Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

povo de rua

Uma chance para a vida

Para muitas pessoas que vivem nas ruas de São Paulo, a Comunidade Metodista do Povo de Rua é a última esperança. E o primeiro passo para uma nova vida.

Chego numa sexta à tarde no Viaduto Pedroso, centro de São Paulo. Em salas construídas dentro da estrutura do Viaduto funciona a Comunidade Metodista do Povo de Rua, projeto social da Catedral Metodista de São Paulo que está completando 15 anos de existência. Alguns rapazes estendem suas roupas na grade do viaduto, aproveitando o sol gostoso da tarde. Um deles me pede "cinqüenta reais pra sair da rua", em tom de brincadeira. Ainda que eu tivesse esse dinheiro na carteira, não cairia na lorota do moço...Eu sei - e ele também sabe - que cinqüenta reais não são suficientes para tirá-lo daquela situação. Mas o que a Comunidade Metodista do Povo de Rua oferece, inspirada pelos passos de Jesus, pode fazer esse milagre.

Comunidade do Povo de rua em apresentação na Catedral Metodista de São Paulo. Ao violão, o atual coordenador do projeto, pastor Samuel Duarte.

Dentro do albergue, aberto 24 horas, ainda há poucas pessoas. Muita gente vai chegar a partir das 17 horas, para desfrutar de um banho, uma boa refeição e dormir numa cama de verdade. No refeitório, a psicóloga Eunice Brito Nascimento, um dos 28 funcionários da casa, conduz uma "roda de conversa". Fala-se sobre dependência química, auto-estima, reconstrução de vida... Um senhor de idade avançada (ou será o sofrimento que o faz parecer mais velho?) muito gentilmente me conduz ao escritório do pastor Samuel Duarte de Souza , coordenador do projeto. Ele me explica que o local oferece dois tipos de atendimento: o albergue, com 380 leitos; e um núcleo de serviço, que oferece atividades sócio-educativas durante o dia - artesanato, música, teatro, palestras sobre higiene e saúde etc - além de encaminhamento médico; fornecimento de roupas, calçados e alimentação; regularização de documentação e até escrita de cartas para a família. O endereço da Comunidade Metodista do Povo de Rua é o único pelo qual as pessoas cadastradas no projeto podem ser localizadas pela família. Ao fazer o cadastro, elas também recebem um cartão de identificação - que vale como um documento até que elas possam tirar documento de identidade e a tão sonhada carteira de trabalho.

Atualmente, a Comunidade Metodista do Povo de Rua pode atender até 260 pessoas no período noturno e 120 no núcleo. É uma pequena fração diante do número de pessoas que perambulam pelas ruas de São Paulo.

 

Marcelo Franco de Oliveira (à esquerda) e Edson

Silva Santana. Eles já foram assistidos

pela Comunidade; hoje são funcionários.

 

Segundo o pastor Samuel, as estatísticas mais recentes apontam a existência de cerca 12 mil moradores(as) de rua só na capital. Nessa população, incluem-se pessoas recém-chegadas do interior ou de outros estados; trabalhadores da construção civil que perdem emprego e moradia com o término da obra; pessoas egressas de penitenciárias ou expulsas de casa por conflitos familiares; dependentes químicos; doentes mentais, e também pessoas com formação universitária...

 

Nos últimos anos, o perfil dos assistidos tem mudado um pouco: "Nosso atendimento é destinado a adultos, mas ultimamente, estamos acolhendo famílias inteiras".

Da faculdade para a rua

 

Pastor Alcides

 

A Comunidade Metodista do Povo de Rua nasceu como um trabalho de faculdade que ganhou vida no encontro com a rua. Em 1990, o então acadêmico de teologia Alcides Alexandre de Lima Barros foi convidado pelo Bispo Nelson Luiz Campos Leite para fazer um acompanhamento do povo de rua. A Igreja Metodista da Luz estava começando um trabalho em parceria com a Igreja Metodista Coreana Ebenezer, que quatro anos antes já servia café na Praça Fernando Costa, região central de São Paulo. Chegavam a juntar mais de 300 pessoas na praça. "Usávamos um megafone para falar com eles durante o café", conta o pastor Alcides.

Em julho de 1991, a prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Ação Social, propôs uma parceria com a Igreja, para melhorar o atendimento aos moradores de rua, durante os meses de inverno.A prefeitura oferecia o abrigo, localizado no Viaduto Pedroso, para o atendimento e criação de uma casa de convivência. Para formalizar o contrato entre igreja e prefeitura, o pastor Alcides elaborou um projeto que seria, também, o seu trabalho de conclusão de curso para a Faculdade de Teologia. Sarah Frances Bowden, então Secretária Regional de Ação Social da 3ª RE da Igreja Metodista, e o missionário Thomas Kemper, na época professor da Faculdade de Teologia da Umesp (atualmente é Secretário de Missões da Igreja Metodista Unida, na Alemanha) foram chamados para organizar a seleção do primeiro corpo de funcionários da casa: Sandra Corrêa Costa, Regina Célia Medeiros, Uilson Lira, Vicente Paula de Almeida, Eliene de Souza Bispo, Samuel Duarte e Welington Alves Medeiros, além do pastor Alcides Barros. E assim nasceu, oficialmente, a Comunidade Metodista do Povo de Rua, que começou a atender no dia 26 de junho de 1992, acolhendo os moradores de rua numa casa de convivência (aberta de segunda a sexta, durante o dia) e, inicialmente, num abrigo emergencial, aberto à noite de junho a setembro. A partir de 1996, o abrigo tornou-se permanente. Hoje é o maior projeto metodista voltado para população de rua em todo o Brasil.

Os primórdios do projeto: sentado (de camisa escura) o missionário alemão Thomas Kemper, atual Secretário de Missões da Igreja Metodista Unida da Alemanha.

Cabia à casa de convivência suprir necessidades básicas de higiene e alimentação, promover auto-estima, criar laços fraternos entre as pessoas, reinseri-las na sociedade e transmitir o amor restaurador de Jesus. Para os cultos semanais, a Comunidade Metodista contava com o salão social da Igreja Central de São Paulo (atual Catedral Metodista), contando com o apoio do pastor Jairo Monteiro e sua esposa Simei Monteiro. Dentro do templo, nos horários regulares de culto, os integrantes da comunidade não se sentiam à vontade, diante de olhares e até atitudes explícitas de preconceito, mas procurava-se vencer essa barreira gradativamente. "Uma vez por mês, um grupo visitava uma igreja da Região, divulgando o projeto", conta o pastor Alcides. Hoje, as celebrações são feitas dentro do próprio Viaduto Pedroso, mas algumas pessoas, por iniciativa própria, freqüentam dominicalmente os cultos da Catedral Metodista. "Ele sentem necessidade de ir ao templo, de compartilhar do espaço litúrgico. Mais do que nunca, essas pessoas estão precisando do convívio social e a igreja precisa ser um espaço de acolhimento", afirma o pastor Samuel.

O centro de convivência chegou a atender mais de 300 pessoas simultaneamente, pois no início não havia a prática do cadastramento. "Às vezes a gente se sentia como um grão de areia numa imensidão de problemas". Mas também havia bons momentos. "Não tem alegria maior do que você ver uma pessoa recuperada", conta o Rev Alcides, que atualmente pastoreia a Igreja de Santo Estevão, em São Paulo.

Sonhos para o futuro

A Secretaria Municipal de Ação Social de São Paulo é responsável por 90% do sustento do projeto. Outros 10% chegam por meio da Amas (Associação Metodista de Ação Social) da Catedral Metodista, da Igreja Metodista Unida da Alemanha e da Igreja Metodista na Inglaterra, além de doações particulares. O trabalho voluntário tem sido fundamental e sempre há lugar para mais gente: eles estão necessitando, agora, de profissionais da área de saúde. E além de mão de obra, a Comunidade Metodista do Povo de Rua precisa de gêneros alimentícios (especialmente leite, mas também alimentos não perecíveis e hortifrutigranjeiros), produtos de higiene pessoal, roupas de cama e banho e agasalhos para o frio.

Tudo isso é necessário para manter o projeto funcionando. Mas o pastor Samuel quer ir além; sonha em melhorar o atendimento: "Gostaríamos de oferecer oficinas e cursos de capacitação profissional e geração de renda", afirma. "O lema aqui é: não podemos mudar tudo, mas fazemos tudo para mudar".

Suzel Tunes

VEJA TAMBÉM: Os resultados do trabalho. Um depoimento emocionante de Antônio José de Souza.

Mais informações:

Comunidade Metodista do Povo de Rua

Viaduto Pedroso, 111 - Bela Vista - São Paulo - SP

CEP: 01322-060

Tel.(11) 3289-2755 e 3287-7056.

E-mail: comunidadepovoderua@terra.com.br

Para doações: AMAS Liberdade - Banco Banespa - Agência 0001 C/C13017980-2

 

 


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