adultos que ferem são crianças feridas



De alguma forma, que n?o sei explicar, Jesus exercia um fasc?nio sobre as crian?as. Era mais do que ser af?vel para com elas,Ele compreendia o que era ser um infante, suas lutas, conflitos, impot?ncia diante do mundo adulto dominado por intrigas, viol?ncia e incompreens?es.



Um dia, essa crian?a que Jesus tanto preza, cresce, estuda, ama, e ? admitida ao mundo adulto atrav?s de diversos ritos de passagem. Entretanto, "aquela" crian?a que existiu continua viva dentro de cada um. ?s vezes sufocada, reprimida, outras vezes carente e expressando em novos cen?rios toda a dor que os primeiros anos de vida trouxeram.



Homens e mulheres que seguiram a Jesus, um dia tamb?m, foram crian?as e enfrentaram as vicissitudes pr?prias da idade num mundo t?o ou mais in?spito que o nosso. Fazendo um pequeno exerc?cio de imagina??o comecei a inferir como teria sido o per?odo de inf?ncia de alguns personagens b?blicos, a partir de textos das Escrituras que falam de suas caracter?sticas pessoais. Afinal, adultos deixam rastros de sua crian?a em palavras, gestos e posturas por onde passam.



O primeiro que me vem ? mente ? o garoto Saulinho de Tarso. Imagino-o como um menino franzino e talvez doente, que n?o enxergava bem desde cedo; acho que desenvolveuum sentimento de inferioridade, mas viu nos estudos uma oportunidade de se destacar pois ele mesmo diz que no juda?smo "avantajava-se a muitos da sua idade, sendo extremamente zeloso das tradi?es de seus pais" (Gl 1.14). Ora, fico imaginando que tipo de garoto – mesmo naquela ?poca – se enfurnaria nos estudos de forma t?o a?odada se n?o fosse para fugir de uma realidade desagrad?vel?



Vejo Jo?ozinho, o mais jovem dos disc?pulos, se recostando ao peito do Mestre, expressando a necessidade de tocar e ser tocado, pois quem sabe teve um pai que nunca o abra?ou nem o pegou ao colo, preocupado com os afazeres di?rios para sustentar toda a fam?lia, e menino sens?vel como era,precisava sempre de um abra?o. Era ele quem se aconchegava a Jesus (Jo 13.23).J? velho, ainda percebemosessa sensibilidade no seu linguajar das ep?stolas, usando incansavelmente o voc?bulo carinhoso de "filhinhos" e "amados".



Ao contr?rio do sorumb?tico Jo?o, quantas reprimendas o irrequieto Pedrinho n?o levou de seus pais, pois n?o parava, mexia em tudo, e arrumava confus?o com seus irm?os com um temperamento intempestivo. E o pequeno Tom?? Assim como toda crian?a, depositava a mais completa confian?a nos adultos, mas um dia foi humilhado e tra?do; e ele prometeu a si mesmo nunca mais confiar em ningu?m, e desconfiar de tudo aquilo que lhe contam.



A mulher "pecadora" que ungiu os p?s de Jesus, chorando e beijando,pode ter sido uma menina criada sem o amor e carinho dos pais, nascendo-lhe um sentimento de desvalor, uma car?ncia de aceita??o. Para piorar,na juventude muitos rapazes podem ter lhe procurado somente por sua beleza f?sica, e ela nunca soube o que era ter uma rela??o de amor e companheirismo…. da? a necessidade de sentir-se bem quista por todos – nem que fosse por alguns fugazes momentos.



Na verdade a vida desses personagens b?blicos tamb?m tem um pouco de nossa hist?ria. Eles n?o eram personagens de fic??o, mas homens e mulheres de carne e osso que enfrentavam seus problemas familiares, as doen?as, a falta de recursos, assim como n?s.



Tudo quefoi doloroso na inf?ncia, e muito machucou, torna-se uma inflama??o sempre latejante na alma. Ent?o, machucamos a quem amamos, decepcionamos quem deposita confian?a em n?s e ferimos os outros com as nossas feridas. Por vezes valemo-nos de nossa hist?ria para justificar certos comportamentos inadequados. Quem tem ci?mes excessivos explica-se: "temo perder aquilo que amo, por isso n?o saio de perto"; o irasc?vel tem na ponta da l?ngua: "fui muito reprimido e nunca pude falar nada, mas agora chega"; quem tem muito apego ao dinheiro se autoexplica: "passei muita dificuldade na inf?ncia";quem desconfia do mundo: "nunca mais v?o me enganar"….



O maior problema talvez n?o seja o que vivemos, masquando aceitamos o comportamento que dali se segue, at? com uma ponta de resigna??o, e n?o vislumbramos que possa ser diferente. Tornamo-nos, ent?o, fatalistas, pois "o que ?"j? foi decidido l? atr?s. Ao pensar assim n?o cremos na liberdade que Cristo traz, e perdemos a condi??o de homens e mulheres livres para tornamo-nos o "c?o de Pavlov" condicionado para salivar toda vez que toca a campainha.



H? um que tem o poder de fazer novas todas as cousas. Deus re-constr?i a nossa hist?ria a partir do material torto que lhe apresentamos. N?o ? por acaso que a convers?o a Cristo ? tamb?m chamada de "novo nascimento".N?o ? esquecimento ou amn?sia do que viveu, mas uma re-significa??o do que passou e uma oportunidade de viver um novo come?o. N?o mais os olhos do ?dio, da raiva ou vergonha, mas de uma vis?o sobre a vida a partir do amor de Cristo que sara as feridas, nos restitui a dignidade, traz seguran?a ao cora??o e liberta da servid?o emocional do passado.? um caminho dif?cil, pois o atalho, o caminho f?cil, ? continuar repetindo indefinidamente a doen?a.



Quando me concedo a oportunidade de viver uma segunda inf?ncia – agora tendo Deus como "Abba Pai" – n?o preciso mais ficar preso a um passado doloroso. Quero ser um adulto vivendo como uma crian?a diante de Deus, uma crian?a que pula, dan?a, festeja, d? gargalhadas, chapinha nas po?as d??gua, e quando se cansa, corre para o colo do Pai.



Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a crian?a, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me hist?rias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E d?-me sonhos teus para eu brincar
At? que nas?a qualquer dia
Que tu sabes qual ?.


(Alberto Caeiro, em O Guardador de Rebanhos)




Pr. Daniel

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