Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

carta a um jovem ricardo gondim

Retorno sua correspondência, meu prezado jovem, com uma ponta de tristeza - chamo-lhe de jovem porque constato pertencermos a gerações diferentes. Tristeza, porque lhe percebi confuso, com sentimentos prematuros para sua vocação pastoral. Nesses primeiros passos, você já se percebe numa luta inglória e sua angústia transborda alguns rancores. Isso não é bom; com sua idade, os jovens sonham com ideais utópicos.

Muitos servos de Deus e profetas também se indignaram com o mundo que lhes rodeava. Precisamos apenas tomar cuidado para jamais projetar, mesmo inconscientemente, nossas próprias inadequações no mundo e nos outros. Não viva com azedumes, eternamente a culpar o próximo. Lembra da parábola da trave e do argueiro? Conheço vários pastores que camuflam seus defeitos procurando identificar aberrações alheias. Eles pensam que jogando lama nos outros se sentirão justificados e menos pecadores. Nossa humanidade não se compõe só de luzes, todos temos sombras. Como é fácil atirar pedras. Não podemos ser exageradamente rigorosos com nós mesmos, e nem inclementes com nossos semelhantes.

Por outro lado, alegrei-me com sua correspondência; ela revela que você não se acomodou. Aliás, sinto-me lisonjeado e satisfeito em poder ajudar-lhe com um pouco da minha experiência colhida em três décadas como pastor.

Não permita que seus dons e talentos ofusquem o principal propósito de Deus para com sua vida. O que o Senhor tem para fazer em você é, e deverá sempre ser, maior do que qualquer coisa que ele tenha para realizar através de sua vida. Nós somos o seu projeto. Deus não quer  usar-nos como abelhas de uma colméia, ele nos ama afetuosamente e deseja  moldar-nos à imagem de seu filho.

Preocupei-me com a possibilidade do orgulho dominar suas entranhas. Ao descrever seus últimos sucessos ministeriais, detectei uma ponta de soberba. Cuidado! Não quero desanimar-lhe de querer se aperfeiçoar. Continue se esmerando para fazer o melhor, mas guarde minhas palavras: - Deus não nos mede pelo que fazemos, e sim pelo que somos. Antes de provar-se eficiente, lute para encher seu coração de bondade.

Fuja dos perigos da fama, prestígio e riqueza. Eu poderia citar o nome de vários obreiros que naufragaram em seus ministérios, porque, feito mariposas, se enfeitiçaram com as luzes da ribalta. Eu mesmo já fui tentado nessa área. Porém, há muito tempo, um rabino detectou minha sanha de aparecer e, amorosamente, me advertiu: "Meu filho, aprofunde sua caminhada com Deus e deixe que Ele decida se lhe exaltará ou não". Hoje, retransmito-lhe o que ouvi, com um acréscimo: - Ao buscar fama e prestígio, talvez você consiga tornar-se célebre, mas condenará seu ministério à superficialidade.

Aprenda a cultivar a discrição. Você não foi chamado ao estrelato. Siga seu Mestre na senda do Calvário, buscando servir, sempre disposto a dar sua vida pelos seus amigos, e sem jamais buscar outra recompensa senão a alegria de ser parceiro de seu Salvador. As maiores personalidades da história universal não se preocupavam em alardear suas qualidades, eles amavam a sabedoria.

Foi bom constatar sua coragem. Notei seu destemor com os desafios pastorais e proféticos. Jesus, realmente, enviou seus discípulos como ovelhas no meio de lobos. Todo pastor precisa encarar os incômodos de sua missão e saber que sofrerá oposição dos que desdenham a verdade. Pior,  padecerá horrores dos que se consideram donos da verdade. Quem deseja acompanhar os passos do Nazareno, sofrerá perseguição. Não tema sofrer ao lado de quem defende a justiça; viva abraçado com os que choram. O Evangelho não doura a pílula: nossos esforços pelo Reino virão regados de lágrimas.

Você citou alguns líderes como referências de seu ministério. Tome cuidado para não idealizá-los. Lembre-se que há diferença entre o personagem, o mito, e a pessoa real. Nem sempre os indivíduos dos ambientes públicos coincidem com os da vida privada. Recordo-me de um amigo que se deprimiu com o escândalo de um "grande" líder porque não aceitava que ele fosse capaz de cometer aqueles deslizes. Acontece que ninguém é imune de cometer lapsos. Todos dependem das misericórdias de Deus e todos precisam da sua graça.

Com nossa troca de mensagens, nasceu um grande carinho por sua vida. Seus dilemas me transportaram ao início de minha carreira. Vejo-me em você, por isso, escrevo para poupar-lhe de repetir minhas falhas.

Finalmente, guarde:  não importa como começamos, mas como terminamos. Diversos, cientistas, políticos, empresários, religiosos tentaram abarcar o universo, mas perderam afetos e doçura.  Quando estiver sozinho, repita muitas vezes: "De que vale o homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?".

Busque terminar sua jornada repetindo as mesmas palavras de Paulo: "Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé" - 2 Tm 4.7.

Soli Deo Gloria.


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