Lei geral das religi?es gera diverg?ncias entre evang?licos
Destaque de capa da revista Igreja de janeiro de 2010
O Projeto de Lei da C?mara n?mero 160 de 2009, em tramita??o no Senado, est? gerando diverg?ncia entre l?deres e parlamentares evang?licos. Tamb?m chamada de Lei Geral das Religi?es, o projeto busca dotar todas as entidades religiosas das prerrogativas atribu?das ? Igreja Cat?lica por meio do acordo jur?dico celebrado entre o Governo Federal e a Santa S? em outubro deste ano. O senador In?cio Arruda, relator da mat?ria na Comiss?o de Educa??o do Senado, ? favor?vel ao projeto, por considerar que ele estabelece uma condi??o de igualdade entre os credos. No entanto, alguns l?deres evang?licos j? se posicionam contra a nova lei, considerando-a t?o inconstitucional quanto o acordo com o Vaticano. ? o caso do advogado Gilberto Garcia, que considera a Lei Geral das Religi?es uma amea?a ao princ?pio da laicidade do Estado.
Veja abaixo a chamada Lei Geral das Religi?es na ?ntegra e uma entrevista com a educadora Roseli Fischmann, da Universidade Metodista. Ela fala sobre a institui??o de ensino religioso nas escolas p?blicas, prevista pelo acordo Brasil-Vaticano e tamb?m por esse novo projeto de lei.
PROJETO DE LEI N?160 , DE 2009
(Do Sr. George Hilton)
Disp?e sobre as Garantias e Direitos Fundamentais ao Livre Exerc?cio da Cren?a e dos Cultos Religiosos, estabelecidos nos incisos VI, VII e VIII do artigo 5?, e no ? 1? do artigo 210 da Constitui??o da Rep?blica Federativa do Brasil
Art. 1?. Esta lei estabelece mecanismos que asseguram o livre exerc?cio religioso, a prote??o aos locais de cultos e suas liturgias e a inviolabilidade de cren?a no pa?s, regulamentando os incisos VI, VII e VIII do artigo 5? e o ? 1? do artigo 210 da
Constitui??o da Rep?blica Federativa do Brasil.
Art. 2?. ? reconhecido ?s institui?es religiosas o direito de desempenhar suas atividades religiosas, garantindo o exerc?cio p?blico de suas atividades, observado o ordenamento jur?dico brasileiro.
Art. 3?. ? reconhecida pelo Estado Brasileiro a personalidade jur?dica das Institui?es Religiosas desde que n?o contrarie as exig?ncias constitucionais e as leis brasileiras
? 1?. As denomina?es religiosas podem livremente criar, modificar ou extinguir suas
institui?es inclusive as mencionadas no caput deste artigo.
? 2?. A personalidade jur?dica das Institui?es Religiosas ? reconhecida pela Rep?blica Federativa do Brasil mediante a inscri??o no respectivo registro do ato de cria??o, nos termos da legisla??o brasileira, vedado ao poder p?blico negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de cria??o, devendo tamb?m ser averbadas todas as altera?es por que passar o ato.
Art. 4?. As atividades desenvolvidas pelas pessoas jur?dicas reconhecidas nos termos do Artigo 3?, que persigam fins de assist?ncia e solidariedade social, gozar?o de todos os direitos, imunidades, isen?es e benef?cios atribu?dos ?s entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jur?dico brasileiro, desde que observados os requisitos e obriga?es exigidos pela legisla??o brasileira.
Art. 5?. O patrim?nio hist?rico, art?stico e cultural, material e imaterial das Institui?es Religiosas reconhecidas pela Rep?blica Federativa do Brasil, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constitui parte relevante do patrim?nio cultural brasileiro, e continuar?o a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a frui??o dos bens, m?veis e im?veis, de propriedade das institui?es religiosas que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrim?nio cultural e art?stico.
? 1?. A finalidade pr?pria dos bens eclesi?sticos mencionados no caput deste artigo deve ser salvaguardada pelo ordenamento jur?dico brasileiro, sem preju?zo de outras finalidades que possam surgir da sua natureza cultural.
? 2?. As Institui?es Religiosas comprometem-se a facilitar o acesso a ele para todos os que o queiram conhecer e estudar, salvaguardadas as suas finalidades religiosas e as exig?ncias de sua prote??o e da tutela dos arquivos de reconhecido valor cultural.
Art. 6? – A Rep?blica Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jur?dico, as medidas necess?rias para garantir a prote??o dos lugares de culto das Institui?es Religiosas e de suas liturgias, s?mbolos, imagens e objetos cultuais, tanto no interior dos templos como nas celebra?es externas, contra toda forma de viola??o, desrespeito e uso ileg?timo.
? 1?. Nenhum edif?cio, depend?ncia ou objeto afeto aos cultos religiosos, observada a fun??o social da propriedade e a legisla??o, pode ser demolido, ocupado, penhorado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades p?blicas a outro fim, salvo por utilidade p?blica, ou por interesse social, nos termos da Legisla??o brasileira.
? 2?. ? livre a manifesta??o religiosa em logradouros p?blicos, com ou sem
acompanhamento musical, desde que n?o contrariem a ordem e a tranq?ilidade p?blica.
Art. 7?. A Rep?blica Federativa do Brasil se empenhar? na destina??o de espa?os para fins religiosos, que dever?o ser previstos nos instrumentos de planejamento urbano a ser estabelecido no respectivo Plano Diretor
Art. 8?. As Organiza?es religiosas e suas institui?es poder?o, observadas as exig?ncias da lei, prestar assist?ncia espiritual aos fi?is internados em estabelecimentos de sa?de, de assist?ncia social, de educa??o ou similar, ou detidos em estabelecimento prisional ou similar
Art. 9?. Cada credo religioso, representado por capel?es militares no ?mbito das For?as Armadase Auxiliares, constituir? organiza??o pr?pria, assemelhada ao Ordinariato Militar do Brasil, com a finalidade de dirigir, coordenar e supervisionar a assist?ncia religiosa aos seus fi?is, por meio de conv?nio com a Republica Federativa do Brasil.
Par?grafo ?nico: A Republica Federativa do Brasil, assegurar? a igualdade de condi?es, honras e tratamento a todos os credos religiosos referidos no artigo, indistintamente.
Art. 10?. As Institui?es Religiosas poder?o colocar suas institui?es de ensino, em todos os n?veis, a servi?o da sociedade, em conformidade com seus fins e com as exig?ncias do ordenamento jur?dico brasileiro.
? 1?. O reconhecimento de t?tulos e qualifica?es em n?vel de Gradua??o e P?s-Gradua??o estar? sujeito, respectivamente, ?s exig?ncias da legisla??o educacional
? 2?. As denomina?es religiosas poder?o constituir e administrar Semin?rios e outros ?rg?os e organismos semelhantes de forma??o e cultural.
? 3?. O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos, graus e t?tulos obtidos nos semin?rios, institutos e funda?es antes mencionados ? regulado pelo ordenamento jur?dico brasileiro, em condi??o de paridade com estudos de id?ntica natureza.
Art.11. O ensino religioso, de matr?cula facultativa ? parte integrante da forma??o b?sica do cidad?o e constitui disciplina dos hor?rios normais das escolas p?blicas de ensino fundamental, assegurado o respeito ? diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constitui??o e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de
proselitismo.
Art. 12. O casamento celebrado em conformidade com as leis can?nicas ou com as
normas das denomina?es religiosas reconhecidas pela Rep?blica Federativa do Brasil, que atenderem tamb?m ?s exig?ncias estabelecidas pelo direito brasileiro para contrair o casamento, produz os efeitos civis, desde que registrado no registro pr?prio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebra??o.
Art. 13. ? garantido o segredo do of?cio sacerdotal reconhecido em cada Institui??o
Religiosa, inclusive o da confiss?o sacramental.
Art. 14. ?s pessoas jur?dicas eclesi?sticas e religiosas, assim como ao patrim?nio, renda e servi?os relacionados com as suas finalidades essenciais, ? reconhecida a garantia de imunidade tribut?ria referente aos impostos, em conformidade com a Constitui??o brasileira.
Par?grafo ?nico. Para fins tribut?rios, as pessoas jur?dicas ligadas ?s Institui?esReligiosas que exer?am atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receber?o o mesmo tratamento e benef?cios outorgados ?s entidades filantr?picas reconhecidas pelo ordenamento jur?dico brasileiro, inclusive, em termos de requisitos e obriga?es exigidos para fins de imunidade e isen?es; estes ?ltimos benef?cios fiscais ser?o concedidos a partir de requerimentos espec?ficos juntos ? Uni?o, ou aos Estados, ou aos Munic?pios ou ao Distrito Federal.
Art. 15. O v?nculo entre os ministros ordenados ou fi?is consagrados mediante votos e as Institui?es Religiosas e equiparados ? de car?ter religioso e, n?o gera, por si mesmo, v?nculo empregat?cio, a n?o ser que seja provado o desvirtuamento da finalidade religiosa, observado o disposto na legisla??o trabalhista brasileira.
Par?grafo ?nico. As tarefas e atividades de ?ndole apost?lica, pastoral, lit?rgica, catequ?tica, evangel?stica, mission?ria, pros?lita, assistencial, de promo??o humana e semelhante poder?o ser realizadas a t?tulo volunt?rio, observado o disposto na legisla??o brasileira.
Art. 16. Os respons?veis pelas Institui?es Religiosas, no exerc?cio de seu minist?rio e fun?es religiosas, poder?o convidar sacerdotes, membros de institutos religiosos e leigos, que n?o tenham nacionalidade brasileira, para servir no territ?rio de sua jurisdi??o religiosa, e pedir ?s autoridades brasileiras, em nome deles, a concess?o do visto para exercer atividade ministerial no Brasil.
Par?grafo ?nico. Em conseq??ncia do pedido formal do respons?vel pela Institui??o
Religiosa, de acordo com o ordenamento jur?dico brasileiro, poder? ser concedido o visto permanente ou tempor?rio, conforme o caso, pelos motivos acima expostos.
Art. 17. Os ?rg?os do governo brasileiro, no ?mbito de suas respectivas compet?ncias e as Institui?es Religiosas poder?o celebrar conv?nios sobre mat?rias de suas atribui?es tendo em vista colabora??o de interesse publico
Art. 18. A viola??o ? liberdade de cren?a e a prote??o aos locais de culto e suas liturgias sujeita o infrator ?s san?es previstas no C?digo Penal, al?m de respectiva responsabiliza??o civil pelos danos provocados.
Art. 19. Esta Lei entra em vigor na data de sua publica??o.
JUSTIFICA??O
Desde o in?cio da vig?ncia da Constitui??o Federal de 1988, o Brasil tem experimentado os direitos e garantias previstas na Carta Magna com respeito ?s religi?es, aos cultos religiosos e ? assist?ncia religiosa, assegurada a laicidade do Estado brasileiro. Passados mais de 20 anos, podemos observar ao longo desse tempo fatos, discuss?es e decis?es judiciais, inclusive alguns de natureza pol?mica, que amadureceram algumas id?ias e teses necess?rias ? regulamenta??o constitucional nessa ?rea, especialmente nos incisos VI, VII e VIII do artigo 5?, e no ? 1? do artigo 210 da Constitui??o em vigor.
Corrobora para esta necessidade de regulamenta??o, o Acordo entre a Rep?blica Federativa do Brasil e a Santa S?, relativo ao Estatuto Jur?dico da Igreja Cat?lica no Brasil, assinado na Cidade-Estado do Vaticano, em 13 de novembro de 2008. O referido acordo traz uma s?rie de garantias em benef?cio da Igreja Cat?lica Apost?lica Romana, com a maioria dos quais concordamos plenamente.
E ? justamente por entender que o Princ?pio da Igualdade constitucional das religi?es em nosso Pa?s, pelo qual todas as confiss?es de f?, independente da quantidade de membros ou seguidores ou do poderio econ?mico e patrimonial devem ser iguais perante a Lei, que apresentamos esta proposta que n?o somente beneficiar? a Igreja Romana, mas tamb?m dar? as mesmas oportunidades ?s demais religi?es, seja de matriz africana, isl?mica, protestante, evang?lica, budista, hindu?sta, entre tantas outras que encontram na toler?ncia da p?tria brasileira um espa?o para divulgar sua f? e cren?a em favor de milh?es de pessoas que por elas s?o beneficiadas.
N?o bastasse esse foco de vis?o religiosa, muitas das institui?es religiosas t?m eficientes e reconhecidos trabalhos na ?rea da educa??o, da assist?ncia social, do tratamento de dependentes qu?micos e at? da sa?de do ponto de vista m?dico.
Desse modo, ? que, no mesmo lastro daquele Acordo assinado pelo Presidente Luis In?cio Lula da Silva, no Vaticano, em 2008, que apresentamos este Projeto de Lei, o qual, para sacramentar e entender tanto a laicidade do Estado brasileiro quanto o Princ?pio da Igualdade, pode ser chamado de Lei Geral das Religi?es.
Por isso, temos a plena certeza de que podemos contar com o apoio de todos os Nobres Pares pela aprova??o deste Projeto
Sala das Sess?es, de julho de 2009.
Deputado George Hilton
“Escola p?blica n?o ? lugar de religi?o”
Acordo aprovado no Senado, que estabelece obrigatoriedade do ensino religioso na rede p?blica, fere a Constitui??o Federal, diz a educadora Roseli Fischmann
Revista Nova Escola
Amanda Polato (novaescola@atleitor.com.br) – outubro/novembro de 2009

ao ensino religioso em escolas
p?blicas, ser? instalada uma mix?rdia
que abre a possibilidade
de interpreta?es discordantes”
“Se essa lei for sancionada pelo presidente, nossa constitui??o ser? violada”, afirma a professora Roseli Fischmann, da Faculdade de Educa??o da Universidade de S?o Paulo (USP) e da Universidade Metodista, de S?o Bernardo do Campo, na regi?o metropolitana da capital paulista. Perita da Organiza??o das Na?es Unidas para a Educa??o, a Ci?ncia e a Cultura (Unesco) para a Coaliz?o de Cidades contra o Racismo e a Discrimina??o, respons?vel pelo cap?tulo sobre pluralidade cultural dos Par?metros Curriculares Nacionais (PCNs), coordenadora do grupo de pesquisa Discrimina??o, Preconceito e Estigma, vinculado ? USP, e do N?cleo de Educa??o em Direitos Humanos, da Universidade Metodista e autora do livro Ensino Religioso em Escolas P?blicas: Impactos sobre o Estado Laico, Roseli critica o acordo e fala, nesta entrevista a NOVA ESCOLA GEST?O ESCOLAR, sobre as diversas e sempre irregulares maneiras de manifesta??o religiosa no cotidiano escolar.
O acordo assinado pelo presidente Lula com o Vaticano em 2008, que estipula a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas p?blicas, foi aprovado pelo Senado. E agora?
ROSELI FISCHMANN ? importante ressaltar que o documento assinado pelo presidente da Rep?blica prev? v?rios privil?gios para a Igreja Cat?lica: benef?cios adicionais em termos de verbas p?blicas e a?es com impacto sobre a cidadania, como a supress?o de direitos trabalhistas para sacerdotes ou religiosos cat?licos, e a inclus?o de espa?os para templos cat?licos em planejamentos urbanos. Nesta entrevista, nos interessa o artigo sobre a obrigatoriedade "do ensino religioso cat?lico e de outras confiss?es religiosas", como est? no texto. Mesmo fazendo men??o a outras cren?as, o acordo manifesta uma clara prefer?ncia por uma religi?o, o que obriga as escolas a adotar uma determinada confiss?o, e isso ? inconstitucional. O Minist?rio das Rela?es Exteriores defende a iniciativa dizendo que n?o h? problema, j? que ela apenas re?ne aquilo que j? existe. Mas isso n?o ? verdade.
Esse artigo poderia ter sido corrigido pelos parlamentares?
ROSELI Eles poderiam ter rejeitado o acordo. Quaisquer propostas de ressalvas precisariam ser revistas pelo Executivo e, como o documento tem car?ter internacional e bilateral, nada poderia ser mudado sem a concord?ncia do Vaticano. Ou seja, ficamos amarrados, o que caracteriza uma perigosa interfer?ncia no processo legislativo.
Com o acordo em vigor, o que pode acontecer nas escolas?
ROSELI Em rela??o ao ensino religioso em escolas p?blicas, ser? instalada uma mix?rdia que abre a possibilidade de interpreta?es discordantes. Ainda que mencionado o car?ter facultativo para o aluno, est? criada uma obrigatoriedade do ensino cat?lico, o que n?o existe nem na Constitui??o nem na LDB. E a nossa Constitui??o est? sendo violada.
Por que misturar escola com religi?o ? ilegal?
ROSELI No artigo 19 da Constitui??o, h? dois incisos claros. O primeiro afirma ser vedado ? Uni?o, aos estados, aos munic?pios e ao Distrito Federal "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencion?-los, embara?ar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes rela?es de depend?ncia ou alian?a, ressalvada, na forma da lei, a colabora??o de interesse p?blico". O outro pro?be "criar distin?es entre brasileiros ou prefer?ncias entre si". Ambos s?o os respons?veis pela defini??o do Estado laico, deixando-o imparcial e evitando privilegiar uma ou outra religi?o, para que n?o haja diferen?as entre os brasileiros. Ora, se o Estado ? laico, a escola p?blica – que ? parte desse Estado – tamb?m deve s?-lo.
E as leis educacionais?
ROSELI Na pr?pria Constitui??o, o artigo 210, par?grafo 1?, determina o ensino religioso "facultativo para o aluno, nos hor?rios normais das escolas p?blicas de Ensino Fundamental", o que pode se considerar como parte da tal ressalva da "colabora??o ao interesse p?blico", citada na resposta acima. J? o artigo 33 da LDB diz que "os sistemas de ensino ouvir?o entidade civil, constitu?da pelas diferentes denomina?es religiosas, para a defini??o dos conte?dos do ensino religioso". Ou seja, essa entidade civil, a ser determinada, ou at? criada, deve colaborar com a Secretaria de Educa??o em cada estado ou munic?pio. Isso ? problem?tico porque quem quiser que a sua pr?pria religi?o seja ensinada ser? obrigado a associar-se a essa entidade, ou n?o ser? sequer considerado no di?logo com o Estado, tendo assim violada sua liberdade de associa??o- um direito garantido pela Constitui??o.
A lei deixa margem a d?vidas?
ROSELI Alguns termos deixam sim. O que se considera "hor?rio normal da escola"? O tempo que a institui??o passa aberta ou aquele em que a crian?a efetivamente estuda? Uma coisa ? certa: a lei ? expl?cita ao declarar que o ensino religioso ? facultativo. Por?m o que se v? s?o escolas p?blicas desrespeitando a op??o das fam?lias e professando, irregularmente, uma f? no ambiente educacional.
Como essa quest?o ? tratada em outros pa?ses?
ROSELI Nos Estados Unidos, simplesmente n?o h? ensino religioso em escolas p?blicas, de nenhum n?vel. A Revolu??o Francesa ensinou a relev?ncia da laicidade e hoje o pa?s debate para preservar o Estado laico. Portugal est? saindo gradativamente de um acordo que o ditador Antonio Salazar assinou com a Santa S? em 1940 e aboliu o ensino religioso das escolas p?blicas.
Como a religi?o est? presente no cotidiano da escola p?blica brasileira?
ROSELI Ela aparece, sempre de forma irregular, das mais diversas maneiras: o crucifixo na parede, imagens de santos ou de Maria nos diversos ambientes, no ato de rezar antes da merenda e das aulas, na comemora??o de datas religiosas. Alguns professores chegam a usar textos b?blicos como material pedag?gico para o ensino da L?ngua Portuguesa ou para trabalhar conte?dos de outras disciplinas. ? um equ?voco chamar essa abordagem de "transversal" porque quem faz isso enxerta conte?do de uma disciplina facultativa numa obrigat?ria.
Atitudes como essas podem ser consideradas desrespeitosas mesmo quando a maioria dos alunos ? adepta da mesma religi?o?
ROSELI N?o importa se a escola tem s? um estudante de f? diferente (ou ateu) ou se 100% dos alunos e funcion?rios compartilham a mesma cren?a. A escola ? um espa?o p?blico e deve estar preparada para receber quaisquer pessoas com o respeito devido.
Termos religiosos, como "gra?as a Deus" e "nossa" (que vem de Nossa Senhora), s?o usados at? por quem afirma n?o professar nenhuma f?. N?o ? isso que, de alguma forma, ocorre nas escolas?
ROSELI H? express?es que s?o culturais e as pessoas n?o param para pensar se est?o dizendo algo com sentido religioso. Isso ? observ?vel tamb?m em outras l?nguas, como o gee, do ingl?s, pela inicial do nome da divindade (god). Dificilmente um ateu deixar? de ser ateu porque disse "nossa". Por?m o que se v? nas escolas p?blicas brasileiras ? muito diferente. O que se faz l? fere a lei.
Com o aumento do n?mero de evang?licos, as pr?ticas dessa religi?o tamb?m aparecem nas escolas p?blicas?
ROSELI A grande presen?a no interior das escolas brasileiras ainda ? a de pr?ticas cat?licas. De outros grupos, o que existe muitas vezes ? a manifesta??o de valores e atitudes, voltadas para garantir respeito ? sua identidade religiosa, para se defender de tentativas de imposi??o, notadamente dos cat?licos.
Muitas escolas tratam de temas religiosos com os jovens alegando que isso ajuda a combater a viol?ncia.
ROSELI A religi?o n?o impede a viol?ncia. A ideia de que ela sempre faz bem ? equivocada. Basta lembrar que grande parte das guerras teve origem em conflitos religiosos. Na escola, a viol?ncia deve ser combatida com o ensino ao respeito e ao reconhecimento da dignidade intr?nseca a todos, n?o com o pensamento de que apenas as pessoas que acreditam na mesma divindade merecem considera??o.
Por que ? importante separar a religi?o do cotidiano escolar?
ROSELI A escola p?blica n?o pode se transformar em centro de doutrina??o ao sabor da cabe?a de um ou de outro. O espa?o p?blico ? de todos. Al?m disso, o respeito ? diversidade ? um conte?do pedag?gico. ? importante aprender a conviver com as diferen?as e a valoriz?-las e n?o criar um ambiente de homogeneiza??o, em que aquela pessoa que n?o se enquadra ? deixada ? parte ou vista com desconfian?a e preconceito.
Como deve agir o gestor escolar para evitar irregularidades?
ROSELI O diretor da escola p?blica tem uma miss?o importante: fazer daquele espa?o um lugar efetivamente para todos. Para tanto, o ensino religioso s? deve existir se houver um requerimento dos pais solicitando-o. Caso contr?rio, n?o pode nem estar na grade. E, para que os filhos sejam matriculados na disciplina, ? preciso que a fam?lia d? uma autoriza??o por escrito. Os alunos n?o podem, em hip?tese alguma, ser obrigados a frequentar essas aulas. As horas dedicadas ? religi?o n?o devem ser computadas no hist?rico escolar para que os n?o-matriculados n?o tenham registrada uma carga hor?ria menor do que os outros. O ideal ? que o ensino religioso, quando houver, seja oferecido no contraturno. Nesse caso, cabe ? escola disponibilizar outra atividade n?o religiosa no mesmo hor?rio para configurar o car?ter facultativo e a igualdade entre todos os alunos.
O que os pais podem fazer caso sintam que a escola est? desrespeitando a liberdade religiosa?
ROSELI Tanto o Conselho Tutelar quanto o Minist?rio P?blico t?m como fun??o garantir o cumprimento das leis, inclusive as educacionais, e qualquer um desses ?rg?os pode ser acionado por quem achar que est? tendo seus direitos violados.
As escolas confessionais e as particulares podem professar a sua f??
ROSELI Sim. Os pais t?m o direito de escolher a forma??o que querem dar aos filhos. A primeira LDB, de 1961, reconheceu (ap?s muita pol?mica) que deveria haver escolas particulares e, com elas, as confessionais, o que persiste at? hoje. Na ?poca, pensou-se no que fazer quando a fam?lia n?o tem condi?es financeiras para colocar a crian?a nessas institui?es. Foram criadas ent?o as bolsas de estudo, que s?o a origem do sistema de filantropia nas escolas. Por?m essas escolas precisam seguir os PCNs e ensinar L?ngua Portuguesa, Matem?tica, Ci?ncias e as outras disciplinas. Assim a crian?a vai aprender o que diz a f?, pela qual seus pais a colocaram ali, sem deixar de conhecer o que defende a Ci?ncia.
Quais as implica?es na forma??o integral da crian?a quando ela tem seu credo – ou a op??o por n?o seguir nenhuma cren?a – desrespeitado?
ROSELI Segundo a Declara??o Universal dos Direitos Humanos, a fam?lia tem primazia na escolha da Educa??o que deve dar aos filhos, inclusive quanto ? doutrina religiosa a seguir. Se em casa as crian?as aprendem a cultuar de uma forma e na escola de outra, nasce um conflito de valores que pode comprometer a aprendizagem. N?o ? poss?vel haver a imposi??o religiosa no ambiente educativo.
Quer saber mais?
Bibliografia
Estado Laico, Roseli Fischmann, 50 p?gs., Memorial da Am?rica Latina,
editorial@memorial.sp.gov.br,
tel. (11) 3823-4600, sob encomenda
Ensino Religioso em Escolas P?blicas: Impactos sobre o Estado Laico, Roseli Fischmann (org.), 230 p?gs., Ed. Factash, www.factasheditora.com.br,
tel. (11) 3259-1915 (esgotado)