Conversão das cabeças aos pés

Sobre a trans­for­ma­??o da Igreja e do mundo, a par­tir de Atos 3.1??10


 


N?o h? d?vida de que Pedro e Jo?o eram homens pie­do­sos. O texto mos­tra que eles ora­vam tr?s vezes ao dia no tem­plo. N?o obs­tante, muita coisa ainda pre­ci­sava mudar em suas vidas. Sen?o, veja­mos: o texto tam­b?m diz que havia um coxo que era levado dia­ri­a­mente ? porta do tem­plo para pedir esmo­las, e que tinha mais de 40 anos (cf. 4.22). Isso nos faz pen­sar que Jesus deve ter cru­zado por ele em outras oca­si?es quando visi­tou Jeru­sa­l?m. Da? surge a per­gunta: Por que, ent?o, Jesus n?o o curara antes? "Pedro e Jo?o subiam ao tem­plo para a ora­??o da hora nona", i.e., ?s tr?s horas da tarde. Isso tam­b?m n?o ? intri­gante? Pedro e Jo?o iam dia­ri­a­mente ao tem­plo, logo, cru­za­vam com o coxo todos os dias. E mais, naquele mesmo dia, j? era a ter­ceira vez que Pedro e Jo?o pas­sa­vam pelo coxo. A pri­meira teria sido ?s nove horas e a segunda ao meio-dia, no tra­jeto rumo ?s suas ora­?es di?­rias. Por que s? agora Pedro e Jo?o para­ram para falar com o  coxo? Por que n?o o cura­ram antes? Parece que, de fato, Pedro e Jo?o nunca tinham visto aquele homem que, para n?s, tipi­fica todas aque­las pes­soas a quem a Igreja deve alcan­?ar com a men­sa­gem da salva??o.


A nar­ra­tiva de Lucas deixa claro que foi pre­ciso haver pri­meiro a con­ver­s?o da "Igreja" (Pedro e Jo?o), para que depois hou­vesse a con­ver­s?o do "mundo" (coxo). Tal con­ver­s?o se deu em um pro­cesso fas­ci­nante: pri­mei­ra­mente foi neces­s?­ria a?


 


? Con­ver­s?o dos olhos


A reda­??o de Lucas repete t?o insis­ten­te­mente os ver­bos olhar, fitar e ver que nos deixa des­con­fi­a­dos. Seria isso uma esp?­cie de gagueira lite­r?­ria do autor ou, antes, uma admi­r?­vel trama nar­ra­tiva que pre­tende cha­mar a nossa aten­??o. Lucas parece inte­li­gente demais para optar­mos pela gagueira liter?ria. Ent?o, veja­mos a expres­s?o: "Vendo o coxo a Pedro e a Jo?o que entra­vam no tem­plo". Este tipo de olhar carac­te­riza o olhar dis­pli­cente, ? o ver sem enxer­gar. Com freq??n­cia a igreja olha o mundo da mesma forma. ? por isso que, n?o raro, como Pedro, tam­b?m n?s pas­sa­mos por cima do "campo mis­si­o­n?­rio", quase todos os dias, sem not?-lo??e faze­mos isso por tanto tempo.


Ent?o, "Pedro fitando-o jun­ta­mente com Jo?o?". O verbo fitar ? o mesmo uti­li­zado para nar­rar o olhar de Jesus para o "jovem rico", e sig­ni­fica, lite­ral­mente, olhar para den­tro (com olhar pene­trante). Isso sig­ni­fica que, at? esse momento, o olhar da igreja (repre­sen­tada por Pedro) era um olhar super­fi­cial. E um olhar super­fi­cial s? v?, obvi­a­mente, a super­f?­cie: um homem sujo, mal-cheiroso, de aspecto repug­nante? Mas, gra­?as a Deus, o olhar de Pedro se con­ver­teu. Ele con­se­guiu olhar para den­tro do homem, e viu, ali, uma pes­soa cri­ada ? ima­gem e seme­lhan?a de Deus que deve­ria ser amada, res­pei­tada, e cuja dig­ni­dade deve­ria ser resgatada. Assim, Pedro lhe disse: "Olha para n?s". Isso mos­tra que, em geral, o olhar do mundo tam­b?m ? super­fi­cial em rela­??o ? Igreja. Com freq??n­cia, as pes­soas espe­ram da Igreja ape­nas uma "esmola": i.e., emprego, cura, casa­mento? Mas isso n?o passa de cos­m?­tica superficial.


Por isso, Pedro cor­rige o olhar do homem: "olha para den­tro de mim, n?o sou Pedro-o-primeiro-papa, n?o sou rico, n?o tenho prata nem ouro. Na ver­dade eu sou aquele que negou a Jesus tr?s vezes, sou aquele que cor­tou a ore­lha de um ofi­cial, sou aquele que quis des­truir com fogo a uma cidade inteira, enfim, n?o sou nada, n?o tenho nada, mas o que tenho te dou: o nome de JESUS". S? que n?o basta mudar o olhar, ? pre­ciso que haja, ainda a?


 


? Con­ver­s?o das m?os


 


Imaginem-se no lugar do coxo, ouvindo Pedro dizer: "levanta-te e anda". Pen­sa­r?a­mos: "Ih, o papa pirou! Ele n?o per­ce­beu que eu nasci com limi­ta­?es f?si­cas?" e con­ti­nu­a­r?a­mos nossa vida, sen­ta­dos, esmo­lando ? porta do templo. Pedro pre­ci­sou ser mais radi­cal: "e, tomando-o pela m?o direita, o levan­tou". A expres­s?o m?o direita ? car­re­gada de sig­ni­fi­ca­dos. Na tra­di­??o b?blica, reserva-se a direita para as pes­soas mais hon­ra­das, para aque­las que temos em mais alta conta. E, c? para n?s, n?o d? pra levan­tar um defi­ci­ente f?sico s? com um aperto de m?o. Foi pre­ciso mais. Foi pre­ciso que Pedro e Jo?o se abai­xas­sem, o abra­?as­sem, sen­tis­sem de perto o seu cheiro e o sus­ten­tas­sem por algum tempo. Isso indica que Pedro e Jo?o fica­ram "con­ta­mi­na­dos", pois a reli­gi?o de ent?o con­si­de­rava ritu­al­mente impu­ros os defi­ci­en­tes f?si­cos??e os impe­diam de entrar no tem­plo (por isso o coxo ficava "? porta")??e con­si­de­rava igual­mente impu­ros aque­les que os tocassem.


? aqui que con­tem­pla­mos um qua­dro mara­vi­lhoso: a Igreja estende a m?o ao mundo e o mundo estende a m?o ? igreja. Como na pin­tura A Cri­a­??o, de Miche­lan­gelo, na Capela Sis­tina: repre­sen­ta­??o terna do encon­tro divino-humano. E ? de m?os dadas que a Igreja e o mundo pas­sam pela?


 


? Con­ver­s?o dos p?s


Lucas conta que "logo os p?s e arte­lhos [do coxo] se fir­ma­ram, e andou, e entrou com eles no tem­plo, andando, e sal­tando, e lou­vando a Deus". Eis a mis­s?o da Igreja: aju­dar os seres huma­nos a se colo­ca­rem em p? nova­mente; a res­ga­ta­rem sua dig­ni­dade; a serem capa­zes de andar pelos seus pr?­prios p?s. N?o cabe ? Igreja car­re­gar as pes­soas (quer seja com seu pater­na­lismo, quer seja com sua repres­s?o mora­lista). Antes, seu papel ? v?-las madu­ras, livres das supers­ti­?es, entrando por seus pr?­prios p?s na pre­sen?a de Deus.


Note­mos que o homem n?o entrou no tem­plo lou­vando a Pedro ou a Jo?o, nem a reli­gi?o que eles pro­fes­sa­vam. O homem p?de lou­var a Deus por­que os ap?s­to­los n?o anun­ci­a­ram a si mes­mos. Antes, a Igreja reve­lou o olhar amo­roso de Cristo pelos exclu?­dos, e estendeu-lhes os bra­?os aco­lhe­do­res de Deus.


 


Con­clu­s?o


Note-se que a ora­??o emol­dura esta nar­ra­tiva b?blica. A mis­s?o come?a e ter­mina com ora­??o. A litur­gia ? a "fonte e o ?pice" da mis­s?o. Por isso ora­mos pela con­ver­s?o do mundo. Por isso ora­mos pela con­ver­s?o da Igreja. Mas ainda nos intriga a per­gunta: Por que Jesus n?o havia curado esse homem antes? Cer­ta­mente Jesus n?o pre­ci­sava ter os seus olhos con­ver­ti­dos, nem as suas m?os e, tam­pouco, os seus p?s.


Tal­vez Jesus n?o tenha curado a todos os enfer­mos que encon­trou, pela mesma raz?o que n?o ali­men­tou a todos os famin­tos, nem evan­ge­li­zou a todos os povos. Por­que isso Cristo quer fazer com a nossa cola­bo­ra­??o. Curar o men­digo da porta For­mosa do tem­plo era tarefa para Pedro e Jo?o, e Jesus n?o faria isso no lugar deles. Da mesma forma, Pedro e Jo?o tam­b?m n?o cura­ram, nem evan­ge­li­za­ram todas as pes­soas, mesmo depois dessa con­ver­s?o mar­cante. Ainda h? muito tra­ba­lho a ser feito, e parte dele com­pete a n?s ?? nin­gu?m o far? em nosso lugar! Entre­tanto, s? pode­re­mos cum­prir nossa mis­s?o se, ver­da­dei­ra­mente, nos con­ver­ter­mos inte­gral­mente, da cabe?a aos p?s. Se o pr?­prio Pedro e at? mesmo Jo?o pre­ci­sa­vam converter-se, que se dir? cada um de n?s? Voc? gos­ta­ria de ganhar, hoje, novos olhos, novas m?os e novos p?s? Eu quase nada posso lhe dar, mas o que tenho isso lhe dou: os meus olhos, as minhas m?os, os meus p?s e o nome de Jesus.


 


Pastor Luiz Car­los Ramos (Em mem?­ria do Rev. Elias Abra?o, quem pri­meiro me con­ver­teu a este texto)

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