CHOSN Reflexão Sydney Farias da Silva

Lideran?a Espiritual e Evangel?stica









Houve um tempo em que o tema da lideran?a recebeu um forte acento nas reuni?es de treinamento promovidas pelos setores de educa??o crist?. E n?o foi sem raz?o esse enfoque, uma vez que ele era um dos modismos na ?rea eclesi?stica. Novos modelos organizacionais exigiram capacidades que fazem diferen?a na competitividade e, consequentemente nos resultados.



Esse estudo, desde logo, mostrou que os (as) l?deres demandavam n?o somente uma capacidade estrat?gica. E isso seria relativamente f?cil de obter pela via educacional. Todavia, um bom l?der tamb?m precisava de carisma excepcional. Aqui carisma era entendido como um conjunto de fatores psicol?gicos que eram capazes de convergir para si demandas de um grupo.[1] Assim, o surgimento do (a) l?der deveria ser entendido dentro dos limites de, pelo menos, duas vari?veis: Capacidade e carisma.O l?der deveria fazer-se l?der e o l?der deveria ser feito l?der por seu grupo.Do ponto de vista das ci?ncias, o l?der seria um fen?meno, psicol?gico, sociol?gico e pol?tico, ao mesmo tempo.


Algumas experi?ncias, por?m, apontam para questionamentos necess?rios que de certa forma tamb?m estiveram em pauta nos chamados treinamentos de lideran?as. Fez-se uma diferen?a entre l?der autocr?tico e democr?tico. A lembran?a de Hitler, Mussolini, Jim Jones, Pinochet, M?dice e, mais recentemente Bush, s?o traumas que imp?em uma agenda mais espec?fica quando queremos falar de lideran?a. Principalmente porque os sistemas de poder costumam sugerir crer que os l?deres que eles produzem s?o mesmo aqueles precisamos. E nunca faltam os "marqueteiros" que ganham a vida vendendo sonhos de lideran?as que nada representam al?m de vantagens para eles pr?prios e domina??o e morte para os liderados. E isso n?o ? privil?gio das grandes organiza?es. At? uma diretoria de condom?nio ou associa??o de bairro est? exposta a esse fen?meno terr?vel de pessoas de reconhecida lideran?a, mas de resultados inconvenientes para o grupo que lideram. ?s vezes, mesmo n?o intencional um (a) l?der pode se tornar fator negativo em certo grupo. A nova comunidade crist? de Corinto teve graves problemas nas rela?es de seus membros com suas lideran?as. Eles simplesmente aplicaram aos evangelizadores crist?os que passaram em sua comunidade a sua velha compreens?o de lideran?a. Eles estavam transferindo seu compromisso com Cristo para os representantes dele, ao dizer que eram de Pedro, de Apolo de Paulo. Foram censurados duramente em uma carta, pois uma nova vis?o das coisas deveria surgir entre eles com o advento do Evangelho em suas vidas. O eixo central de qualquer e de todos os grupos crist?os sempre dever? ser Jesus de Nazar?, chamado o Cristo.


No contexto das comunidades crist?s ainda existe correla??o entre o l?der e o voto. Ou seja, as lideran?as s?o reconhecidas por meio do voto. Neste caso, com a candidatura do(a) l?der e o reconhecimento da comunidade cria-se a realidade democr?tica da situa??o e da oposi??o.Se isso tem sido bom na vida das comunidades crist?s vai depender da vis?o ideol?gica de cada um. O Novo Testamento testemunha que mesmo sem a conforma??o imperial que a igreja acabou assumindo e que perdura at? hoje com a figura can?nica dos "superiores", ela viveu s?rios problemas de lideran?a e de grupos ganhadores e perdedores, inclu?dos e exclu?dos, sobreviventes e exterminados. Os credos que temos foram resultado da vit?ria de certos grupos que se intitularam aut?nticos e definiram os outros pela categoria de hereges, com direito ? excomunh?o e at? morte dos perdedores.


H? uma segunda coisa que precisa ser mais bem mais esclarecida em nosso tema. Trata-se do nosso entendimento dessa palavra de grande import?ncia para certos grupos crist?os: espiritual. Via de regra, ela ? tomada pelo seu ant?nimo: carnal. E isso cria duas possibilidades que precisam ser consideradas, justamente porque trabalhamos com duas palavras iguais e que dizem respeito a sujeitos diferentes que s?o o esp?rito humano e o Esp?rito Santo. Em segundo, porque esse conceito de "espiritual" pode ser herdado de dois te?logos crist?os que seguiram vertentes diferentes para verbalizar suas reflex?es. Ou entendemos "espiritual" no sentido dualista grego da teologia deTomaz de Aquino, explicitamente dualista ou supomos que "espiritual" deve ser entendido no sentido paulino do termo. A filosofia tomista se apoiou no pensamento aristot?lico que via o ser humano composto de duas realidades que conviviam juntas, contudo que n?o se misturavam e eram irreconcili?veis, do ponto de vista da subst?ncia. Ou seja, entendia que o ser humano era feito de corpo e alma, um mortal e o outro imortal. O corpo era visto como a pris?o da alma, propondo n?o a ressurrei??o do corpo, mas a imortalidade da alma. ? interessante fazer uma compara??o entre a morte de S?crates, que acreditava na imortalidade da alma e a morte de Jesus de Nazar?, que acreditava na ressurrei??o do corpo, por a??o restauradora de Deus.


Nos escritos do ap?stolo Paulo, os conceitos de carnal e espiritual est?o relacionados ? vida na carne e a vida no Esp?rito, realidades que n?o dizem respeito ? subst?ncia humana, mas aos podres aos quais a nossa vida se submete. Em Gl 5 Paulo fala das obras da carne e dos frutos do Esp?rito. Para ele o ser humano ? um corpo com sua psique e seu sopro vital. ? a partir desse conceito que ele desenvolve com clareza a doutrina da ressurrei??o do corpo (1Co 15). Era t?o estranha ao mundo grego essa doutrina da ressurrei??o do corpo que Paulo foi abandonado pelos intelectuais que o escutavam no Aer?pago grego, com exce??o do zelador, de Damaris e poucos outros (At. 17.18,32-34)[2].Em nosso contexto cultural os espiritualistas ? que fazem essa n?tida separa??o entre corpo e esp?rito (alma). Um de meus objetivos neste trabalho ? definir o conceito de "espiritual", de modo que ele esteja em acordocom a vis?o b?blica dessa realidade e que a meu ver nega a dicotomia espiritualista.


A terceira ?nfase do tema proposto tamb?m precisa de algum esclarecimento inicial, embora ele seja objeto de grande ?nfase na atualidade.No Novo Testamento n?o temos um ?nico enfoque evangel?stico. A causa disso ? a pluralidade de "teologias" desenvolvidas em cada comunidade crist? que desenvolveu e registrou certas tradi?es sobre Jesus.[3] Em At 8.35 temos um evangelizador e sua mensagem enfatiza a vis?o de que Jesus ? a pessoa hist?rica que encarna o servo sofredor de Isa?as. Em At 17.18 temos outro evangelizador e outra ?nfase. Ambos est?o centrados em Jesus, mas o primeiro est? interpretando Jesus como o Messias Filho de Deus e o outro como Jesus o Salvador que leva ? ressurrei??o e ? vida eterna. T?o grandes eram as diferen?as de enfoques evangel?sticos dos crist?os primitivos, que foi necess?rio um encontro de mission?rios evangel?sticos para estabelecer um m?nimo de conceitos b?sicos. Eles discutiam sobre o que deveria ser o conte?do da boa not?cia (evangelho), o que ela anuncia e o que ela denuncia. Que pessoas e que coisas deveriam estar inclu?das nessa mensagem e que pessoas e que coisas deveriam ser exclu?das.Passado o que se tem chamado de primeiro conc?lio crist?o, ainda assim restaram diferentes interpreta?es. O est? no registro de Atos 15, em que se evidencia que as tens?es eram entre as comunidades e seus evangelistas, estabelece um m?nimo no conte?do da mensagem crist?. A meu ver o registro de Atos traduz o modo como a comunidade de Jerusal?m viu esse n?cleo. A outra vis?o, certamente da comunidade de Antioquia e seus mission?rios (de onde provinha Paulo), est? registrada na Carta aos G?latas 2.10. Fica claro nesse relato da decis?o conciliara designa??o do evangelizador como algu?m voltado ao an?ncio do Reino de Deus para os pobres. N?o h? como negar que se compararmos o Evangelho de Mateus com o Evangelho de Marcos, a mensagem evangel?stica t?pica dessas comunidades tem, no primeiro caso, um forte acento na Igreja e nas "lideran?as" apost?licas. Mateus acredita que Pedro receber? as chaves do Reino dos C?us O Evangelho de Marcos tem sua preocupa??o no Reino de Deus. Marcos v? um grupo apost?lico pouco sintonizado com Jesus e Mateus v? Jesus sacramentando as declara?es de Pedro, reconhecendo-as como provindas de Deus. Assim, antes de falarmos do evangelizador temos que desmistificar esses evangelizadores que s?o estrelas de um show e esses vendedores de sonhos, que n?o passam necessariamente pela postura ?tica e pela moralidade da justi?a e da miseric?rdia. Essa ? outra pergunta que me proponho a responder: "Que evangelizador ? esse, qual a sua mensagem?


O l?der


Uma leitura atenta do Evangelho de Marcos nos conduz ao fato de que na mem?ria da comunidade crist? de Roma a pessoa de Jesus de Nazar? era a fonte m?stica de sua atividade misssion?ria (de sua Vida e Miss?o). Ele n?o ? descrito no modelo do que poder?amos chamar de lideran?a. Marcos mostra que Jesus se recusou a ser l?der (Mc 7.36; 8.30-31), nos termos em que psicol?gica e sociologicamente entender?amos hoje. O mesmo pode ser dito em rela??o ? miss?o que ele atribuiu ?s pessoas que escolheu para integrarem um grupo de conviv?ncia e de miss?o (Mc 6.7-13). Ele n?o os enviou a formar comunidades das quais seriam l?deres, mas a anunciar o Reino de Deus e socorrer as pessoas em suas necessidades.


Essas pessoas entenderam-se pelos crit?rios pol?ticos e sociol?gicos de lideran?a, segundo os crit?rios vigentes nas hierarquias conhecidas em seu contexto (do Imp?rio e do Templo). Chegaram a discutir sobre qual seria o l?der por excel?ncia, o maior de todos. Foram duramente censurados. Jesus chamou uma crian?a e colocou no meio deles e mandou os candidatos aos postos da hierarquia ir l? para o fim da fila (Mc 9.33-37). Em vez de Jesus aproveitar a sede de poder de alguns e colocar essa for?a a servi?o do seu reino, como o faria o administrador moderno, como seus pr?-ativos, ele recolocou a quest?o. A escola de Jesus n?o formava l?deres. O Imp?rio Romano, sim, ele tinha seus l?deres e dominadores.


Isso, todavia, n?o foi suficiente para os articuladores "de plant?o". Dois deles tentaram outra via de acesso aos cargos de lideran?a. Foram direto ao ponto solicitando a Jesus a autentica??o de sua lideran?a. Foram fisiol?gicos, como se costuma identificar hoje. Solicitaram os lugares da maior lideran?a.[4] ? evidente que isso retrata a situa??o das primeiras comunidades e suas lideran?as[5] que tinham perdido a verdadeira dimens?o da vida crist?, como era o caso de Jerusal?m que se considerava a comunidade dos membros da "fam?lia real". Todavia Jesus novamente recoloca a quest?o, mostrando que isso ? pr?tica de um velho tempo. Que a disputa pelo poder no grupo ? coisa da nobreza, dos grandes e dos que dominam (Mc 10.35-45).


Est? claro, pois, que no contexto do Evangelho temos que entender (e quem sabe substituir) o conceito de l?der pelo conceito de servo. As comunidades crist?s precisam de um tipo especial de l?deres. Elas precisam de servos e de servas. O centro desse servi?o ? a disposi??o de "dar a vida" para libertar (em resgate) outras pessoas. Nesse sentido Jesus ensinou a lideran?a ?s avessas, assim como ele foi Messias ?s avessas: O trono transformou-se em Cruz! E na cruz n?o h? vantagem, nem lugar confort?vel. H? suor, sangue e morte. Foi por essa raz?o que Jesus indicou o caminho da ren?ncia e da cruz para os seus disc?pulos.


N?o tenho d?vidas de que se Jesus quisesse ser Rei e transformar seus disc?pulos em l?deres de seu reino isso teria sido perfeitamente poss?vel. Mas ele sabia que essa era sua terr?vel e constante tenta??o, de modo que, quando entrou no Templo, ele n?o se apresentou como sumo sacerdote. Ele foi critico do Templo. Havia em Jesus alguma coisa que desestabilizava as lideran?as do Templo. E isso n?o era o seu grupo, nem a sua organiza??o. ? que ele era a ant?tese do poder, ele era servo. N?o era sacerdote do Templo, era profeta popular galileu.


No Evangelho de Jo?o, 13, Jesus n?o se posiciona para presidir um grupo. Ele lava os p?s de seu grupo. Eles reclamaram porque se sentiram constrangidos a fazer o mesmo. Eles estavam fixos em seus planos de destacados l?deres e tiveram de repensar as coisas. ? poss?vel que as atitudes dos companheiros que deixaram Jesus sozinho diante do sofrimento e da morte tenham algo a ver com essa li??o constrangedora. Pois lideran?a eficiente e sucesso s?o fatores de um bin?mio que est?o associados desde muito tempo, e sucesso foi uma coisa que n?o fez parte das preocupa?es de Jesus.


Os aspectos substantivos do l?der necess?rio nas comunidades crist?s est?o relacionados com a humildade e com o servi?o. Do ponto de vista da vis?o empresarial de lideran?a, Jesus deixou muito a desejar. O abandono de Jesus por seus disc?pulos ficou t?o evidente, que quando preso e julgado a autoridade que o julgou perguntou a ele onde estava o seu grupo. Ele nada respondeu. Ele n?o tinha um grupo. Ele n?o era um l?der. Ele era servo. E servo n?o tem nada, a n?o ser o desejo de servir. Nas estruturas financeiras das empresas a medida qualidade do l?der pode ser avaliada pelo que ele ganha. No projeto de Jesus o servo ? avaliado pela sua capacidade oblativa, pelo que ele ? capaz de fazer para servir.


Nos primeiros projetos de organiza??o das igrejas, por voltas do final do primeiro s?culo eram bem claras as orienta?es para todos os(as) pessoas crist?s que tem a miss?o de servir (no grego, diaconar): "Semelhantemente, quanto aos di?conos, ? necess?rio que sejam respeit?veis, de uma s? palavra, n?o inclinados ao muito vinho, n?o cobi?osos de s?rdida gan?ncia, conservando o mist?rio da f? com a consci?ncia limpa. Tamb?m sejam estes primeiramente experimentados; e, no caso de se mostrarem irrepreens?veis, exer?am o diaconato" (1Tm 3.8-10). E continua "O di?cono seja marido de uma s? mulher e governe bem seus filhos e a pr?pria casa. Pois os que desempenham bem o diaconato [servi?o] alcan?am para si mesmos justa preemin?ncia e muita intrepidez na f? em Cristo Jesus" (1Tm 3.12-13). Como se pode ver, as exig?ncias do di?cono s?o praticamente as mesmas do bispo (1Tm 3.1-7 e o ser?o para todos os servos e as servas.


Espiritual


O l?der-servo requerdois qualificativo: espiritual e evangel?stico. Primeiramente ele dever? ser uma pessoa espiritual. ? luz do que dissemos anteriormente, essa espiritualidade nada tem a ver com espiritualismo. Ela ? muito corporal, embora n?o deva ser carnal. Ela ? uma pr?tica de quem vive na "terra", com os p?s bem firmes no ch?o da realidade humana. Mesmo quando o Novo Testamento parece nos exortar a buscarmos as coisas do c?u, ele o faz no sentido de ser o mundo com Deus e suas exig?ncias ?ticas. Esse servo ou essa serva, n?o vive com o pensamento no al?m, distante da vida onde as coisas acontecem. Sua espiritualidade est? relacionada n?o com seu esp?rito (f?lego), mas com o Esp?rito Santo e sua poderosa a??o na hist?ria humana. Sempre ? bom lembrar que o projeto de Deus acontece na vida real das pessoas. Assim foi com Jesus de Nazar?. Ele era uma pessoa espiritual porque sua vida era sustentada pelo poder o Esp?rito Santo. Diferentemente de Jo?o Batista, Jesus mostrou-se uma pessoa envolvida na realidade dos seus semelhantes. N?o foi uma pessoa do Templo, mas da rua. N?o perdia uma discuss?o na pra?a, n?o perdia uma festa, considerava coisa s?ria visitar amigos. Ele tinha uma proposta pol?tica definida: o Reinado de Deus. E, por ironia ou n?o, Jesus n?o foi condenado e executado pelos romanos sob uma acusa??o pol?tica, relacionada com as coisas da terra e n?o com as coisas do al?m: Jesus Nazareno, rei dos Judeus!


Espero escapar ao reducionismo conceitual, oferecendo um par?metro para a compreens?o do entendo por "espiritual". Uma substitui??o que me pareceria bem mais pr?xima do que estou querendo dizer com essa palavra seria substitu?-la por crist?. Quando falamos de um l?der, no contexto das comunidades de f? estamos falando de um (a) l?der/servo(a) crist?o (?).E porque julgamos essa palavra melhor? Porque ela mostra que a espiritualidade tem que ser compreendida em termos de discipulado. Antes de qualquer coisa o(a) servo(a) tem que ser um(a) disc?pulo(a) de Cristo, pois o disc?pulo antes de tudo ? um servo de Cristo para a liberta??o da pessoa humana. A cruz, e n?o o lugar nobre ? a voca??o natural das pessoas crist?s (espirituais). E n?o a cruz por hero?smo ou mart?rio. A cruz para "regate de muitos". A cruz o pre?o pago pela liberta??o de quem est? na escravid?o. E quando relacionamos espiritualidade coma cruz n?o a estamos relacionando com o esp?rito, sen?o como o corpo e suas dores. Em uma de suas cartas Paulo lembra uma comunidade de crist?os que ele buscava conhecer "o poder de sua ressurrei??o, e a comunh?o de seus sofrimentos,[6] conformando-me com ele na sua morte; para de algum modo, alcan?ar a ressurrei??o dos mortos "(Fp 310-11) e afirmava: "em nada serei envergonhado; antes, com toda ousadia, como sempre, tamb?m agora, ser? Cristo engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte" (Fp 1.20). Assim a cruz na vida do(a) servo(a) longe de ser um s?mbolo rom?nico e belo ? a realidade de um compromisso assumido completamente.


Mais profunda e completa ? a exorta??o que Paulo faz aos romanos quando lhes enviou uma carta espec?fica. Ele fala em tornar o corpo sagrado quando diz: "apresenteis o vosso corpo por sacrif?cio vivo, santo e agrad?vel a Deus, que ? o vosso culto racional" (Rm 12.1). Fica, pois, claro que a f? crist? n?o ? espiritualista, mas profundamente corporal. E assim entenderam os crist?os primitivos que conservaram uma refei??o em honra ao corpo e ao sangue de Jesus. Estranhamente, quando se esperaria na cultura grega que os crist?os evocassem o esp?rito de Jesus, eles evocavam o seu corpo. Tanto que foram confundidos com certos praticantes de ritos religiosos que cominam a carne das pessoas sacrificadas como bode expiat?rio (normalmente mo?as e crian?as).


Por isso preocupei-me de fazer uma diferen?a entre espiritualismo, que ? uma concep??o grega e espiritualidade que ? uma concep??o crist?. E a diferen?a entre uma e outra reside em que a primeira sup?e uma exist?ncia do esp?rito independente do corpo e a outra requer a exist?ncia de uma unidade indivis?vel do ser humano. A primeira sup?e uma abstra??o do corpo e a segunda sup?e uma sacraliza??o do corpo. E os metodistas nunca podem esquecer que a experi?ncia religiosa de Wesley, entendida como experi?ncia espiritual foi descrita em termos corporais: "Senti meu cora??o estranhamente abrazado".


? claro que esse modo de ver as coisas desloca o nosso tema do l?der espiritual para a espiritualidade do servo. Tudo na vida do servo ? feito no desejo de fazer do corpo instrumento de miss?o. Todas as ?reas da vida seguem a espiritualidade do corpo sobre o altar. Corpo e mundo, vida e experi?ncia hist?rica determinam as alavancas de nosso servi?o. ? oportuno lembrarmos oPVMI. Ele afirma com clareza que na vida do crist?o duas linhas conduzem a corrente de sua espiritualidade: Os atos de piedade e as obras da miseric?rdia. Manter o equil?brio dessas duas din?micas ? nosso desafio permanente. Contudo, nem a piedade (que ? a santifica??o do soma) e muito menos as obras da miseric?rdia podem acontecer sem o uso racional de nosso corpo.


Todavia ? preciso cuidado para n?o transformar essa espiritualidade em auto-sufici?ncia. A espiritualidade do servo acontece em meio a uma nova realidade que existe no mundo: a Vida do Esp?rito! O poder de ser servo ? uma obra do Esp?rito Santo na vida humana. ? um poder concedido. Em Gl 5 temos descritos os frutos do Esp?rito. A vida crist? consiste em o ser humano, na sua integralidade, viver a novidade de vida, livre dos poderes deste mundo tenebroso do mal, na liberdade do Esp?rito. Liberdade que n?o ? para a concretiza??o de nossos planos, mas para fazer a soberana vontade de Deus.


A m?stica crist? do servi?o decorre do par?metro de Jesus de Nazar?. ? nos evangelhos que vamos encontrar o relato de como isso aconteceu na pr?tica cotidiana. ? muito inspiradora a "nuvem" de testemunhas de que nos fala o livro "Aos Hebreus". Mas no modelo da espiritualidade crist? est? na vida de Jesus de Nazar?, conforme nos ? narrado nos evangelhos. Ele indicou os rumos e encarnou a forma de ser servo.


A espiritualidade de Jesus passava por algumas coisas essenciais a quem deseja, hoje, ser servo dele no mundo, e realizar a miss?o recebida. Ela come?a pela experi?ncia do chamado. Ser uma nova pessoa em Cristo, segundo a Carta aos Ef?sios ? viver de forma digna da voca??o recebida.Todos e todas, antes de serem servos e serem servas, t?m suas vidas mudadas pela convers?o de objetivos e valores em atendimento ao chamado de Deus ? vida no seu Reino. Dura pouco o entusiasmo de servos(as) oferecidos, que aderem ao servi?o pelo altru?smo de uma nobre e edificante miss?o. E Jesus conhecia bem esse detalhe, pois teve a experi?ncia "fundante" de seu servi?o e proporcionou aos seus disc?pulos a oportunidade de responderem em f? ao desafio do tempo de Deus eu chegara com o an?ncio de seu Reino. Jesus teve essa experi?ncia por ocasi?o do batismo. N?o ? que ele at? ali n?o vivesse no Esp?rito, mas naquele momento ele se apropriou da consci?ncia de ser Filho de Deus, guiado e sustentado pelo Esp?rito Santo. Sem essa experi?ncia pessoal de voca??o os servos n?o t?m t?mpera, resist?ncia para continuar. Logo acabam l?deres que se mant?m a custas de manobras pol?ticas. Falta-lhes o sentimento de perten?a ao Reino de Deus. A principal autoridade evocada por Paulo para o seu minist?rio era a sua experi?ncia na estrada de Damasco. O Mission?rio Paulo n?o apareceu do nada. Ele teve seu tempo e lugar de despertamento e isso dividia a sua vida em antes e depois Muitas pessoas comportam-se como quem faz um favor ? causa do Reino de Deus. Quando n?o se elegem para os cargos que cobi?am, sentem-se desprestigiados, como se a garantia de Sua miss?o fosse o grupo que o elegeu. O servo participa da festa, mas ele tem que agradar ao seu senhor.Servo aut?nomo, por vontade sua est? somente a servi?o de sua vaidade.


Quando falamos desse tema temos sempre que nos lembrar deJesus e de suas experi?ncias. Ele, depois de chamado e de selado por meio do batismo, foi para o deserto. L? ele foi tentado (Mc 1.9-12) por Satanaz. Conforme especificam os outros evangelhos sin?ticos ele esteve diante de duas alternativas. Uma era ser aut?nomo, e fazer de sua miss?o uma escada para o sucesso, pra postos de honra cobi?ados por todos. Outra possibilidade que Jesus tinha diante de si era assumir o servi?o como servo de Deus para o bem do mundo. Neste caso teria de ir de encontro aos poderes estabelecidos, anunciando o poder supremo de Deus e a urg?ncia de fazer a sua vontade. Em Lc 4.16-19 Jesus anuncia a sua op??o. Ele decidiu ser fiel ? sua voca??o e andar do modo digno desse chamado. Por conta disso ele morreu crucificado.


No Novo Testamento a palavra servi?o recebeu o sentido de minist?rio, ou diaconia. Com os primeiros problemas comunit?rios da Igreja de Jerusal?m foram escolhidos sete pessoas para servirem as mesas( e n?o eram mulheres). Os di?conos n?o eram pessoas para dirigirem institui?es ou exercerem atividades seculares Eram pessoas que serviam as mesas. No mesmo texto usa a palavra diaconia para o minist?rio dos ap?stolos, relacionado com a ora??o e aprega??o. N?o importa o setor da atividade, se a exemplo de Marta ou a exemplo de Maria. O importante ? compreender que essa atividade deve ser exercida no Esp?rito e em servi?o.


O servo, a semelhan?a de Jesus, ? uma pessoa do Esp?rito Santo. N?o ? somente chamada por ele, mas sustentada e capacitada por ele. O servi?o ? uma delega??o de servi?o. E ele ? feito no poder do Esp?rito Santo. Jesus anuncia em Nazar? que o "Esp?rito Santo est?" sobre ele. E ao se despedir dos disc?pulos, conforme o Evangelho de Jo?o (Jo 19.21-22), Jesus lhes concede o Esp?rito Santo para a realiza??o da Miss?o. O Esp?rito ? a heran?a dos servos e das servas. Os minist?rios e os ministros(as) n?o s?o institucionais, mas carism?ticos. "percebe-se at? que ponto uma oposi??o entre minist?rios "carism?ticos" e "institucionais" ? estranha ao pensamento de S?o Paulo: Para ele, todo minist?rio ? um dom feito pelo Esp?rito Santo ? Igreja." [7]


Evangel?stico


O servo est? a servi?o da miss?o. N?o existe, todavia, uma miss?o dos homens outra dos jovense outra das mulheres. Existe uma miss?o de Deus, cujo teor ? anunciar o evangelho ?s pessoas. De modo que o(a) servo(a) sempre ter? em sua vida estes dois p?los, Deus e as pessoas a quem Deus ama (o mundo). Assim como a experi?ncia de perten?a ao Reino de Deus por meio da voca??o, o sentimento de perten?a ao povo ? fundamental ao servi?o crist?o. E n?o se trata de pertencer somente ao povo crist?o ou a Igreja. ? perten?a ao povo secular. A experi?ncia com Deus e sua ordena??o para ministrar em seu nome tem como conseq??ncia primordial o sentimento de solidariedade e compaix?o para com aqueles que "n?o sabem discernir entre a m?o direita e a esquerda (Jn 4.11). ? esse sentimento que comanda a miss?o. Depois de nos convertermos a Deus temos que nos converter ao povo. Um dos lemas da Igreja Metodista inclu?a a express?o "a servi?o do povo". No caso de Wesley essa experi?ncia foi dram?tica. Ele se voltou para o povo quando as portas dos templos se fecharam para ele. Isso o remeteu ?s ruas, ? boca das minas, ?s portas das tabernas. No caso de Jesus, as coisas aconteceram ao natural. Ele era um campon?s e foi a essa gente que ele se dirigiu. Ao contr?rio de Jo?o Batista que ficou no deserto e esperava que as pessoas fossem ouvir a sua mensagem, Jesus foi um itinerante que convidou pessoas e as constrangeu a essa itiner?ncia. Sempre h? que nos perguntarmos o que fez Jesus ir em dire??o ?s pessoas. O evangelho tem uma resposta simples para isso. Ele tinha uma novidade a contar ao mundo que respondia ?s suas principais necessidades: sa?de, p?o e liberdade. Anunciar essa mensagem era o seu compromisso primeiro. A cura, o alimento, o chamado ? liberdade simplesmente eram para ele instrumentos que sinalizavam a vinda do reino de Deus. O que desloca o servo para fora da "seguran?a" dos templos ? a for?a centr?fuga que o Esp?rito Santo imprime ? evangeliza??o. Resumindo, milagre e refei??o eram ferramentas de an?ncio do Reino de Deus. Todavia nada disso aconteceria sem algo que era fundamental em seu comportamento evangel?stico: miseric?rdia (tamb?m descrita como compaix?o). Somente esse sentimento faz com que pessoas saiam para anunciar. "No Novo Testamento, a primeira tarefa concreta do ministro ? a de continuar o an?ncio da Boa Nova, inaugurada por Cristo."[8] Nestes ?ltimos anos tem sido redescoberta uma palavra auxiliar da evangeliza??o: pastoral (que n?o pode ser confundida com pastorado). Ela se reporta ? responsabilidade que os disc?pulos e disc?pulas de Jesus t?m de pastorear o mundo. Nos termos do evangelho, o povo est? sujeito a duas a?es: dos ladr?es e a do pastor. Ladr?es s?o pessoas que se servem do povo. Pastor ? uma pessoa que d? sua vida pelo povo. Infelizmente temos assimilado a evangeliza??o pelo seu aspecto menor que ? a proclama??o verbal. Mas ela compreende mais do que isso. Ela compreende solidariedade com as pessoas que s?o v?timas em um mundo de poderes que excluem e matam. Talvez isso responda sobre porque as chamadas "s?ries de evangeliza??o" se tornaram simples a??o marqueteira. Pregadores que vinham de longe faziam discursos sobre a vida de pessoas com as quais n?o tinham nenhum compromisso. A verdade era que quando o povo precisava dos evangelistas visitantes dando sua vida pelo povo n?o os encontravam. Nas comunidades locais que tinham um efetivo compromisso solid?rio com o povo, ainda havia alguma continuidade desse programa e muitos frutos eram recolhidos. O an?ncio do reino de Deus requer despojamento solid?rio. A justi?a do Reino passa muito menos pela lei do que pela miseric?rdia. A vinda do Reino de Deus n?o depende de n?s. Ele est? vindo. Depende de n?s convidarmos as pessoas a aceitar a miseric?rdia de Deus e renovar suas vidas nessa abundante gra?a. O evangelizador n?o tem d?vidas sobre a vontade de Deus. Ele sabe que a Vida abundante e nada menos que isso ? a vontade de Deus. Em face do caos em que o mundo se encontra as pessoas v?em-se sem alternativas. Algumas escolhem a lei da selva para sobreviver e geram a viol?ncia que est? a? estampada nos jornais. Outras escolhem a alternativa da fuga, seja por meio espiritualidade alienante seja por meio daaliena??o das novelas, onde elas se projetam e sonham viver aquelas aventuras. Para o evangelizador n?o haver? paz enquanto n?o correr a justi?a como ribeiro. Ele sabe que isso s? pode vir por meio do Reino de Deus e ele convida insistente e diligente a todos e todas para que aceitem a oferta da gra?a de Deus. Ele est? com o povo onde o povo estiver, participando de suas lutas por melhor qualidade de vida, pois ele sabe que ? isso que deus quer para todos e todas.


Conclus?o


A lideran?a espiritual e evangel?stica ? definida a partir do servi?o sob a a??o do Esp?rito Santo com vistas ao an?ncio do Reino de Deus. Ela n?o se sente chamada a estar na frente de um grupo, mas integrar o corpo vivo de Cristo ministrando em seu nome e sob o seu poder. Ela sabe queo corpo j? tem uma cabe?a, que ? Jesus. N?o temos no evangelho ordens sacras ou leigas, primados nem autoridades, al?m da gra?a de servir e dar a vida pela causa do Reino de Deus e da realiza??o plena de sua vontade. A ordem verdadeiramente evang?lica ? amar e servir e o povo realizando a miss?o de Deus. O mais que vier a se configurar no cotidiano da Igreja, por meio do voto ou do sorteio, ser? pequeno diante desse princ?pio norteador da miss?o: ministrar em nome de Deus para o povo.


Sydney Farias da Silva


[1] Diferentemente dos carismas concedidos pele Esp?rito Santo para o exerc?cio da miss?o.


[2] Are?pago pode significar a colina onde estava a agora, ou o pr?prio tribunal de Atenas.


[3] De fato, seria melhor falar em cristianismos primitivos ao inv?s de cristianismo primitivo.


[4] Direita e esquerda, justi?a e economia.


[5] Gl 2.6,9


[6]O grifo ? meu


[7] LEMAIRE, Andr?. Os Minist?rios na Igreja, p. 28


[8] LEMAIRE, Andr?. Os Minist?rios na Igreja, p.33.


Picture of Portal Igreja Metodista

Portal Igreja Metodista

Igreja Metodista - Sede Nacional.

Tags

compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine nossas notícias

Receba regularmente as notícias da Igreja Metodista do Brasil em seu e-mail.
A inscrição é gratuita!