Mas, depois da morte, entram em cena, timidamente, mais dois personagens. Assim como a vida, o curto per?odo da morte de Jesus trar? li?es preciosas, por interm?dio de duas pessoas que, sem o saber, preparam o cen?rio de gl?ria da ressurrei??o: Jos? de Arimat?ia e Nicodemos.
Naquela tarde, muitos olhares se voltavam para a cruz. Algumas mulheres choravam. Soldados repartiam as vestes do condenado, tirando a sorte.Pessoas que passavam pelo local, incluindo alguns sacerdotes, zombavam do crucificado. Estes s?o os personagens principais desse cen?rio de dor.
Obra do pintor surrealista Salvador Dali (1904-1989)
Jos? de Arimat?ia: o disc?pulo secreto
"Depois disto, Jos? de Arimat?ia, que era disc?pulo de Jesus,
ainda que ocultamente pelo receio que tinha dos judeus,
rogou a Pilatos lhe permitisse tirar o corpo de Jesus". Jo?o 19.38
"Est? consumado!" Com essa frase, Jesus Cristo deu por encerrada sua miss?o na terra e morreu, abandonado por seus disc?pulos.Todos fugiram, com medo de terem o mesmo fim. Ao lado da cruz, apenas Jo?o, o "disc?pulo amado", junto com um pequeno grupo de mulheres que inclu?a sua m?e e a amiga Maria Madalena. Ou ser? que havia mais algu?m?? poss?vel que, a alguns passos de dist?ncia, uma figura discreta, chamada Jos? de Arimat?ia, estivesse acompanhando os ?ltimos momentos do Mestre.Depois que Jesus morreu, foi esse homem quem pediu ao governador P?ncio Pilatos para retirar o corpo da cruz, a fim de lhe preparar um funeral digno.
Jos? de Arimat?ia tamb?m tinha muito a perder. Homem rico e influente, ele ? descrito pelo evangelista Marcos como um "ilustre membro do Sin?drio", o conselho religioso formado por religiosos e destacados membros da comunidade. J? o livro de Jo?o revela que ele era "disc?pulo de Jesus". Segundo este evangelista, muitos l?deres dos judeus n?o confessavam a sua f?, com medo de serem expulsos das sinagogas (Jo?o 12.42).
Da covardia ? coragem
Por isso, na vis?o do evangelista Jo?o, ? poss?vel que, at? aquele dia, Jos? de Arimat?ia tinha seguido Jesus em segredo. Contudo, no momento mais cr?tico, quando tudo parecia indicar o fracasso do Mestre, o t?mido disc?pulo teve uma atitude de surpreendente ousadia. O te?logo Vilson Scholz, professor da Universidade Luterana do Brasil e consultor de tradu??o da Sociedade B?blica do Brasil, lembra que Jesus havia sido condenado como um perturbador da ordem p?blica. "Requerer o corpo dava a entender que a pessoa era da mesma fam?lia ou bando", explica.Al?m do mais, diz o professor, a crucifica??o era a "mors turpissima, a morte mais vergonhosa, que deveria ser afastada at? mesmo de seus pensamentos de um romano. Logo, pedir o corpo de um crucificado era um ato corajoso. Para alguns te?logos, Jos? de Arimat?ia pode ser considerado um dos primeiros crist?os – e exemplo de coragem para os seguidores que, mais tarde, seriam perseguidos pelos romanos.
Se Jos? de Arimat?ia n?o tivesse pedido o corpo de Jesus a Pilatos, ele poderia ter ficado na cruz, entregue ? a??o do tempo e das aves de rapina – a maior humilha??o que um judeu poderia sofrer. Assim, depois de reclamar o corpo, Jos? ainda cedeu um sepulcro novo, escavado na rocha, que havia comprado para si mesmo, segundo o relato de Mateus. O professor Vilson explica que, no tempo de Jesus, muitos judeus ricos "aposentados" iam morar em Jerusal?m, para serem sepultados na cidade santa.Jos? de Arimat?ia pode ter sido um desses.
Nicodemos: O mestre que aprendeu uma li??o
Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem
nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no
ventre de sua m?e, e nascer? Jo?o 3.4
Cai a noite na cidade de Jerusal?m e a escurid?o encobre os passos apressados de um homem em dire??o ? casa onde Jesus est? hospedado. ? Nicodemos, um membro do poderoso Sin?drio. Os disc?pulos certamente levaram um susto quando se depararam com a importante autoridade. Afinal, dias antes, Jesus havia expulsado vendedores e cambistas do Templo de Jerusal?m, numa afronta direta ?s lideran?as judaicas. Mas Nicodemos queria apenas conversar. Surpreendentemente, chega chamando Jesus de Rabi, "mestre", e afirma reconhecer sua origem divina: "pois ningu?m pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus n?o estiver com ele". (Jo?o 3.2)
Jesus parece n?o se entusiasmar com a sauda??o lisonjeira e responde com uma frase desafiadora que desconcerta o interlocutor:"(…) se algu?m n?o nascer de novo, n?o pode ver o reino de Deus". (Jo?o 3.3) Como? Nicodemos mostra-se confuso e Jesus come?a a explicar que o novo nascimento a que ele se refere ? de ordem espiritual.
Pr?ncipe dos Judeus
"Tu ?s mestre em Israel, e n?o entendes estas coisas?"- pergunta Jesus a um Nicodemos ainda at?nito. Al?m do t?tulo de "mestre", o livro de Jo?o atribui a Nicodemos a posi??o de "pr?ncipe dos judeus" (ou "um dos principais dos judeus", em outras tradu?es). Por isso, ? que os te?logos consideram que Nicodemos era um membro do Sin?drio, embora o texto n?o afirme com clareza. Segundo Vilson Scholz, professor da Universidade Luterana do Brasil, o Sin?drio era constitu?do por setenta membros, entre os quais havia v?rios fariseus, que eram os peritos na lei judaica. Pela forma como Jesus trata Nicodemos, explica Scholz, ele apresenta o perfil de um escriba da escola farisaica.
Sendo um escriba ou professor de religi?o, era de se esperar que Nicodemos demonstrasse maior compreens?o das palavras de Jesus. Mas o objetivo do autor do livro n?o ? mostrar os conhecimentos teol?gicos do fariseu. "Quando Nicodemos faz perguntas aparentemente est?pidas, o evangelista as registra porque ? na resposta de Jesus que ele est? interessado", explica Scholz. Em linguagem teatral, neste di?logo Nicodemos seria a "escada", ou seja, o coadjuvante que serve como suporte para que o ator principal brilhe em cena.
O apoio final
O livro de Jo?o n?o diz se Nicodemos tornou-se crist?o. Mas nas duas refer?ncias posteriores a este di?logo, ele surge em situa?es de defesa ao Mestre, chegando a enfrentar situa?es constrangedoras. Quando os sacerdotes planejam prender Jesus, ele ousa intervir: "A nossa lei, porventura, julga um homem sem primeiro ouvi-lo e ter conhecimento do que ele faz?", questiona. Em resposta, ? ridicularizado pelos companheiros: "?s tu tamb?m da Galil?ia? Examina e v? que da Galil?ia n?o surge profeta". (Jo?o 7.51-52)
Ap?s a crucifica??o, o homem influente que se encontra com o profeta subversivo na escurid?o da noite, exp?e-se, mais uma vez, ao levar uma mistura de cerca de cem libras de mirra e alo?, subst?ncias arom?ticas usadas na prepara??o do corpo para o enterro. Calcula-se que seriam uns 35 quilos. "? um bocado de perfume! Em Jo?o 12.3, Maria unge Jesus com uma libra de perfume", compara Scholz. Essa quantidade de aromas, explica o professor, deveria valer uma pequena fortuna, digna do funeral de um rei e n?o o de um criminoso morto na cruz.
Piet?, de Jacob Jordaens (1593-1678)
Suzel Tunes
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