Bispo Scilla Franco.

Bispo Scilla Franco (1930-1989)


 


O ser?o dos animais







 

  Ca?a a tarde na granja, o Sol com seus raios dardejantes rasgava o firmamento que sangrava, tingindo-o de vermelho. O cavalo h? tempo descansado co?ava o queixo na lasca do chiqueiro onde o porco de barriga cheia roncava como um porco. O burro chega do trabalho, rola no ch?o (? a maneira dos burros espregui?arem), vai lamber um pouco de sal no cocho, donde pode ver a TV a cores do granjeiro, e o cavalo inicia o di?logo.


          


            — Muito trabalho, compadre burro?


— Coisinha ? toa. ? o maldito progresso que n?o respeita nem o s?tio. Veja l? a TV a cores. Que desperd?cio! A m?quina faz tudo, somos cada vez mais expectadores.


— Isto ? bom, — atalhou o cavalo, — vai chegar o dia em que n?o faremos al?m de correr pelos prados.


— Bem se percebe a estreiteza de sua cavalar sabedoria. Os donos das m?quinas entre os human?ides, querem todos a seu servi?o e quando n?o mais servem…


— Que ocorre? — interrompe o cavalo assustado.


— At? pareces que n?o acompanhas o notici?rio… o desemprego, nunca ouviu falar nesse fantasma?


— Confesso nada entender do assunto.


— Pois ?, eu explico: quando a sede do lucro n?o quer produzir mais dividendos para a classe patronal, duas s?o as medidas: achatamento salarial e  automatiza??o que permita dispensar os trabalhadores.


— N?o vejo mal algum. Afinal ? o pre?o do progresso.


— Bem se v? que ?s pouco maduro nas quest?es sociais. Milhares de trabalhadores sem emprego significa outros milhares de mulheres sem p?o, sem leite, sem moradia decente… e convuls?o social, meu amigo. E como conseq??ncia imediata v?m os ladr?es, os mendigos, as doen?as, a morte…


— Cruz credo, — interjecta o cavalo, — ainda bem que n?o nos atinge! N?o acha grande burrice que os homens fazem?


— Burrice n?o, — corrigiu o burro, –"homisse", isso sim. N?o esteja t?o tranq?ilo, pois o nosso destino ? virar mortadela quando essa situa??o chegar ?s fazendas. Isso ? muito mais desonroso, porque o primeiro r?tulo eles p?em obrigatoriamente "produto feito com carne de cavalo". Ora, n?o sou cavalo, depois sempre tem os vivaldinos que colocam sobre o r?tulo o aviso "com carne de vaca". N?o ? humilhante?


— E eu que pensava que enquanto houvesse capim pelos campos eu pudesse correr livremente por eles…


— Infelizmente, voc? n?o est? s? nesse pensamento. H? muita gente boa pensando assim e s? se apercebam disso quando est?o virando mortadela.


Houve sil?ncio entre os dois. O burro assumiu ares de fil?sofo. O cavalo apreensivo perguntou.


— Mas… e os crist?os que aos domingos eu levo de charrete at? a igreja? Eles v?o cantando, nem parecem preocupados com este assunto.


— Esse ? o mal, — lembrou o burro, — h? v?rias esp?cies deles: espiritualistas aut?nticos, coniventes e indiferentes, al?m de muitos outros.


— Confesso que fiquei na mesma, — afirmou o cavalo.


— Os espiritualistas fazem jejuns e ora?es a favor dos oprimidos, mas nem sequer pagam sal?rios ?s empregadas dom?sticas e muito menos lhes concedem o direito de um descanso semanal remunerado. Os aut?nticos tamb?m jejuam e oram, mas procuram identificar-se com os oprimidos, por isso, muitos acabam crucificados como seu Mestre, ou marginalizados dentro da pr?pria igreja. Os esquerdistas acusam os direitistas e vice-versa. Quando n?o lhes conseguem colocar uma morda?a, fazem ouvidos moucos e eles continuam como jumento a zurrar nos ouvidos do profeta. Os coniventes procuram tirar proveito da situa??o e manter a posi??o social, tendo sempre alguns foguetes de reserva para soltar ao vencedor. Os indiferentes s?o como voc?. N?o se preocupam enquanto houver o pasto. Ia me esquecendo… h? tamb?m os festivos. Esses fazem manifestos e mandam telegramas ?s autoridades constitu?das. Dizem-se solid?rios com os favelados, mas nunca pregaram uma t?bua num barraco, s?o amigos dos ?ndios, mas nunca enviaram a eles um quilo de semente. Existem outras esp?cies como aqueles que s? fazem den?ncias.


— Pelo visto s?o poucos os chamados "crist?os", — suspirou desesperan?ado o cavalo.


— ?, sempre foram poucos, meu caro! Do dil?vio sobraram oito, de destrui??o de Sodoma e Gomorra restaram tr?s, da urna de fogo da Cald?ia sobreviveu um, dos espias de Jeric? ficaram dois. O pr?prio Cristo escolheu doze ap?stolos e um o traiu.


O cavalo quedou-se preocupado como quem procura uma sa?da num jogo de xadrez. Enquanto isso, concentrava-se no v?deo.


— Mas domingo quando volt?vamos da igreja ouvi dizer que os metodistas v?o chegar a 100 mil…


— Sil?ncio, — disse o burro. — Vai come?ar outra novela.


 


Bispo Scilla Franco


Publicado no Expositor Crist?o, 2? quinzena de junho de 1979.


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