Direitos Humanos

O debate em torno do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNPH3) mostra o nascedouro da distin??o entre o Estado religioso e o Estado laico, e sua ambi??o de tornar lei e instrumento de poder os sonhos mais belos e am?veis, que acalentamos no cora??o. Com o avan?o da modernidade, e os novos modelos de sociedade que ela traz como possibilidade, esse ideal fica cada vez mais distante.


Antonio Carlos Ribeiro/ALC NOT?CIAS
Bras?lia, lunes, 1 de febrero de 2010


Da mesma forma, o medo da novidade aos novos modelos de sociedade, surgidos do novo tempo, e a estrat?gia de resist?ncia para perpetuar o antigo, mostram-se duplamente sofridos, j? que n?o ? poss?vel negar os conflitos surgidos em ambientes religiosos, quanto o caos e o sofrimentos que os Estados –  concebidos apenas politicamente – impuseram a seus povos quando se deixaram guiar por sentimentos religiosos.



A distin??o ? simples. Um reino ? o do cora??o, dos sentimentos e da afetividade. O outro ? o da vida em sociedade, com regras, leis, configura?es geo-espaciais, limites a conquistar, manter e defender. Sem falar da exclus?o de um grupo de cidad?os cujo n?mero quadruplicou na sociedade brasileira na ?ltima d?cada: os sem religi?o!



A postura de Nadia Urbinatti, de que “defender o Estado laico ? um dever que os cidad?os religiosos deveriam ter no cora??o”, ? leg?tima e defens?vel. A laicidade ? fundamental at? mesmo para a defesa da religi?o, j? que quando surgem dilemas morais, os religiosos profissionais s?o os primeiros a se arvorarem o direito de falar em nome da f?. Nesse ponto os religiosos laicos e os cidad?os t?m interesses bem diferentes dos que querem governar a polis, os pol?ticos, e dos que lideram religi?es, os religiosos. A unidade ? uma no??o surgida da guerra, ensinou Panikkar, que encontrou boa guarida no discurso religioso. Os discursos pol?tico e religioso precisam amalgamar sentimentos para unificar (tornar um).



Na verdade a ideia mais rica a respeito do Estado e da Religi?o ? a oposi??o ao dom?nio atrav?s dos sentimentos, a laicidade. O povo (la?s, do qual vem laik?s como pejorativo) ? naturalmente diverso, plural e m?ltiplo. A comunidade ? o novo espa?o de coes?o e interven??o. Nele, “o crente religioso e o cidad?o t?m o mesmo interesse: o de ter pol?ticos que n?o tornem a vida um objeto de compromisso pol?tico” ou religioso. Esses atores t?m aprendido, recentemente, a criar rela?es de poder independentes do Estado e da Religi?o.



Nas sociedades modernas, em fun??o do cansa?o do modelo ocidental, percebemos a necessidade de libertar o Estado e a Religi?o. Para que cada um possa ser o que ?. Historicamente, essa dist?ncia s? "foi poss?vel quando o estado de direito venceu a pr?pria batalha contra o estado confessional". Taylor demonstrou como o respeito, afirmado pela liberdade individual, foi fundamental ? conquista da liberdade de consci?ncia e da liberdade religiosa, que ? tanto liberdade de acreditar, quanto liberdade de escolher em que acreditar. Isso significa que a idade secular trouxe avan?os para todos.

 

As dificuldades apresentadas pelos que defendem a pr?-modernidade, em contraposi??o ? modernidade, t?m como marca a necessidade do poder para administrar os sonhos alheios. Eles n?o gostam da laicidade e menos ainda do Estado Democr?tico de Direito, trabalhando diuturnamente para solap?-lo, deslegitim?-lo, sabot?-lo e fingir que o aceitam. Desde que ele n?o fira interesses dos que se sentem leg?timos ao administrar sonhos. Se esta exig?ncia n?o for atendida, os sonhos ser?o proibidos. Ou, aprisionados os sonhadores.



Por esta mesma raz?o, os que defendem o estado religioso, defendem seu direito de administrar os sonhos de todos, e interpret?-los, pelo acesso ao am?lgama dos saberes da ci?ncia, da revela??o e da f? – a escol?stica – que possibilita todos os poderes. E poderes totais. No entanto, nos deparamos na atualidade com dois modelos: uma religi?o na qual os fi?is pertencem a Deus, e a sua f? se identifica com ritos, pr?ticas eclesi?sticas e hierarquias. De outro, uma religi?o cr?tica da velha f?, defensora da autonomia moral individual, que a considera "fen?meno de f?" pelo qual "Deus pertence a n?s", como criaturas que desejam a eternidade e a transcend?ncia, e escolhem crer.



O humanismo, nesse contexto, serviu ? religi?o, e o secularismo n?o nega a condi??o da religi?o mas sim a condi??o de que a religi?o volte a viver no cora??o humano, em vez de viver nos ritos e nas hierarquias. Quando a religi?o constitu?da d? um passo atr?s, a religi?o como cren?a d? um passo adiante: essa foi, desde o s?culo XVI, o ensinamento da liberdade religiosa e da toler?ncia. Assim, as comunidades pol?ticas podem ser lugares de tranquilidade e de respeito rec?proco.



A atitude de defender o Estado de direito, laico, ? dever dos cidad?os religiosos, mas n?o menos que os outros. Estado laico n?o ? secularista, mas um instrumento para legislar e julgar a separa??o entre o justo e o bom. A arte da separa??o n?o ? negar as atribui?es da vida pol?tica e religiosa, mas distinguir quando pensamos como cidad?os e quando o fazemos como indiv?duos, membros da sociedade. Nas duas posi?es lidamos com as raz?es da ?tica e da pol?tica, para que triunfem.



Separar a vida religiosa da vida social cria espa?o para a dimens?o religiosa de vida, de forma coerente com a f? de cada um, em comunh?o com os demais e sem impor, pela letra da lei, a sua vis?o do bem. Esse crente cidad?o pode respeitar quem n?o tem cren?as religiosas particulares e quem as tem, e gosta de express?-las, e a si mesmo.



Se ? verdade que s? quem ? livre pode crer, tamb?m ? verdade que crer ? um ato de liberdade pessoal fundamental. No entanto, nenhum crente gostaria de ver o pr?prio credo expresso como um artigo do c?digo penal. Nossa cren?a n?o depende da lei para ser respeitada, mas sim da responsabilidade como a vivemos e das escolhas pessoais que fazemos.



A aus?ncia de uma lei n?o garante que a mulher decida responsavelmente pela pr?pria maternidade, do mesmo modo que a exist?ncia da lei n?o a impede. O Estado religioso pode se transformar naquele frente ao qual podemos calar nosso sentido de dever? Ser? que um administrador ou parlamentar pode encontrar um compromisso que nos isente do sentido de participar da decis?o? Nessas circunst?ncias, deve a pessoa de f? delegar a outros as decis?es que s? ele pode tomar?



O outro lado ? que o Estado de direito n?o pode impor a todos aquilo que um grupo pensa ser o bom, o justo e o certo. Sob pena de n?o ser ?tica essa lei. Indaga-se se a lei deve lidar sobre o campo moral, no qual s? a consci?ncia do indiv?duo tem o dever da escolha. Se existir, essa lei n?o ? ?tica, mesmo sob o pretexto de proteger a dignidade do crente. Mas deve apresentar par?metros para os crentes e os demais cidad?os.



Ao propor a democracia como um governo de iguais, na verdade se quer criar espa?os de debate em que o crit?rio seja mais do que apenas contar votos. Isso ? especialmente claro quando n?o se decide por op?es verdadeiras, mas pela menos pior delas. O mais humano n?o ? optar, qualquer que seja a qualidade das propostas, mas exigir propostas que correspondam da melhor forma ao n?vel de humanidade j? alcan?ado e do qual n?o se pode abrir m?o.



Os interesses do crente religioso e do cidad?o aqui se tornam o mesmo: participar da cidadania e n?o deleg?-la a pol?ticos que, pelo modus operandi pr?prio de seu meio, tendem a tornar a vida um objeto de compromisso pol?tico. O que est? em jogo ? a dignidade, que tem significado para as pessoas de f?, por isso n?o se deve exigir que o Estado seja mais que estado de direito ou defensor de certa ordem moral ou religiosa.



* Doutor em Teologia, com especializa??o em Di?logo Inter-religioso na Am?rica Latina.

 


 

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