02/01/2007
Lutando para salvar sua Amaz?nia, marcado para morrer
Larry Rohter
em Altamira, Brasil
Publicado no New York Times/UOL
No in?cio do ano passado, Tarc?sio Feitosa da Silva, diretor da Comiss?o Pastoral da Terra da Igreja Cat?lica, ganhou uma distin??o d?bia aqui em uma das regi?es mais repletas de conflito da Amaz?nia. Ap?s a freira americana Dorothy Stang ter sido morta a tiros em uma estrada da floresta, ele passou a ocupar seu lugar na lista de pessoas marcadas para morrer mantida por madeireiros, fazendeiros, garimpeiros e especuladores de terras.
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Tarc?sio Feitosa ocupou o lugar de Dorothy Stang na lista dos marcados para morrer |
Isto, ? claro, ? uma forma de reconhecimento que Feitosa, 35 anos, e sua fam?lia prefeririam n?o desfrutar. Mas testemunha a efic?cia de seu trabalho em prol das tribos ind?genas, dos colonos e dos moradores de rio para preservar o que resta da floresta tropical amea?ada.
Juntamente com outros grupos religiosos e comunit?rios, a entidade comandada por Feitosa tem contestado t?tulos falsos de propriedade de terras, denunciado corte ilegal de madeira e organizado os agricultores pobres a resistir a invas?es de terra. Recentemente, tais esfor?os foram recompensados com um decreto do governo estabelecendo um sistema de reservas naturais que, se implementado, for?ar? muitos fazendeiros ricos e madeireiros a abandonarem terras que atualmente controlam, sem compensa??o.
“N?s escolhemos uma op??o que nesta regi?o parece radical, a de manter a floresta em p?”, disse Feitosa. “Isto abalou interesses poderosos que em todas as demais partes da Amaz?nia conseguiram derrubar a floresta.”
O pr?prio Feitosa ? um produto puro da Amaz?nia, nascido e criado nesta cidade de fronteira de 77 mil habitantes, no encontro da Rodovia Transamaz?nica com o Rio Xingu. Sua m?e ? filha de um seringueiro, enquanto seu pai, originalmente um pescador de caranguejo, veio para c? como meeiro por volta de 1970, quando a rodovia estava sendo constru?da.
“Parte de minha origem est? na floresta e outra parte est? na ?gua”, disse Feitosa. “Eu recebi ofertas para ir para toda parte, mas sempre insisti em viver e trabalhar aqui.”
A m?e de Feitosa j? foi freira e posteriormente trabalhou em uma cl?nica m?dica daqui voltada aos pobres. Foi dela, ele acredita, que herdou sua voca??o para o servi?o social.
“Minha m?e sempre disse que voc? n?o deve se preocupar apenas consigo mesmo, mas que precisa se preocupar com a sociedade”, ele disse. “Minha m?e sempre foi ligada aos movimentos comunit?rios e da Igreja, de forma que acho que tal gene veio dela.”
Ela tamb?m transmitiu para ele, o mais velho de tr?s filhos, sua f? religiosa. Apesar de nunca ter pensado em se tornar um padre “porque n?o queria passar seis anos em um semin?rio”, Feitosa se descreve como dedicado ? id?ia de viver “uma vida crist?, segundo os princ?pios crist?os, como um cidad?o crist?o” e ? pr?pria Igreja.
“Para mim, minha f? ? algo essencial”, ele explicou. “As pessoas dizem que sou um verdadeiro freq?entador de igreja. Eu fui coroinha na minha par?quia por muito tempo, e costumava prestar aten??o nas palavras dos padres que celebravam a missa. Mas eu realmente entendia aquela frase que vem antes da comunh?o, aquela sobre 'eis o mist?rio da f?'.”
Mas certo dia, enquanto visitava uma aldeia ind?gena, em um epis?dio que Feitosa descreveu como um momento de virada em sua vida, ele foi convidado por seus anfitri?es a ca?ar na floresta. Os ca?adores mataram um cervo, o esfolaram e levaram a carne ? aldeia.
“Eu estava super feliz, achando que meu grupo receberia a melhor parte”, ele lembrou. “Mas ent?o uma velha veio e cortou as coxas, ent?o veio outra velha, e outra e outra. No final, depois que todas as costelas tamb?m foram tiradas, tudo o que restou para n?s, que fizemos um grande sacrif?cio, foi um pedacinho de carne.
“Minha primeira rea??o foi, como uma coisa destas podia acontecer? Eu passei o dia todo sem comer, caminhei sei l? quantos quil?metros na selva e ajudei a carregar o cervo nos ombros. Mas ent?o entendi que o que est? na mesa visa ser compartilhado, e este ? o mist?rio da f?. De forma que acho que foi a primeira verdadeira Eucaristia que experimentei.”
Feitosa divide a hist?ria de sua regi?o nativa em dois per?odos: antes da constru??o da Rodovia Transamaz?nica e depois. Ele se recorda de nadar e pescar na inf?ncia em ?reas que foram desmatadas e desenvolvidas, e nota pesarosamente que atualmente ? preciso viajar para longe para encontrar selva realmente intocada.
“As pessoas que vieram para c? depois da abertura da estrada viam a floresta como um obst?culo ao desenvolvimento”, ele disse, acrescentando: “Ningu?m pensava em biodiversidade, ningu?m pensava no potencial que a floresta em si oferecia; a regra era destruir”.
A situa??o piorou, ele argumenta, nos anos 90. Ele come?ou a trabalhar na Comiss?o Pastoral da Terra naquela ?poca, e come?ou a confrontar aqueles que viam a Amaz?nia como fonte de lucro r?pido.
“Os madeireiros primeiro exploravam as terras dos ?ndios e depois o interior em busca de mogno”, ele se recordou. “Havia momentos de verdadeira tens?o, porque havia muitas invas?es e eram empresas muito, muito grandes, que passam por cima de voc?.”
Neste ano, Feitosa ganhou o Pr?mio Ambiental Goldman, que ? acompanhado de uma quantia em dinheiro de US$ 125 mil, grande parte dos quais ele planeja usar no trabalho com as comunidades da floresta. A men??o notou que o Estado natal de Feitosa, o Par?, atualmente ? “uma das regi?es mais sem lei e ambientalmente amea?adas da Amaz?nia”.
Ainda assim, disse Feitosa, “se quiserem faz?-lo, elas v?o conseguir. N?o d? para impedi-los. Eu preciso confiar em Deus”.
Stang tamb?m confiava em Deus e isto, no final, n?o foi suficiente para proteg?-la. “Ela provocou a ira de muita gente ao descobrir todas aquelas irregularidades e causou estragos a muitos grandes interesses”, ele reconheceu. Ele tamb?m j? irritou estes mesmos interesses? “Talvez sim”, ele respondeu, “mas eles ter?o que partir. A floresta precisa ser mantida viva para benef?cio de todos, n?o apenas de uns poucos especuladores.”
“Eu vou ? missa todo domingo ?s seis e meia da tarde”, ele acrescentou dando de ombros. “Se algu?m quiser me matar, eles j? conhe?am a rota.”
Tradu??o: George El Khouri Andolfato