Retorno sua correspond?ncia, meu prezado jovem, com uma ponta de tristeza – chamo-lhe de jovem porque constato pertencermos a gera?es diferentes. Tristeza, porque lhe percebi confuso, com sentimentos prematuros para sua voca??o pastoral. Nesses primeiros passos, voc? j? se percebe numa luta ingl?ria e sua ang?stia transborda alguns rancores. Isso n?o ? bom; com sua idade, os jovens sonham com ideais ut?picos.
Muitos servos de Deus e profetas tamb?m se indignaram com o mundo que lhes rodeava. Precisamos apenas tomar cuidado para jamais projetar, mesmo inconscientemente, nossas pr?prias inadequa?es no mundo e nos outros. N?o viva com azedumes, eternamente a culpar o pr?ximo. Lembra da par?bola da trave e do argueiro? Conhe?o v?rios pastores que camuflam seus defeitos procurando identificar aberra?es alheias. Eles pensam que jogando lama nos outros se sentir?o justificados e menos pecadores. Nossa humanidade n?o se comp?e s? de luzes, todos temos sombras. Como ? f?cil atirar pedras. N?o podemos ser exageradamente rigorosos com n?s mesmos, e nem inclementes com nossos semelhantes.
Por outro lado, alegrei-me com sua correspond?ncia; ela revela que voc? n?o se acomodou. Ali?s, sinto-me lisonjeado e satisfeito em poder ajudar-lhe com um pouco da minha experi?ncia colhida em tr?s d?cadas como pastor.
N?o permita que seus dons e talentos ofusquem o principal prop?sito de Deus para com sua vida. O que o Senhor tem para fazer em voc? ?, e dever? sempre ser, maior do que qualquer coisa que ele tenha para realizar atrav?s de sua vida. N?s somos o seu projeto. Deus n?o quer usar-nos como abelhas de uma colm?ia, ele nos ama afetuosamente e deseja moldar-nos ? imagem de seu filho.
Preocupei-me com a possibilidade do orgulho dominar suas entranhas. Ao descrever seus ?ltimos sucessos ministeriais, detectei uma ponta de soberba. Cuidado! N?o quero desanimar-lhe de querer se aperfei?oar. Continue se esmerando para fazer o melhor, mas guarde minhas palavras: – Deus n?o nos mede pelo que fazemos, e sim pelo que somos. Antes de provar-se eficiente, lute para encher seu cora??o de bondade.
Fuja dos perigos da fama, prest?gio e riqueza. Eu poderia citar o nome de v?rios obreiros que naufragaram em seus minist?rios, porque, feito mariposas, se enfeiti?aram com as luzes da ribalta. Eu mesmo j? fui tentado nessa ?rea. Por?m, h? muito tempo, um rabino detectou minha sanha de aparecer e, amorosamente, me advertiu: "Meu filho, aprofunde sua caminhada com Deus e deixe que Ele decida se lhe exaltar? ou n?o". Hoje, retransmito-lhe o que ouvi, com um acr?scimo: – Ao buscar fama e prest?gio, talvez voc? consiga tornar-se c?lebre, mas condenar? seu minist?rio ? superficialidade.
Aprenda a cultivar a discri??o. Voc? n?o foi chamado ao estrelato. Siga seu Mestre na senda do Calv?rio, buscando servir, sempre disposto a dar sua vida pelos seus amigos, e sem jamais buscar outra recompensa sen?o a alegria de ser parceiro de seu Salvador. As maiores personalidades da hist?ria universal n?o se preocupavam em alardear suas qualidades, eles amavam a sabedoria.
Foi bom constatar sua coragem. Notei seu destemor com os desafios pastorais e prof?ticos. Jesus, realmente, enviou seus disc?pulos como ovelhas no meio de lobos. Todo pastor precisa encarar os inc?modos de sua miss?o e saber que sofrer? oposi??o dos que desdenham a verdade. Pior, padecer? horrores dos que se consideram donos da verdade. Quem deseja acompanhar os passos do Nazareno, sofrer? persegui??o. N?o tema sofrer ao lado de quem defende a justi?a; viva abra?ado com os que choram. O Evangelho n?o doura a p?lula: nossos esfor?os pelo Reino vir?o regados de l?grimas.
Voc? citou alguns l?deres como refer?ncias de seu minist?rio. Tome cuidado para n?o idealiz?-los. Lembre-se que h? diferen?a entre o personagem, o mito, e a pessoa real. Nem sempre os indiv?duos dos ambientes p?blicos coincidem com os da vida privada. Recordo-me de um amigo que se deprimiu com o esc?ndalo de um "grande" l?der porque n?o aceitava que ele fosse capaz de cometer aqueles deslizes. Acontece que ningu?m ? imune de cometer lapsos. Todos dependem das miseric?rdias de Deus e todos precisam da sua gra?a.
Com nossa troca de mensagens, nasceu um grande carinho por sua vida. Seus dilemas me transportaram ao in?cio de minha carreira. Vejo-me em voc?, por isso, escrevo para poupar-lhe de repetir minhas falhas.
Finalmente, guarde: n?o importa como come?amos, mas como terminamos. Diversos, cientistas, pol?ticos, empres?rios, religiosos tentaram abarcar o universo, mas perderam afetos e do?ura. Quando estiver sozinho, repita muitas vezes: “De que vale o homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?”.
Busque terminar sua jornada repetindo as mesmas palavras de Paulo: "Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a f?" – 2 Tm 4.7.
Soli Deo Gloria.