O vinte de novembro e essa tal liberdade.
Estamos nos aproximando de mais um vinte de novembro, e para muitas pessoas esta data n?o traz significado algum, e por isso "passar? em branco". Mas afinal por que se lembrar do vinte de novembro? O que ele tem de importante para o povo brasileiro? Neste ano, cujo ocaso se aproxima, no dia 13 de maio completou exatos cento e dezoito anos de aboli??o da escravatura. Mas, o que tem a ver treze de maio com vinte de novembro? E o porqu? tal data deve ser lembrada? Talvez, voc? que l? est?s linhas esteja se perguntando.
A escravid?o negra ? um triste, criminoso, e pecaminoso capitulo da hist?ria do Brasil. E para muitos brasileiros, pelos adjetivos supracitados deveria ser tal capitulo apagado da hist?ria dessa na??o. Alias n?o faltaram a?es para se atingir tal intento. Se voltarmos ao passado nos dias que sucederam a assinatura da Lei ?urea, veremos que o povo negro, n?o tinha muita coisa para comemorar. Porque agora "livres", ap?s quase quatro s?culos de trabalhos for?ados, a?oites, humilha?es, e ter enriquecido a muitos, com seu sangue, suor e morte. Os raios da liberdade pareciam come?ar a brilhar no horizonte do negro brasileiro, trazendo consigo a igualdade. Por?m, os senhores e o pr?prio Estado, trataram logo de trazer outros para ocuparem seu lugar no trabalho. Pois, agora o negro sendo livre, teria que receber por ele.
Mas por que n?o usar o pr?prio negro? ? que os novos trabalhadores, al?m, de contribu?rem com a for?a de seu trabalho, traziam uma contribui??o a mais, possu?am tra?os europeus. Diferentemente dos negros, estes povo de tez clara, n?o eram vitimas de seq?estros, ou resultado de escambo na ?frica, atividades que reduziam pessoas humanas outrora livres, a mercadoria de compra e venda no Brasil. N?o deixavam para tr?s for?adamente, p?tria, pais, esposas, filhos, terras, religi?o. E o mais valioso e desejado disso tudo: liberdade. Estes novos cidad?os brasileiros iriam com sua presen?a suprir n?o s? a falta de m?os de obra, mas tamb?m tinham a miss?o de embranquecer a na??o. Quanto aos "libertos", bem a id?ia, era que abandonados ? pr?pria sorte, fossem extintos. Apagando-se, assim dos anais da hist?ria brasileira, junto com a ignominiosa mem?ria da escravid?o, a presen?a real dos antes escravizados, que de pe?a de grande valor, tornaram-se, indesej?veis, e dispens?veis nesse Pa?s.
Ao contr?rio do povo negro, para quem a vinda for?ada para o Brasil era parte de um pesadelo, estes imigrantes, para c? mudaram espontaneamente, na busca do justo sonho de uma vida melhor. Hoje quando olhamos para os descendentes destes dois povos, constatamos as imensas diferen?as sociais existentes na vida de ambos. A situa??o dos afro-brasileiros neste pa?s ? calamitosa. O Brasil ? um pa?s cuja pobreza possui cor, e ela ? inegavelmente negra.
Tal situa??o teve inicio na liberta??o, onde, a elite brasileira, que se julgava culta, piedosa e estatalmente crist?, se dava ao luxo de possuir gente como propriedade. Tal na??o impunha sobre o negro seu credo religioso, por meio do batismo, por?m, n?o o tratava evangelicamente como seu igual. Assim procedia aplacando um poss?vel peso na consci?ncia, dizendo estar contribuindo no processo civilizat?rio dessas ainda b?rbaras criaturas, proveniente do continente maldito, cuja negritude da pele denunciava aus?ncia de alma. E diferentemente do que fez Zaqueu o publicano, que ap?s, seu encontro com Cristo, livremente decidiu restituir at? quatro vezes mais a quem tinha lesado. Tal na??o crist?, agora rica gra?as, ao trabalho da estropiada etnia negra, dela se libertou, abandonando-a a pr?pria sorte. Tendo o patr?o ainda direito a indeniza??o estatal.
O itiner?rio do negro brasileiro pode ser definido da seguinte maneira: da ?frica, ao tumbeiro, do tumbeiro at? o porto, do porto, para o comercio, do comercio sai vendido como propriedade, rumo ? senzala, da senzala para o eito, do eito para o pelourinho. E cansado das surras e constantes humilha?es, num sonho de liberdade, os que conseguiam fugir, saiam da escravid?o para os quilombos.
Por aquilo que constato, observando meus pares negros, infelizmente sou obrigado a dizer que hodiernamente, a esse itiner?rio funesto, acrescentou-se, a falta de acesso ao ensino fundamental de qualidade, e condi?es de se manter na faculdade quando se consegue chegar – l?. Tais, fatores aliados ao racismo velado existente em todas as ?reas da vida social, inclusive na Igreja, privam o negro brasileiro de ascenderem socialmente. Mantendo a grande maioria circunscrita ? pobreza e indig?ncia. Com presen?a majorit?ria nas favelas, FEBEM. Ocupando o topo das estat?sticas do analfabetismo, popula??o carcer?ria e de vitimas de chacinas. ? devido a esses fatores negativos, e o sonho de ser livre por completo, que surge a raz?o, pela qual vinte de novembro, n?o pode passar em branco.
Contrariando a muitos, afirmo com muito orgulho, e de prop?sito que esse dia tem mesmo ? que ser denegrido. Sim, tal data tem que literalmente, assim como o significado da palavra: denegrir, tornar-se negra. Essa data tornar-se-? negra, a partir do momento, que cada negro brasileiro, recuperar sua alto estima, e passar a valorizar seu passado, ?cones e tradi?es, deixando de ser mero coadjuvante e passando a ser ator principal no palco de sua vida e hist?ria. Essa data precisa tornar-se t?o negra assim como o ? quarenta e sete por cento, dos componentes dessa na??o, e que por ser essa enorme massa humana n?o pode mais viver as margens dela, quase que na invisibilidade. Questiono tal numero, pois, suspeito ser o percentual do povo negro brasileiro muito maior, e que tal fato n?o se confirma nas estat?sticas devido ? falta de um consciente e equilibrado orgulho negro, ou pelo medo de ser discriminado que levam muitos afros descendentes a negarem sua heran?a ?tnica. E diante do quesito cor se declarar; moreno, moreno claro, mulato, marrom bombom, moreno primeiro tom, ou seja, subterf?gios, usados por muitos para n?o se declararem realmente negros.
Vinte de novembro, para todo negro consciente, sobrepuja o treze de maio, pois, lhe traz a mem?ria a luta, a resigna??o, o inconformismo, e o esp?rito guerreiro presente dentro de cada negro ou afro-brasileiro. Tal data nos recorda a morte de Zumbi dos Palmares, um homem que ousou sonhar com a liberdade para si e seus pares. E que por acreditar nesse sonho morreu lutando.
? preciso que hoje 118 anos depois, completemos o ato oficializado no dia treze de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei ?urea, pois a verdadeira liberdade, s? existir? para o afro-brasileiro, se houver repara??o do mal causado durante quase quatro s?culos de escravid?o. Urge destruirmos os frutos da omiss?o que se seguiu ao treze de maio, perdurando at? os nossos dias. Omitiram-se a sociedade brasileira e seus governantes, que n?o buscaram meios de realmente inserir o povo negro no centro da vida do pa?s, mas, manteve o a margem, aprofundando assim o fosso social por meio de um racismo velado, dissimulado pela propalada democracia racial. Hoje tal repara??o ser? satisfat?ria somente se houver di?logo, confiss?o e perd?o de pecados, ora?es e a?es buscando a inclus?o social, tanto dos negros como dos pobres em geral.
Por?m, tal realidade ser? poss?vel, somente atrav?s da articula??o e participa??o de todos os brasileiros, independente de sua raiz ?tnica. Isto, afirmo por crer que todo sistema gerador de injusti?as, pobreza e morte, s? mudar?, trazendo melhoria de vida, quando os indiv?duos envolvidos na quest?o participarem como um todo. Cabe aos brancos reconhecerem, que racismo existe e tem causado muitos malef?cios n?o s? a indiv?duos, mas a toda na??o. E a nos negros, cabe o n?o esmorecer, diante das barreiras invis?veis que ainda nos cerca. E a exemplo de Zumbi dos Palmares, sonharmos e lutarmos por dias melhores. Movidos pelo amor de Nosso Senhor e Salvado Jesus Cristo, o qual declarou: Eu vim para que todos tenham vida, e que a tenha em plenitude, e essa promessa tem que se concretizar na vida de todos. Pois, para Deus n?o h?: branco, negro ou amarelo, homem ou mulher, rico ou pobre, por?m Ele por meio de Seu Filho se faz presente em todos.
Se assim procedermos, justi?a e paz se abra?aram, e impelidos pela gra?a de Deus, negros e brancos num culto de gratid?o, de m?os dadas, e jubilosos, a uma s? voz cantaram, *Vassum Crisso, Vassum Crisso, pois eis que verdadeiramente j? raiou a liberdade e a igualdade para todos no horizonte do Brasil.
*Louvado seja nosso Senhor
Pr. Jos? do Carmo da Silva (Z? do Egito)
Igreja Metodista em F?tima do Sul – MS
