebeca. Esa?, que era um valente ca?ador, era o preferido do pai, Isaque.


Certo dia, Esa? voltava faminto da ca?a e viu Jac? fazendo um cozido de lentilhas. Pediu a comida e Jac? prop?s um neg?cio: o cozido pelo direito de primogenitura. Dizia a lei que o primog?nito tinha direito ao dobro de tudo o que fosse destinado aos outros irm?os. Esa? concordou com a troca: "Estou a ponto de morrer; de que me aproveitar? o direito de primogenitura?". Para os antigos israelitas, mais valiosa do que a heran?a era a ben??o que o pai reservava ao primog?nito antes de morrer. E das palavras sagradas de seu pai ? beira da morte, Esa? n?o queria abrir m?o. Contudo, quando Isaque j? estava velho e cego, Rebeca e Jac? usaram de um estratagema para obter a ben??o paterna: o rapaz vestiu-se com as roupas de Esa? e cobriu as m?os e o pesco?o com pele de cabrito, para parecer peludo como o irm?o.


Quando Esa? descobriu o "roubo" ficou furioso e prometeu matar Jac?. Aconselhado por Rebeca, Jac? fugiu para a casa do tio materno, Lab?o, na Mesopot?mia. Acolhido na casa de Lab?o, casou-se com as primas Lia e Raquel e l? permaneceu os 20 anos seguintes. Ent?o, resolveu voltar para Cana?. Antes, por?m, quis se reconciliar com Esa?. Na noite anterior ao encontro, ocorreu a estranha luta no rio Jaboque e a mudan?a do nome. No dia seguinte, os irm?os se encontraram e fizeram as pazes.



O crente que n?o larga do p? de Deus



Para o te?logo Mauro Meister, pastor da 1? Igreja Presbiteriana de Goi?nia e professor do Centro Presbiteriano de P?s-Gradua??o Andrew Jumper, o evento sobrenatural ocorrido no rio Jaboque ? a pe?a chave para a compreens?o do patriarca Jac?: "ele nos ensina que a elei??o de Deus prevalece at? mesmo sobre o car?ter do homem". Segundo o pastor Meister, Jac? precisou da interfer?ncia direta do pr?prio Deus para assumir, efetivamente, a alian?a feita com seu av? e seu pai. Contudo, no epis?dio da luta, revela-se, tamb?m, um papel ativo na busca do sagrado. Para Meister, a melhor tradu??o para o nome Israel, n?o seria o que luta, mas o que "persevera" com Deus. "O nome Yisra?el? derivado do verbo sara, persistir ou perseverar",diz o te?logo.



A auto-afirma??o de Israel


"Quando se diz que Deus est?, agora, com Jac?, significa que Deus est?, agora, com Israel do Norte" (veja box), afirma Jos? Lu?s Sicre, da Faculdade de Teologia de Granada. O te?logo espanhol lembra que os ?xitos e m?ritos do patriarca s?o, por associa??o direta, reivindicados para o pr?prio povo de Israel. Contudo, ao mesmo tempo em que G?nesis mostra um patriarca aben?oado por Deus, tamb?m faz um retrato nem sempre elogioso de sua conduta. "O relato de G?nesis n?o ? manique?sta?, afirma o te?logo. "Em uma cultura onde se valoriza o viril, e a atividade e o temperamento empreendedor, n?o parece demasiado elogioso dizer que Jac? ? um homem tranq?ilo que gosta de cozinhar e ? preferido de sua m?e, e n?o do pai", completa. Al?m disso, embora cumprindo uma promessa (Deus havia dito a Rebeca, ainda gr?vida, que o filho mais novo sobrepujaria o mais velho), o fato ? que Jac?, efetivamente, engana seu pai e seu irm?o. Mais tarde, na casa de Lab?o, ? ele a v?tima de fraude, quando pensa que est? se casando com a amada Raquel e recebe Lia como esposa (veja box). Torna-se, tamb?m, objeto de uma "transa??o" entre as esposas: Raquel cede uma noite com o marido em troca de mandr?goras, flores vinculadas com fertilidade, colhidas pelo filho de Lia (Gn 30.14-16) – algo, no m?nimo, estranho em se tratando de uma sociedade machista… "Ou seja, a imagem de Jac? tem aspectos positivos e negativos, como podemos esperar de qualquer ser humano. Por?m, na vis?o de G?nesis, o positivo vem diretamente de Deus, n?o se deve aos m?ritos do patriarca", lembra Sicre.


S? que uma imagem t?o humana ? dif?cil de ser aceita pela mentalidade religiosa, que tende a mitificar seus personagens favoritos, considera o te?logo. Assim, teria surgido com o passar do tempo uma repulsa dessa identidade, por meio de dois mecanismos distintos: o de relegar Jac? a um segundo plano (exaltando, em seu lugar, o patriarca Abra?o) ou o de exaltar a figura de Jac?, ? custa da deprecia??o de Esa?, por meio da elabora??o de novos relatos. Segundo o te?logo, um exemplo significativo da exalta??o de Jac? ? o livro ap?crifo dos Jubileus, escrito provavelmente entre os anos de 160 e 140 a.C. "A situa??o pol?tica da ?poca, a rebeli?o dos Macabeus (contra os conquistadores gregos, que tentavam impor sua cultura), cria no autor um esp?rito nacionalista", explica Sicre. Como resultado, o livro de Jubileus cria um "super-patriarca" perfeito sob todos os aspectos, pela omiss?o de eventos citados no G?nesis (como a cena das mandr?goras), substitui?es ou adi?es de novos fatos. Assim, por exemplo, ? o av? Abra?o, e n?o a m?e Rebeca, quem prefere Jac?; e na troca da primogenitura pelo cozido, Jac? n?o diz "vende-me", mas "entrega-me". "Mas o pior ? o final da hist?ria", conta o te?logo. Esa? n?o perdoa Jac? e o relacionamento entre os irm?os termina de maneira tr?gica, com Jac? matando Esa? com uma flechada no peito (Jub.38.2). "A exalta??o de Jac? produz-se ? custa de Esa?, ou melhor, ? custa da fraternidade", lamenta o te?logo. Pessoalmente, o professor Sicre fica com o relato de G?nesis."Prefiro a imagem do patriarca ambicioso e ego?sta, calculador e frio, mas tamb?m sofredor e paciente, aberto a todos os povos e culturas, em cuja hist?ria resplandece, com luz pr?pria, a a??o de Deus."


Suzel Tunes (publicado originalmente no livro Os Patriarcas, Editora Abril).


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Esa?, edomitas e palestinos



Isaque aben?oando Jac?, obra de Govert Flinck (disc?pulo de Rembrandt), de 1638


O g?meo de Jac? ? descrito na B?blia como uma ant?tese do irm?o. O nome Esa?, derivado de "peludo", descreve um tipo f?sico oposto ao de Jac?, que ? "liso".Enquanto Jac? ? "pacato", Esa? ? um "perito ca?ador, homem do campo". Impulsivo, n?o hesita em trocar o seu direito de primogenitura por um cozido de lentilhas vermelhas (por isso, ele ? chamado tamb?m de Edom, "vermelho") e, depois, intenta matar o irm?o que lhe rouba a ben??o paterna. Mas, quando o encontra, anos mais parte, corre em sua dire??o, abra?a-o e, chorando, o perdoa.


Contudo, se os textos b?blicos s?o quase simp?ticos ao filho que despreza a promessa de descend?ncia feita ? fam?lia, relatos posteriores pintar?o um quadro muito mais negro da figura de Esa?. ? medida em que crescia o nacionalismo judeu, aumentava a tend?ncia manique?sta de refor?ar as qualidades de Jac? e os defeitos de Esa?. No livro ap?crifo dos Jubileus, chega-se a omitir o perd?o de Esa?, que ? descrito como perverso e violento, lembra o te?logo espanhol Lu?s Sicre. "A pol?tica influenciou muito esta mudan?a. Esa? ? considerado o pai dos edomitas, que acabaram se convertendo em um dos maiores inimigos de povo de Israel", afirma o te?logo.


Hoje, h? quem associe os edomitas aos palestinos, uma vez que Esa? teria se casado com filhas de Ismael, o pai dos ?rabes. Contudo, essa vertente, embora popular, n?o tem respaldo hist?rico. Os edomitas teriam sido dizimados como na??o. Segundo alguns historiadores, a Idum?ia (monte de Seir) foi invadida pelo rei caldeu Nabucodonosor no sexto s?culo a.C. Depois, no segundo s?culo, os poucos edomitas que restaram na regi?o teriam se convertido ao juda?smo.  



Raquel e Lia: as irm?s rivais







   Jac? chega ? casa de seu tio Lab?o e v? Raquel pastoreando as ovelhas. Ela ? "formosa de porte e de semblante". De sua irm?, Lia, diz-se apenas que "tinha olhos meigos" (mas alguns tradutores entendem a palavra original "rak" como "fraco", ou "sem brilho"). Segue-se uma das hist?rias de amor mais famosas da literatura.


Rachel e Leah, obra de Dante Gabriel Rossetti, de 1855.


Jac? apaixona-se por Raquel e, para obt?-la, deve oferecer a Lab?o sete anos de trabalho. Contudo, ao final do prazo combinado, ? Lia quem o pai conduz ? cama do sobrinho, no escuro da noite. Lia ? mais velha e deve se casar primeiro, ele argumenta. Jac? n?o desiste de Raquel e trabalha mais sete anos, que lhe parecem "como poucos dias, pelo muito que a amava".


Mas o clima familiar torna-se ruim. Lia ? desprezada e tenta conquistar o marido pelos m?ritos da maternidade. Raquel ? amada, mas est?ril, e sente-se profundamente infeliz. "D?-me filhos, sen?o morrerei". Segundo a historiadora holandesa Athalya Brenner, professora de Antigo Testamento na Universidade de Amsterdam e autora do livro "A Mulher Israelita", os textos b?blicos mostram uma mulher insegura e competitiva, que s? se realiza pela maternidade. Ci?me e rivalidade seriam consideradas caracter?sticas inerentes ? condi??o feminina desde tempos imemoriais. "Os homens s?o vistos de forma diferente, muito mais maduros socialmente", afirma a pesquisadora.


Para o rabino e historiador franc?s Josy Eisenberg, autor do livro "A mulher no tempo da B?blia", o foco central dos relatos sobre as matriarcas ? a esterilidade recorrente. O objetivo ? demonstrar que existe uma for?a espiritual capaz de vencer todos os obst?culos, at? mesmo as impossibilidades da natureza. "Se fosse deixado por conta da natureza, o povo de Israel jamais viria ? luz". Segundo Eisenberg, o nascimento do povo ? descrito como um longo e doloroso parto. "Em hebraico, o mesmo termo toledot designa a hist?ria e o parto", diz ele. Assim, a a??o de Deus conjuga-se com a vontade humana de "gerar" hist?ria, uma vontade que se expressa, em primeiro lugar, atrav?s das mulheres. Na vis?o judaica, as matriarcas seriam, portanto, as verdadeiras "m?es portadoras" da Hist?ria.

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