o vício do bingo

O PA?S EM JOGO


Por Carlos Bezerra Jr.


Folha de S.Paulo, se??o Tend?ncias e Debates, 14/05

Toda vez em que participo de debates sobre assuntos como redu??o da maioridade penal, desarmamento, e, agora, legaliza??o dos bingos, me pergunto: que pa?s n?s queremos? Ao ler o artigo do ex-secret?rio estadual de Seguran?a Marco Vin?cio Petrelluzzi, Jogos de Azar e Seguran?a P?blica, publicado sexta-feira dia 4 neste espa?o, pensei sobre o quanto as crises sociais que enfrentamos t?m estreitado a nossa vis?o em vez de nos dar oportunidade para tornarmos o pa?s mais justo.

H? dois anos, a C?mara de S?o Paulo aprovou um projeto de minha autoria, sancionado pelo ent?o prefeito Jos? Serra, que obrigava as casas de bingo a colocar placas alertando sobre o risco do v?cio no jogo. Na ?poca, os donos de bingos alardearam o benef?cio da iniciativa, l?pidos em legalizar na marra o seu neg?cio milion?rio. A verdade, por?m, ? que aquilo era tudo o que eu poderia fazer como vereador, e era tamb?m uma tentativa de puxar a discuss?o, urgente, para o campo certo, o da sa?de p?blica.

“A pr?tica do jogo pode viciar e provocar problemas emocionais e financeiros”, diz a frase inscrita na placa obrigat?ria na porta dos estabelecimentos. O bingo como op??o de lazer n?o ? o que existe a?. A divertida t?mbola ? o que se praticava em quermesses. Nos megacassinos que se espalham pelo pa?s como praga, o que se v? ? uma m?quina feita para criar depend?ncia inferior s? ao cigarro, da decora??o ao software que escolhe os n?meros.

Institui?es como a Universidade Federal de S?o Paulo e Universidade de S?o Paulo criaram laborat?rios para atender a popula??o viciada. Da segunda, pesquisa do Ambulat?rio do Jogo Compulsivo (Amjo) constatou que a s?ndrome de abstin?ncia do jogador chega a ser pior do que a do alco?latra. Foi nesses locais e na organiza??o Jogadores An?nimos (J.A.) onde aprendi que jogar na loteria ? uma coisa, jogar em bingo e nas m?quinas de ca?a-n?quel, ? outra completamente diferente.

Quando o resultado da aposta ? r?pido, como no segundo caso, a depend?ncia ? mais f?cil de ser desenvolvida, assim como o cigarro ? a forma mais veloz de levar nicotina ao c?rebro. Pesquisas sobre como ganhar e perder dinheiro mexem com nosso humor e n?o param de surgir. Recentemente, cientistas da University College, de Londres, constataram que ao perder dinheiro ativamos a mesma regi?o do c?rebro usada para identificar medo e dor. Imaginem, ent?o, o que se produz na cabe?a do jogador de ca?a-n?queis? Para o J.A., essas m?quinas s?o o crack da jogatina. De cada dez pessoas que procuram apoio na entidade, quatro s?o viciadas nelas.

Fui testemunha da destrui??o que o bingo provoca. H? estabelecimentos onde o jogador entra de carro e sai a p?. Conheci um senhor que, n?o bastasse perder o carro, jogou o dinheiro que usaria para pagar a condu??o. Outros chegam a roubar parentes para jogar. H? um tempo, os jornais noticiaram a hist?ria da esposa de um dekassegui do Paran? que jogava todo o dinheiro que o marido enviava do Jap?o. Na semana em que ele retornaria ao Brasil, ela se matou. Ao observar atentamente os bingos da cidade, vemos que quem est? ali ? aquele cidad?o de classe m?dia baixa que aposta nas m?quinas para realizar sonhos que o sal?rio n?o realiza. H? tamb?m muitos aposentados.

Quem em s? consci?ncia consegue ver a fila na porta de alguns estabelecimentos, no in?cio da tarde de um dia de semana, e continua acreditando que aquelas pessoas est?o ali para apenas se divertir? S? os propriet?rios de bingos, que usam de argumentos esp?rios para manter os lucros, uma fortuna que serve para comprar senten?as judiciais, como revelaram as opera?es da Pol?cia Federal Hurricane e T?mis, e que financiam campanhas como descortinou o caso Waldomiro Diniz. Alguma autoridade p?blica acredita, realmente, que vamos manter sob controle os bingos do pa?s diante desse curr?culo?

Ah, mas existe Las Vegas, um conjunto de cassinos freq?entados por turistas cravado no meio do deserto justamente para isolar a jogatina do dia-a-dia da popula??o. E mesmo que os Estados Unidos, onde parte consider?vel da popula??o tem dinheiro para gastar e aplicar na bolsa, por exemplo, fossem habitados por viciados em jogo, dever?amos imit?-los por qu?? H? quem use a desculpa de que bingos geram emprego. O tr?fico de drogas tamb?m gera.

O pior argumento, por?m, ? o da corrup??o que surge da repress?o. Do tipo: proibir ? pior. Sob esse prisma, os ju?zes acusados de vender senten?as s?o, na verdade, v?timas de um sistema cruel. Pensar assim ? fazer como o marido que flagrou a mulher com outro no sof? e culpou o estofado.

J? liberamos as armas, estamos em vias de reduzir a maioridade penal e corremos o risco de legalizar os bingos. O que de melhor ainda temos para fazer por essa popula??o que precisa de seguran?a, sim, mas necessita tamb?m parar de ser enganada por m?quinas e por homens? Tivesse o tr?fico de drogas lobby t?o eficiente, o crack estaria legalizado.

CARLOS BEZERRA J?NIOR, 39 anos, ? m?dico, vereador e l?der do PSDB na C?mara Municipal de S?o Paulo.

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