comentários palestra Crossan

Claudio de Oliveira Ribeiro[1]


Minhas impress?es partem de um ponto de vista bastante espec?fico: o de algu?m que trabalha na forma??o de futuros pastores, pastoras e lideran?as de diferentes igrejas. Dr. Crossan, ao lecionar cristologia, temos utilizado e recomendado as suas obras. Uma parcela do grupo de estudantes tem visto de forma extremamente positiva a sua contribui??o em compreender mais adequadamente a historicidade de Jesus. Em v?rias pesquisas de inicia??o cient?fica ou trabalhos de conclus?o de curso encontramos o ?dedo? de Crossam, abrindo horizontes para conhecermos melhor o Jesus Hist?rico.


Outros estudantes n?o aceitam bem as suas id?ias. Consideram que Jesus est? sendo apresentado de forma "muito humana", "horizontal demais" e isso "destr?i a f?", "elimina a espiritualidade". Qual desses dois grupos, a meu ver, estaria certo?


Penso que, de certa forma, os dois grupos est?o certos. O segundo – que pensa que afirmar a dimens?o humana e hist?rica de Jesus constitui amea?a a f? – est? correto. Talvez n?o seja amea?a ? f? crist?, mas a f? religiosa que eles possuem. Porque, de fato, boa parte das experi?ncias religiosas de hoje n?o levam em conta a "a import?ncia do lago de Tiber?ades", como nos mostrou Dr. Crossan. Ou seja, n?o est?o firmadas nas quest?es mais tensas e complexas da vida humana, especialmente nas condi?es econ?micas e pol?ticas que geram o sofrimento, a dor e a morte de massas consider?veis da popula??o do nosso Pa?s. Essa f?, mais intimista, vai morrer quando chegar mais perto do ?Jesus Hist?rico?.


O primeiro grupo, no qual tamb?m me incluo, no caso como docente, procura ter como ponto de partida de suas reflex?es a afirma??o hist?rica de Jesus, homem judeu do s?culo I. Isso ? fundamental. Mas, n?o param por a?. Buscam a espiritualidade em uma "ascend?ncia". Em primeiro lugar com o significado religioso atribu?do a Jesus – Ele como Cristo (o Messias, o Ungido) – e, posteriormente, com uma interpreta??o teol?gica do significado hist?rico-teol?gico de Jesus Cristo para a atualidade. Ou seja, colocar-se no caminho de Jesus, doar a vida como ele doou, n?o obstante nossas contradi?es e seguran?as pessoais. A? est? o lado divino que todos desejam …


A maior parte de nossos estudantes ? oriunda de comunidades muitos pobres de diferentes partes do nosso Pa?s. Portanto, conhecem bem de perto os "mercantilizadores do lago e dos peixes" dos dias de hoje. A maior parte trabalha intensamente em comunidades empobrecidas nas periferias de S?o Paulo e da Regi?o do ABC, onde esta universidade est? inserida. S?o participantes de igrejas metodistas, pentecostais, cat?licas e outras. Alguns trabalham com crian?as e adolescentes que vivem nas ruas. Por isso, reconhecem que a humanidade de Jesus ? um fato concreto para o fortalecimento da f? da comunidade. Reconhecem tamb?m que o caminho teol?gico e pastoral que parte da exist?ncia hist?rica de Jesus possibilita ao ser humano melhor compreens?o de si mesmo, de sua f? e melhor identifica??o com Deus. Com isso, as pessoas podem tornar-se mais humanas e acess?veis ? prega??o do Reino de Deus, possibilitando para as igrejas uma pr?tica libertadora. Obrigado, Dr. Crossan, por nos lembrar, mais uma vez, que "Jesus, em nome do Deus de Israel, ?bateu de frente? [clashed] com o projeto comercial [desumano e cruel] de Antipas estabelecido em nome do Imp?rio Romano?.


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Sabemos que o campo espec?fico da cristologia tem ganhado vitalidade e destaque. No contexto teol?gico latino-americano, ainda nos anos de 1970, a obra Jesus Cristo Libertador (1972), de Leonardo Boff foi destaque, e ocupou inclusive o espa?o eclesi?stico-institucional para avalia?es e questionamentos. Em certo sentido, o debate volta ? tona, nesse ano de 2007, com a notifica??o da Congrega??o para a Doutrina da F? da Igreja Cat?lica Romana em rela??o ?s obras de Jon Sobrinho Jesus, o Libertador – A Hist?ria de Jesus de Nazar? (1991) e A F? em Jesus Cristo: ensaio a partir das v?timas (1999).


Com esses autores, e em conson?ncia com a perspectiva teol?gica ecum?nica, afirmamos que uma reflex?o b?blico-teol?gica sobre Cristo ? fundamentalmente necess?ria para que se possa discernir, o mais adequadamente poss?vel, qual ? a vontade de Deus para a humanidade hoje. Para n?s, a identidade e a relev?ncia da cristologia se d? basicamente a partir da seguinte quest?o – crucial para n?s -: ?como reconhecer o amor de Deus por interm?dio da vida de Jesus de Nazar???


Por isso, temos procurado dialogar tamb?m com J?rgen Moltmann, especialmente com as suas obras O Caminho de Jesus Cristo (1989) e Quem ? Jesus Cristo para n?s Hoje? (1994). Ao lado dessas obras, os olhos de alguns brilham [de satisfa??o ou de temor] com as id?ias de Jesus, S?mbolo de Deus (1999), de Roger Haight – tamb?m sob notifica??o da Congrega??o para a Doutrina da F? – e da A Met?fora do Deus Encarnado (1993), de John Hick. As perspectivas teol?gicas desses autores, especialmente os latino-americanos, juntamente com as obras de Crossam, como j? referido, formam um quadro te?rico consistente e considero que constituem uma contribui??o valios?ssima para a pr?tica pastoral e para uma atua??o mais eficaz das pessoas no mundo.


Gostaria, ent?o, de destacar a observa??o do Dr. Crossam sobre a necessidade de se buscar a matriz (matrix) e n?o um mero pano de fundo (background) para a vida de Jesus. Ou seja, algo que seja "interativo e rec?proco", que transforme a nossa vis?o, mas que seja tamb?m transformada por nossa experi?ncia.


Seguindo Jon Sobrino e outros daqui, devemos falar de nossa f? em Jesus a partir das v?timas. [talvez seja essa a raz?o dos ?chefes? da igreja n?o gostarem desse te?logo]. Esse exerc?cio n?o deve nos levar a olhar para as pessoas como "pobrezinhas", v?timas incapazes. Consideramos que a novidade do Evangelho mobilizou diferentes pessoas e grupos. Ela baseava-se no fasc?nio e na for?a existencial que Jesus exercia sobre eles. Isto garantiu possibilidade hist?rica ? f? crist?, e manteve-se substancialmente relevante a partir da mem?ria dos primeiros disc?pulos. A alegria da conviv?ncia fraterna com Jesus, somada ao pesar da aus?ncia dele ap?s a morte, formou um n?cleo fundante de lembran?as de uma f? ativa e solid?ria. Jesus revelou-se como um "homem da liberdade", cuja soberania n?o esteve a favor de proveitos pr?prios, mas em benef?cio dos demais, como express?o do amor livre de Deus pelos seres humanos. Nesse sentido, entendemos tamb?m o qu? o Dr. Crossam indicou "n?o ? que n?s estejamos esperando por Deus, ? Ele que est? esperando por n?s. O Reino presente ? um eschaton colaborativo entre os mundos humano e divino". Nossa matriz para seguirmos a Jesus, o Cristo, tem sofrimento e tem dor, mas tem alegria e festa; tem falta de perspectivas e imobilismo diante das pol?ticas econ?micas mundiais e do individualismo crescente, mas tem muitas pequenas formas de solidariedade, de esfor?o comunit?rio e de criatividade. Isso tudo ? de Deus e ao mesmo tempo ? do ser humano.


Ainda bem que "Jesus olhou e aprendeu" com o que ocorreu com Jo?o Batista, a ponto de "estabelecer uma estrat?gia diferente da dele". Humano esse Jesus, n?o ?? Observou a realidade ao seu redor, com responsabilidade e temor diante de Deus, aprendeu e percebeu que ele n?o podia ter o "monop?lio" do Reino. Ele era o caminho. Como nos disse Dr. Crossan: "Jesus n?o teve apenas uma vis?o ou uma teoria mas, uma pr?xis e um programa – n?o para ele mesmo, mas para outros tamb?m". ? isso que estamos tentando fazer aqui em nossas terras.


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Obrigado Dr. Crossan por nos mostrar um caminho para conhecer melhor Jesus ao mostrar que ele estava sempre ? beira-mar porque l? os conflitos econ?micos afetavam os mais pobres uma vez que, como nos foi dito, "eles n?o podiam mais lan?ar livremente suas redes ao mar. N?o podiam ter seus pr?prios barcos.. . sem taxa?es e impostos". Teologia & Economia: esse tem sido um dos grandes desafios de nossa reflex?o teol?gica. Em conex?o com o contexto e o pensamento latino-americanos de uma ?teologia da vida?, Franz Hinkelammert j? nos indicava As Armas Ideol?gicas da Morte (1981). Com ele, o te?logo brasileiro Hugo Assmann denunciava A Idolatria do Mercado (1989). Da mesma forma, o uruguaio Julio de Santa Ana tamb?m fazia a "Cr?tica Teol?gica ? Economia Pol?tica", com o seu livro O Amor e as Paix?es (1989). ? fato, que s?o muitas as limita?es em nosso contexto latino-americano para uma compreens?o mais apurada da complexidade que a economia traz para a vida e para o campo teol?gico. Embora seja tamb?m verdade que tal limite come?ou a ser superado quando Jung Mo Sung, professor dessa casa, identificou, com maior precis?o, certa "anomalia no paradigma da Teologia da Liberta??o", uma vez que essa destacava as domina?es sociais que geravam pobreza, mas n?o compreendia muito bem o fasc?nio que as formas de consumo exerce sobre as pessoas pobres. De l? para c?, muito se tem avan?ado nessas reflex?es e a interpela??o do Dr. Crossan ? valiosa para ?nos ajudar a ajudar? as pessoas, especialmente as mais pobres, a identificarem Jesus dentro ou ao lado de ?seus barcos?.








[1] Doutor em Teologia pela Pontif?cia Universidade Cat?lica-RJ. Trabalha como professor de Teologia Sistem?tica da Universidade Metodista de S?o Paulo e como pastor na comunidade de Jardim Santo Andr?, Santo Andr?-SP.


Clique aqui, se quiser voltar ao texto da palestra, parte I.   Ou clique aqui para a parte II.


E voc?? Assistiu ? palestra? Leu o texto no site? O que acha desse estudo do te?logo Crossan sobre o Jesus Hist?rico?


 

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