Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

Saúde mental.

 

  A Igreja deve ser uma comunidade terapêutica, na qual os membros cuidam uns dos outros. Incluindo pastores e pastoras.

Pesquisas e estatísticas demonstram: doenças mentais, como esquizofrenia, depressão, transtornos obsessivo-compulsivos e ansiedade, representam 14% das doenças do mundo, mais que o câncer ou as doenças cardíacas.

Um artigo publicado em setembro deste ano pela revista inglesa Lancet, especializada em medicina, revela que os males de ordem mental ou emocional respondem por até 90% de todos os 800 mil suicídios registrados anualmente no mundo - a grande maioria nos países em desenvolvimento. Seria possível evitar grande parte desses suicídios se houvesse prevenção e tratamento adequados. Mas ainda enfrentamos a barreira do preconceito e a dificuldade de acesso aos sistemas de saúde.

Tal situação de carência ressalta a importância da Igreja como promotora de saúde mental, especialmente por intermédio do trabalho de aconselhamento realizado pelos ministros(as) religiosos(as), que podem exercer um importantíssimo papel na prevenção e até no tratamento dos males de ordem emocional. É o que afirma a psicóloga Roseli Kühnrich de Oliveira, em sua tese de mestrado pela Escola Superior de Teologia, no Rio Grande do Sul. "O aconselhamento pastoral é acessível e gratuito a todas as camadas da população", justifica. Vale lembrar que, segundo a pastora e psicóloga Blanches de Paula,a palavra saúde é um termo teológico e não médico. "Saúde está diretamente ligada a salvação. Saúde no sânscrito, svastha significa bem-estar, plenitude. O termo soteria, do grego, significa aquele que cura e que ao mesmo tempo é salvador.Já na língua latina encontramos salus, que incorpora os termos saúde e salvação. Numa dimensão teológica, ainda é importante enfatizar a proposta soteriológica do Evangelho apregoado por Jesus Cristo. A proposta do Reino de Deus é o ser humano de forma integral", enfatiza a pastora.

Contudo, diante de um problema relacionado à saúde mental de membro da Igreja são comuns duas formas errôneas de lidar com o assunto: 1) o(a) pastor(a) ignora a complexidade do problema, atribuindo-o simplesmente à falta de fé; 2) o pastor não se vê em condições de cuidar do problema e o transfere imediatamente para um psicólogo ou outro profissional especializado.

Segundo o pastor e psicólogo Josias Pereira, responsável pelo serviço de apoio ao discente da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo, a primeira atitude é a mais comum. Um antigo cântico infantil apregoava: "Quem tem Jesus (...) está sempre sorrindo..."Para o Rev Josias, no entanto, quem tem Jesus também tem que saber conviver com a tristeza. Isso também é ato de fé."A tristeza é própria do ser humano. Ao negar essa verdade provocamos naquele que sente tristeza um imenso sentimento de culpa; o que é desumano", afirma. Segundo o pastor, essa negação da tristeza está diretamente relacionada com uma tendência do mundo moderno: a divinização do ser humano. "Fomos criados para sermos humanos, não deuses", diz ele.

Assim, muitas vezes é necessário reconhecer a necessidade de apoio de profissional especializado; psicólogo ou psiquiatra conforme o caso. Há quadros emocionais que se apresentam como sintomas de distúrbios orgânicos e pedem tratamento químico. Esse diagnóstico só um profissional da área de saúde pode fazer. Mas o pastor ou pastora pode perceber a necessidade de encaminhamento ao consultório do psicólogo ou psiquiatra.

Não é muito é fácil. Em primeiro lugar, porque os pastores resistem a compreender o ser humano como um todo integrado de mente e corpo. "Eu costumo dizer aos pastores e pastoras: Você se limita a fazer oração quando é necessário obturar um dente?" , diz Josias. Outro problema é que, de maneira geral os(as) clérigos(as) não estão preparados(as) para identificar a necessidade de encaminhamento. E nos cursos de teologia não há tempo suficiente para aprofundar questões relacionadas ao aconselhamento pastoral.Por isso, atualmente a Umesp está oferecendo um curso de especialização em Aconselhamento Pastoral. É um curso semipresencial, com duração de 18 meses, sob a coordenadoria acadêmica da pastora e psicóloga Blanches de Paula.

Contudo, a busca de um atendimento especializado na área de saúde não significa o abandono do trabalho de aconselhamento pastoral. Este é outro equívoco no qual incorrem alguns(as) pastores(as).O irmão ou irmã encaminhados a tratamento médico ou psicológico também contam com o apoio pastoral. "São dimensões diferentes e complementares", explica Josias.

Quem cuida do cuidador?

E quando é o pastor que está precisando de ajuda? Aí, a situação torna-se ainda mais complicada. Na dissertação de mestrado em teologia intitulada Cuidando de quem cuida: um olhar de cuidados aos que ministram a Palavra de Deus, a psicóloga Roseli Kühnrich de Oliveira destaca que, muitas vezes, o pastor ou pastora tem uma imagem idealizada diante da comunidade.De cima do púlpito ou atrás de uma mesa do gabinete pastoral, ele se torna modelo de fé, equilíbrio e bem-estar.

Se a maioria dos pastores não está preparada para receber ajuda de outros profissionais no atendimento aos membros de sua igreja, pode-se imaginar a resistência a buscar ajuda para si mesmo. A tendência geral é negar ou ocultar os problemas de ordem emocional. Não por acaso, os pastores e pastoras são alvos fáceis de desgaste físico e psicológico. Uma pesquisa realizada há dez anos pelo psiquiatra Francisco Lotufo Neto, professor da Universidade de São Paulo e membro do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos, já indicava uma considerável porcentagem de pastores(as) sofrendo de transtornos mentais - principalmente ansiedade, depressão e distúrbios do sono. Lotufo aplicou um questionário a 750 ministros religiosos cristãos não católicos, moradores da cidade de São Paulo, e constatou que a prevalência de transtornos mentais no mês que precedeu a entrevista foi de 12.5% -- 47% receberam esse diagnóstico quando a vida toda foi considerada. Os principais diagnósticos foram Transtornos Depressivos (16.4%), Transtornos do Sono (12.9%) e Transtornos Ansiosos (9.4%). Problemas financeiros, problemas com outros pastores, conflitos com os líderes leigos da igreja, dificuldades conjugais, problemas doutrinários na igreja e sobrecarga de trabalho foram os principais fatores de stress identificados.

O Rev Josias Pereira lembra que no ano de 1996 uma pesquisa semelhante foi realizada na Igreja Metodista, em âmbito nacional, por meio de questionários entregues a todos o corpo pastoral da Igreja. Na ocasião, surpreendeu o fato de que os maiores níveis de stress foram encontrados em cidades pequenas e afastadas dos grandes centros urbanos, mas não houve uma avaliação qualitativa dos dados levantados.

Diante de uma dor emocional, o pastor ou pastora sente a necessidade de se abrir com alguém, como qualquer outra pessoa. Mas, com quem? O Rev. Josias Pereira percebeu, a partir de relatos ds pacientes que atende em sua clínica de psicologia, que os pastores não são bons confidentes para seus colegas. O sigilo nem sempre é respeitado e o clima de competição que, dominando toda a sociedade, atinge também a Igreja, inibe os ministros religiosos a revelarem aos seus colegas o que consideram ser fracassos pessoais. Afinal, hoje as pessoas só querem contar casos de sucesso.

Uma solução, sugere Josias, é que os pastores façam terapia em locais distantes de sua casa e igreja. A terapia não é apenas para o caso da existência de problemas, ressalta ele. É uma prática de auto-conhecimento. "Não pode fazer aconselhamento pastoral quem não se conhece a fundo", defende.

A necessidade de espaços para compartilhar sentimentos e receber orientações também foi identificada pela psicóloga Roseli em sua pesquisa de campo, na qual ela entrevistou 38 pastores da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. 72,2% dos pesquisados gostariam de ter um orientador espiritual, mas apenas 11,1% já têm alguém que os acompanha como supervisor ou mentor espiritual.

A psicóloga sugere, portanto, um trabalho de mentoria - que poderia ser exercido por pastores aposentados, por exemplo. Segundo a psicóloga, as instituições também poderiam dar este suporte, promovendo encontros de pastores com enfoque médico-pedagógico, nos quais profissionais de saúde fossem convidados a dar palestras e esclarecer dúvidas. Cultivar relações de amizade, participar de grupos de apoio e oração e manter um ritmo de vida balanceado, com momentos de lazer, são outras medidas de promoção de saúde mental.

Práticas de cuidado

Roseli destaca, ainda, que o cuidado de si mesmo nem sempre é valorizado em interpretações teológicas que priorizam o "gastar-se por amor a Cristo". Contudo, segundo a psicóloga, os evangelhos indicam que Jesus não se adiantou ao sacrifício na cruz. "Pelo contrário, muitas vezes retirou-se das situações de tensão, sabendo que ainda não era a hora". Assim, ela acredita que o exemplo de Jesus indica caminhos para o necessário auto-cuidado daqueles que exercem a missão de cuidadores. Ela cita várias passagens bíblicas. Em Marcos 6.46, por exemplo, lê-se que Jesus se afasta para orar, subindo a um monte. Em Marcos 6.30, ele recomenda aos apóstolos que repousem um pouco, "à parte, num lugar deserto; porque eles não tinham tempo nem para comer"."O ativismo dos pastores não lhes oportuniza o necessário silêncio para a meditação, oração e leitura bíblica", afirma a psicóloga.

Terapeuta ferido

Roseli também defende a idéia, citando vários autores, que somente aquele que sofre tem condições de exercer o poder curativo, a exemplo de Cristo, que transformou o próprio corpo ferido em caminho para a cura. "O exemplo da cruz de Cristo remete ao caminho dos cuidadores e dos que são cuidados: não há negação do sofrimento, ao contrário, ele é escancarado a fim de que possa haver restauração", diz ela.

Não é fácil falar de fragilidade num tempo que enaltece o poder. Da mesma forma, os pastores são tentados a se apresentar diante da Igreja como seres infalíveis. Mas o exemplo de Cristo aponta para caminho oposto: "Em Jesus, a concepção do poder ilimitado, a serviço dos desejos e vaidade pessoais, é esvaziada, pois ele se revela na cruz como aquele que, detendo todo o poder, faz da misericórdia a sua ética. O esvaziamento de poder é certamente o caminho dos cuidados e dos cuidadores, tornando-se uma fé ligada ao cuidado e, portanto, ligada à vida". Essa consciência deve estar presente entre clérigos(as) e leigos(as) pois, como nos ensina o apóstolo Paulo, a Igreja é o corpo de Cristo -todos os membros igualmente importantes, apoiando-se mutuamente para a saúde do corpo.

Suzel Tunes

 

Para saber mais:

Pastoreando pastores : vocação, família e ministério. Do Bispo Nelson Luiz Campos Leite, Editora Cedro, São Paulo.

O sofrimento que cura. Do teólogo holandês Henri Nouwen, Editora Paulinas.

Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos. Site http://www.cppc.org.br/

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