Jo?o 17.21
"Para que sejam um"
A Igreja busca pela unidade para atender ao apelo de Cristo na ora??o sacerdotal. Nela, Jesus pede que os disc?pulos sejam um (Jo?o 17.21), como Ele e o Pai o s?o. Pedro, Jo?o, Tiago, Andr? e outros eram pessoas diferentes, com rea?es diferentes, compreens?o acerca das palavras de Jesus de forma diferenciada, mas experimentaram a unidade entre si porque foram transformados por Jesus Cristo. Encontramos o exemplo de Pedro. Ele que costumava atropelar as pessoas, agir de maneira rude e violenta, demonstrar certa arrog?ncia, terminou a vida enviando sauda?es carinhosas e ?sculo santo para seus seguidores (I Pe 4.14). Pedro aprendeu o "segredo de se esvaziar dos preconceitos e paradigmas, n?o ter medo do novo, n?o ter receio de explorar o desconhecido. Entendeu que devia se colocar como uma crian?a que se exp?e singelamente diante do mundo que a cerca. Quem n?o consegue se esvaziar das suas verdades n?o consegue abrir as possibilidades dos pensamentos".[1]
Outro exemplo de pessoa transformada ? Jo?o. A afetividade foi uma das marcas na vida e minist?rio de Jo?o. Invariavelmente seus escritos mencionam esta dimens?o. Ele soube captar este aspecto na vida de Jesus e desenvolv?-lo com seus disc?pulos. "Seus escritos exalam a mais bela afetividade. Mesmo no livro de Apocalipse ? poss?vel perceber, entre guerras e julgamentos, o perfume mais excelente da emo??o. Nesse enigm?tico livro, Jesus ? citado mais de vinte vezes, n?o como um general ou juiz, mas como cordeiro de Deus. Jo?o nunca se esqueceu das seis dram?ticas horas da crucifica??o".[2] Jo?o permaneceu aos p?s da cruz, e l? soube entender a linguagem silenciosa de Jesus e foi nutrido na dimens?o da ora??o sacerdotal. Em outras palavras, Jesus reprogramou a ambi??o dos disc?pulos. A ?nsia pelo poder e pela proemin?ncia foi substitu?da pelo ser servo de todos. Para ser o maior, o seguidor do mestre dos mestres deveria se transformar no menor e servir aos outros (Mc 10.43-45).
Movimento homog?neo
Pensar na unidade dos crist?os nos dias de hoje parece ser uma grande utopia. Os movimentos homog?nicos que agem dentro das Igrejas preconizam uma unidade eclesial, intra-muros, nos limites da denomina??o ou da igreja local, entre os grupos que professam o mesmo pensamento ou manifestam a mesma experi?ncia, e o fazem, muitas fazem, sem afetividade e sem respeito para com o sentimento alheio e, desta forma, n?o conseguem alcan?ar a amplitude da ora??o sacerdotal. Esta unidade, resultado de homogeneidade, n?o reflete a unidade apregoada por Jesus Cristo. Assim, nos diversos movimentos em busca da unidade encontramos aspectos que tendem a minimizar o tema.
O fundamentalismo
Encontramos, como primeiro exemplo, o fundamentalismo que pode ser definido como um "movimento social religioso no seio do protestantismo, que tem a sua g?nese num contexto de acentuadas contradi?es sociais, por conseguinte, de falta de plausibilidade e de relativismo de valores; tem no l?der e na rede de fi?is seus termos estruturais b?sicos, cujas rela?es s?o de autoritarismo e totalitarismo, predominando a ?nfase carism?tica, e de en?rgico antagonismo contra correntes divergentes – inimigo demonizado; e desempenha uma fun??o social de compensa??o, mediante novos v?nculos interpessoais e refor?o da identidade, e, ao mesmo tempo, de legitima??o de certa ordem social vigente".[3]O fundamentalismo, como outros movimentos sociais e religiosos, tem a marca ideol?gica, pois est? a servi?o de uma cren?a ou de uma determinada membresia que professa seus dogmas.Neste sentido, o fundamentalismo ? doutrin?rio e intolerante com outras cren?as ou grupos religiosos. Ele promove a homogeneidade entre os membros da Igreja ou parte dos mesmos, o que, por si s?, j? ? uma nega??o da diversidade e da mutualidade que caracteriza o Corpo de Cristo (I Co 12.1-11).
Outro aspecto a ser destacado ? que o fundamentalismo estabelece suas doutrinas e sua teologia a partir de estruturas dicot?micas, ou seja, bem x mal, Deus x dem?nio, luz x trevas, etc. Promove uma ortodoxia m?nima absolutamente exigente em termos de observ?ncia e de obedi?ncia, sem que haja uma reflex?o mais apurada e uma amplitude no que diz respeito ao livre arb?trio das pessoas professarem sua f?, at? como conseq??ncia da caracter?stica de cada uma. Esta tend?ncia homog?nea cria estere?tipos e comportamentos paran?icos na vida ministerial e eclesial. O pensar ? refutado como atividade pouco espiritual. E quando o pensamento ou a a??o n?o segue os dogmas da "homogeneidade" a rejei??o, a discrimina??o e a disciplina s?o praticadas em nome desta "unidade", o que, na verdade, n?o passa de uma uniformidade.
O relativismo
Como segundo exemplo pode ser citado o relativismo. Hoje vivemos num per?odo onde h? muitos movimentos religiosos que oferecem variados tipos de produtos, servi?os e ofertas diversas, para chegar at? os diferentes grupos da nossa sociedade. Com o movimento da globaliza??o e o neoliberalismo no mercado os valores sociais, ?ticos e crist?os s?o questionados e aviltados, sendo substitu?dos por outros conceitos advindos deste movimento. Esta tend?ncia cria a inseguran?a entre as pessoas e promove o relativismo das coisas. Tudo, ou quase tudo, passa a ser relativo. Os compromissos assumidos, votos feitos, responsabilidades ?ticas e morais, comprometimentos com a identidade e confessionalidade da denomina??o, entre outros aspectos, passam a ter um valor relativo. Neste sentido, minimiza-se o que deveria ser absolutizado.
Com a relativiza??o das coisas, sobra muito pouco espa?o de reflex?o e de debate. Enquanto a m?xima wesleyana ensina a "pensar e deixar pensar", este movimento relativista e hegem?nico pratica apenas a primeira parte, ou seja, pensa e n?o deixa pensar, mas cujo pensar reproduz discursos ensaiados e que est?o a servi?o dos que assumem uma lideran?a calcada na homogeneidade e no relativismo.
Desuni?o
H? que se citar tamb?m o pouco interesse que pode haver num ambiente de homogeneidade de que a unidade, enquanto resultado da mutualidade e da diversidade vivida e respeitada, seja, de fato, uma viv?ncia e um testemunho evangelizador e sinalizador da presen?a do Reino de Deus. Os movimentos a partir disto levam em dire??o contr?ria ? unidade que se busca e promove o confronto com id?ias e pessoas que pensam e s?o diferentes dos estere?tipos hegem?nicos. A tend?ncia, num ambiente assim, ? de descarte, de intoler?ncia, de deboche e de intimida??o.
"N?o sabem o que fazem"
Na busca pela unidade, se os movimentos fundamentalistas da homogeneidade, da hegemonia de um grupo ou tend?ncia e da relativiza??o das coisas continuam imperando, a Igreja acabar? amargando maiores rachaduras, machucaduras, esc?ndalos, messianismos, falta de ?tica, fingimentos, dissimula?es e muita pouca miss?o ou miss?o distorcida. A ora??o sacerdotal de Jesus Cristo pode virar apenas um cap?tulo no Evangelho de Jo?o e o brado de Jesus na Cruz do Calv?rio ? dirigido a n?s hoje: "Senhor, perdoa-lhes, pois n?o sabem o que fazem" (Lc 23.34). Percorramos os caminhos da ora??o sacerdotal de Jesus, pois assim em algum ponto todos se encontrar?o para celebrar a unidade ou para prestar contas do que foi feito em nome de Deus e do que deixou de ser feito.
"Para que o mundo creia"
Para motivar os disc?pulos a seguirem por este caminho Jesus "vendeu" sonhos. O principal era o Reino de Deus. Para falar dele usou a express?o Ano Aceit?vel do Senhor, onde haveria liberta??o aos cativos, vis?o aos cegos e liberdade aos oprimidos (Lc 4.17-19). Valorizou a vida. Focou a vida para ser plena e abundante. Despertou sentimentos, valorizou-os e ensinou os segredos do cora??o. Ensinou os disc?pulos a ser gente, a aceitarem a fragilidade da vida e a valorizarem a si mesmos e uns aos outros. "Ele queria libertar os cativos e os oprimidos. Tamb?m queria libertar os cegos, n?o apenas os cegos cujos olhos n?o v?em, mas cujos cora?es n?o enxergam. Os cegos que t?m medo de confrontar-se com suas limita?es, que n?o conseguem questionar qual ? o seu real sentido de vida. Os cegos que s?o especialistas em julgar e condenar os outros, mas que s?o incapazes de olhar para as suas pr?prias fragilidades".[4] Que o Senhor Jesus nos d? a verdadeira motiva??o para sermos seus seguidores e sejamos um como Ele e o Pai o s?o, para que o mundo creia que Ele nos enviou.
Bispo Josu? Adam Lazier
Maio 2007
[1] Cury, Augusto. O Mestre Inesquec?vel. S?o Paulo. Academia de Intelig?ncia. 2003. Pg. 174.
[2] Cury, Augusto. O Mestre Inesquec?vel. S?o Paulo. Academia de Intelig?ncia. 2003. Pg. 199.
[3] Oro, Pedro Ivo. O outro ? o Dem?nio – uma an?lise sociol?gica do fundamentalismo. S?o Paulo. Editora Paulus. 1996. Pg. 167.
[4] Cury, Augusto. O Mestre Inesquec?vel. S?o Paulo. Academia de Intelig?ncia. 2003. Pg. 93.
