religião der spiegel


publicado no site UOL em 18/01/2007/tradu??o de mat?ria do jornal alem?o Der Spiegel



Rainer Traub

Em meio ?s dif?ceis mudan?as mundiais, as pessoas est?o voltando ? velha religi?o. Em nome de Deus, terroristas matam e mutilam alegremente; nos Estados Unidos, a direita crist? tem forte influ?ncia no governo. Neste crescente mundo temente a Deus, apenas a Europa Ocidental parece o ?ltimo baluarte de secularismo – ou os fi?is daqui tamb?m est?o retornando?

Roma, abril de 2005. Pessoas se espremem na Pra?a de S?o Pedro. O papa Jo?o Paulo 2? faleceu e as multid?es coloridas, incluindo alunas cabulando aula e surfistas com cabelos tran?ados – mais parecendo um p?blico de concerto de rock do que freq?entadores de igreja – seguiram para o Vaticano para prestar suas ?ltimas homenagens.

A enxurrada de visitantes pouco diminuiu um ano depois, mas a atra??o agora ? o novo Santo Padre. Os alem?es, em particular, v?o para ver “seu” papa, Bento 16, com cerca de 50 mil buscando uma audi?ncia durante seus primeiros seis meses como l?der da Igreja Cat?lica Romana.

Ser? que s?o sinais de um renascimento religioso na Europa notoriamente secular – especialmente entre os jovens? Ou as multid?es na Santa S? s?o compostas mais de curiosos do que verdadeiros fi?is – um produto da mesma badala??o da m?dia que alimenta nossa fixa??o por ?cones do futebol, divas da m?sica pop e astros de Hollywood?

Ningu?m sabe ao certo, mas uma coisa est? clara. As igrejas podem estar mais vazias do que nunca, mas em um planeta que parece estar rodopiando fora de controle, mais e mais pessoas est?o refletindo sobre o significado da vida – mesmo no Velho Mundo. No rastro deste redespertar, rudes caricaturas dinamarquesas de Maom?, coment?rios do papa na Alemanha e uma igualmente controversa montagem de “Idomeneo” de Mozart, em Berlim, levantaram nos ?ltimos meses a quest?o sobre quanta religi?o e os valores que ela reflete n?s precisamos.

O triunfo da modernidade?

O ressurgimento da religi?o ? um dos fen?menos mais dram?ticos e not?veis de nosso tempo e assume alguns aspectos perturbadores. Os terroristas detonam bombas em nome de Al?. A Casa Branca ? ocupada por um presidente que se considera um crist?o renascido, prega em p?blico, busca orienta??o divina em assuntos pol?ticos e envolve suas pol?ticas em uma roupagem religiosa.

Na aurora do s?culo 21, a religi?o est? caminhando pelo palco mundial como um ator poderoso, mas vol?til, atuando em uma variedade de pap?is que mudam constantemente – um desdobramento que era inconceb?vel para a maioria dos ocidentais h? uma gera??o. Naquela ?poca, o triunfo da modernidade deveria ser acompanhado da morte inexor?vel da religi?o ao redor do mundo.

Mas tal no??o estava absolutamente errada. Na verdade, em continentes como a ?frica e a ?sia, onde a religi?o est? ganhando influ?ncia, este nunca foi o caso.

Fora uns poucos grandes eventos na m?dia, o equil?brio na Alemanha tem pendido at? o momento para a modernidade, a ponto da religi?o parecer ter perdido suas amarras. “N?o est? mais distante o dia em que as funda?es religiosas de nossa civiliza??o ser?o t?o alien?genas para a maioria dos alem?es quanto ?s do antigo Egito e dos astecas”, profetizou Klaus Harpprecht, do jornal alem?o “Die Zeit”.

E n?o h? como contestar: com exce??o da cat?lica Pol?nia, o n?mero de fi?is nas igrejas tradicionais crist?s tem ca?do drasticamente na Europa, assim como a consci?ncia da heran?a crist? do continente. As alega?es de que a religi?o est? ruindo s?o apenas parcialmente verdadeiras. O argumento n?o vale para a maioria dos 15 milh?es de mu?ulmanos na Europa. Na verdade, o Isl? cresceu nos ?ltimos anos. “A observ?ncia religiosa aumentou entre os mu?ulmanos desde o 11 de Setembro”, disse Ali Kizilkaya, presidente do Conselho Isl?mico Alem?o. A freq??ncia nas ora?es de sexta-feira no pa?s subiu quase 50% nos primeiros cinco anos do mil?nio, segundo a Arquivos Isl?micos da Alemanha.

Incitando o conflito

Mas o renascimento da religi?o na Europa tamb?m tem incitado as hostilidades entre as f?s. Para muitos ocidentais seculares, os len?os de cabe?a das mulheres mu?ulmanas devotas passaram a simbolizar a dissemina??o do fundamentalismo religioso. As organiza?es mu?ulmanas se queixam das constantes insinua?es de que t?m la?os com o terrorismo. Enquanto isso, ide?logos fundamentalistas e pregadores isl?micos aqui e no exterior incitam o conflito entre as maiorias n?o-mu?ulmanas da Europa Ocidental e suas comunidades isl?micas.

As caricaturas do profeta Maom?, publicadas em um jornal dinamarqu?s, provocaram protestos violentos em todo mundo no in?cio de 2006. Os consulados dinamarqueses em Beirute e Damasco foram incendiados e v?rias pessoas morreram em protestos no Afeganist?o, Paquist?o e Nig?ria. Mas o que poderia parecer acessos espont?neos de f?ria foram, na verdade, ataques cuidadosamente orquestrados.

Ap?s o papa Bento 16 ter feito uma refer?ncia a uma cita??o de s?culos atr?s, que criticava os ensinamentos de Maom?, em um discurso em setembro, mais tempestades de protesto irromperam em muitos pa?ses mu?ulmanos. O papa expressou rapidamente seu respeito ao Isl?, argumentando que suas palavras foram mal compreendidas. Na Som?lia, radicais isl?micos responderam ao seu discurso assassinando uma freira cat?lica.

Naquele mesmo m?s, o desconforto provocado por estes desdobramentos na Alemanha repercutiu na Deutsche Oper em Berlim, uma das principais casas de ?pera do pa?s. As autoridades municipais alertaram que sua montagem de Idomeneo – que inclu?a decapita?es de Maom?, Jesus e Buda – poderia inflamar os mu?ulmanos. A ?pera foi inicialmente cancelada e apenas remarcada para o final de 2006, ap?s um acalorado debate p?blico.

As conseq??ncias da crescente desconfian?a m?tua est?o se tornando cada vez mais dif?ceis de ignorar. Um vig?rio na cidade alem? oriental de Erfurt ficou t?o preocupado com a islamiza??o da Europa que se imolou em chamas, na esperan?a de que sua morte pudesse alertar os crist?os da amea?a que percebia. Enquanto isso, a capacidade das pessoas de distinguir entre a grande maioria de mu?ulmanos que aspira viver pacificamente dentro das sociedades europ?ias, e uma minoria fan?tica e violenta, est? desaparecendo rapidamente. Segundo uma reportagem no “International Herald Tribune” sobre o sentimento em seis grandes cidades europ?ias, uma desconfian?a geral em rela??o ao Isl?, encontrada apenas em c?rculos da extrema direita h? poucos anos, agora est? avan?ando no centro pol?tico e at? mesmo entre a esquerda liberal. “Se tornou politicamente correto atacar o Isl? (…) o que dificulta para moderados de ambos os lados permanecerem razo?veis”, o jornal citou o mu?ulmano dinamarqu?s Wahid Pedersen.

Por todo o mundo, o Isl? est? convertendo mais pessoas do que qualquer outra religi?o, apesar de suas pr?prias divis?es internas. A maioria das sociedades mu?ulmanas fica localizada em regi?es menos desenvolvidas, onde fam?lias grandes continuam sendo a regra. Todavia, ? improv?vel que o Isl? se torne a maior religi?o do mundo no futuro pr?ximo. Em 1970, um s?timo da popula??o da Terra era mu?ulmana; hoje os mu?ulmanos correspondem a um quinto.

Afluxo de novos fi?is

Por motivos demogr?ficos e culturais semelhantes, a propor??o global de hindus tamb?m cresceu, s? que mais lentamente – de 12,5% em 1970 para 13,3% em 2002. Desde os anos 60, correntes fundamentalistas cada vez mais agressivas despontaram no hindu?smo, dirigindo seu veneno acima de tudo contra a minoria mu?ulmana na ?ndia.

Apesar da expans?o destas outras religi?es mundiais, o cristianismo continua tendo o maior n?mero de seguidores no mundo. Pouco menos de um ter?o da popula??o mundial pertence ? Igreja Cat?lica ou outra denomina??o crist?. Mas o poder popular do cristianismo varia de continente a continente. Apesar do n?mero de crist?os declarados na Europa estar encolhendo constantemente, as fileiras de novos convertidos na ?frica est?o explodindo. Em 1900, havia cerca de 10 milh?es de crist?os na ?frica; hoje se estima que o n?mero seja de 390 milh?es, quase metade de toda a popula??o do continente.

Este avan?o da ?frica se deve principalmente aos mission?rios crist?os. Os protestantes pentecostais, que d?o uma ?nfase maior ao redespertar religioso e ? experi?ncia religiosa ext?tica -como falar l?nguas desconhecidas- do que na teologia, provaram ser particularmente bem-sucedidos. Na Cor?ia do Sul e na Am?rica Latina, os protestantes pentecostais tomaram muitos milh?es de fi?is da Igreja Cat?lica, especialmente no Brasil.

Na R?ssia e outras partes da antiga Uni?o Sovi?tica, o “revival” religioso provocou um enorme afluxo de novos fi?is ? Igreja Ortodoxa. Ap?s o colapso do comunismo -que prometia um “para?so na terra”- as religi?es mais tradicionais recuperaram seu apelo, em sintonia com a tend?ncia global. “Especialistas concordam que o grande aumento dos movimentos fundamentalistas isl?micos nas ?ltimas d?cadas foi em grande parte alimentado por pessoas que esperavam que o comunismo traria justi?a e igualdade”, segundo Peter Antes, um estudioso alem?o de religi?o.

Mas outros estudiosos discordam. A volta da f? tem menos a ver com esperan?as desiludidas de uma sociedade melhor e mais com perguntas n?o respondidas sobre o significado da exist?ncia humana: “A no??o de que a religi?o morreria provou ser uma ilus?o. A religi?o, como uma resposta ?s origens transcendentais da exist?ncia humana, ? um elemento central de toda cultura”, escreveram acad?micos na Igreja Luterana alem? em um recente relat?rio.

Mesmo na civiliza??o Ocidental, com seu foco na raz?o e no iluminismo, h? sinais de que a f? em Deus e o conhecimento terreno s?o eminentemente compat?veis:

*Muitos cientistas, incluindo importantes f?sicos internacionais como Hanspeter D?rr e Wolfgang Weidlich se declararam crentes.

*Em seu recente livro, “The Language of God” (a linguagem de Deus), o geneticista americano Francis Collins cita pesquisas que mostram que 40% dos cientistas americanos acreditam em Deus. Collins rejeita os ensinamentos pseudocient?ficos de fan?ticos crist?os como “intelligent design” (planejamento inteligente) ou “criacionismo”. Como o papa Bento 16, ele insiste que a teoria da evolu??o de Darwin n?o ? incompat?vel com a f? crist?.

*Desde o nascimento dos Estados Unidos, a religi?o tem exercido uma poderosa influ?ncia formativa no pa?s mais avan?ado cient?fica e tecnologicamente do mundo.

O termo “fundamentalismo” foi cunhado h? cerca de 100 anos para descrever um ramo do protestantismo americano – muito antes de ser aplicado a outras religi?es. Durante os ?ltimos 30 anos, o fundamentalismo da direita crist? tem atra?do segmentos de tamanho consider?vel da popula??o americana.

Mas a pergunta permanece: por que a religi?o est? declinando em grande parte da Europa Ocidental -aparentemente confirmando a tese de que a religi?o est? nas ?ltimas- enquanto est? ascendendo na principal na??o Ocidental, os Estados Unidos?

A religi?o sofreu um s?rio rev?s na Alemanha e na Fran?a, os maiores pa?ses da Europa Ocidental. Na Alemanha, as duas maiores igrejas -que recebem dinheiro do Estado arrecado de impostos sobre seus fi?is- apresentaram uma queda de mais de 5,5 milh?es de inscri?es desde 1990; os n?meros de novos fi?is s?o ainda menores.

A queda resultante de receita da Igreja levou a redu?es no n?mero de cl?rigos e redu?es nas atividades de caridade das igrejas. Algumas igrejas est?o sendo fechadas; outras s? conseguem financiar obras de reforma urgentes colocando propagandas em suas fachadas. Possivelmente o s?mbolo mais comovente desta eros?o da f?, este espet?culo ? considerado de mau gosto at? mesmo para pessoas que t?m pouco interesse na religi?o.

Alguns observadores acreditam que a religi?o n?o est? diminuindo; ela est? se transformando e se tornando mais individualista e menos eclesi?stica. O historiador franc?s Paul Veyne, por exemplo, fala de uma transi??o “de uma religi?o como um prato fixo a uma religi?o ? la carte, onde todos escolhem o deus ou seita que gostam mais”.

Roland Biewald, professor de teologia da Universidade T?cnica de Dresden, argumenta que a seculariza??o de fato explica as igrejas vazias na Alemanha, mas nota que a “religiosidade extra-eclesi?stica” est? crescendo ao mesmo tempo. Ele acrescenta que, por reconhecimento das pr?prias pessoas, quase tr?s quartos das pessoas que deixaram a igreja o fizeram para evitar pagar o imposto da igreja, com menos de uma em cinco citando motivos religiosos. Simultaneamente, argumenta Biewald, o aumento da ansiedade em rela??o ao futuro est? levando a um anseio renovado por salva??o: “Esta f? percebida ? independente das religi?es convencionais”.

Mas o que ? “f? percebida”? O conceito soa incomumente vago – e um pouco como assoviar no escuro. Os resultados de uma recente pesquisa TNS-Infratest para a “Der Spiegel” tamb?m foram inconclusivos. Apesar de 64% dos entrevistados terem respondido de forma afirmativa a pergunta “Voc? acredita em um deus?” (em compara??o com 50% em 1992), apenas 42% disseram acreditar em vida ap?s a morte, com 50% dizendo que n?o.

Ressurgimento religioso como resposta ao mundo atual

Dos dois ter?os de alem?es que n?o deram as costas formalmente ?s Igrejas Cat?lica e Protestante, a maioria ? indiferente ? vida religiosa e apenas freq?enta a missa no Natal, quando freq?entam. A especialista brit?nica em religi?o, Grace Davis, argumenta que tal indiferen?a ? t?pica da Europa Ocidental.

Uma religi?o que est? perdendo for?a n?o pode ser mais considerada um paradigma social vi?vel. A Europa, o ber?o do Iluminismo e da revolu??o industrial, h? muito tempo se acostumou a ver seu pr?prio desenvolvimento como um modelo para o restante do mundo.

J? no s?culo 19, os revolucion?rios socialistas e os liberais burgueses estavam unidos na sua convic??o de que uma sociedade civil automaticamente levaria ? seculariza??o. Por seculariza??o eles queriam dizer n?o apenas a separa??o constitucional da Igreja e do Estado, mas a extin??o da religi?o a longo prazo.

Entre importantes socialistas, esta expectativa se baseava na premissa de que a f? n?o era nada mais que uma forma primitiva de conhecimento. O economista alem?o do s?culo 19, Max Weber, resumindo isto de forma sucinta, disse que o mundo foi “desencantado” pela ci?ncia e tecnologia. Para ele, qualquer coisa que desafiava a raz?o na era pr?-moderna, e, portanto, fomentava id?ias m?sticas e religiosas, automaticamente se tornaria explic?vel com o tempo e com os avan?os da ci?ncia e a aplica??o das leis naturais. O poder dos deuses e padres gradualmente seria tomado por institui?es seculares. Segundo esta teoria, este processo de transforma??o global culminaria inevitavelmente no desaparecimento de toda a religi?o na Terra.

Afinal, a Revolu??o Francesa – que promoveu a ascens?o da classe m?dia na Europa – foi direcionada contra a alian?a antidemocr?tica entre a Igreja e o Estado. Al?m disso, a rejei??o inicial pelas igrejas crist?s da evolu??o darwinista, al?m de sua desconfian?a do Estado moderno, secular, alimentaram a ira dos racionalistas. Enquanto o protestantismo alem?o abra?ou o iluminismo e o modernismo no s?culo 19, a Igreja Cat?lica se manteve firme at? o s?culo seguinte, at? que as reformas do Conselho Vaticano Segundo (1962-1965). Atualmente, o casamento entre raz?o e f? ? central para o pensamento do te?logo alem?o Joseph Ratzinger, mais conhecido como papa Bento 16.

Europa como a exce??o

Mas foi h? menos de 40 anos que a Santa S? finalmente aboliu o “Juramento Contra o Modernismo” de 1910, que todos os padres cat?licos e professores de teologia eram obrigados a prestar. A separa??o da Igreja e do Estado s? se tornou a norma nos pa?ses europeus durante o s?culo 20.

Em 1968, Peter Berger, um especialista em religi?o de renome internacional, ousou fazer esta previs?o no “The New York Times”: “No s?culo 21, os fi?is religiosos ser?o provavelmente encontrados apenas em pequenas seitas, unidos na resist?ncia a uma cultura secular mundial”.

Hoje, as profecias apocal?pticas perderam seu apelo, assim como a velha teoria da seculariza??o, sendo substitu?das por um novo slogan: “o reencantamento do mundo”. Olhando para tr?s, Berger v? sua antiga posi??o como um grande erro – e agora fala com menos convic??o sobre a “desseculariza??o do mundo”. A forma especial de seculariza??o que apareceu na Europa, ele agora argumenta, n?o ? de forma alguma um modelo para o restante do mundo. ? sim uma exce??o. O restante do mundo permanece t?o religioso como antes – em alguns lugares mais do que nunca. Segundo Berger, isto vale n?o apenas para as tr?s religi?es monote?stas, mas tamb?m para o hindu?smo, budismo e xinto?smo.

Os movimentos isl?micos ao redor do mundo e a “nova direita crist?” nos Estados Unidos s?o os exemplos mais chamativos do renascimento da religi?o. E n?o ? coincid?ncia que tenham surgido e se disseminado simultaneamente durante os ?ltimos 30 anos.

O fundamentalismo religioso pode parecer sinistro e desconcertante para muitos observadores modernos, mas ? apenas um retorno aos tempos pr?-modernos. A globaliza??o est? despeda?ando e minando o mundo como o conhecemos, deixando as pessoas em um estado permanente de ansiedade. Este sentimento tem servido para energizar movimentos que prometem restaurar valores confi?veis e seguros. Desta forma, a globaliza??o e o fundamentalismo andam de m?os dadas. Em seu not?vel livro “The Return of Religion” (o retorno da religi?o), o soci?logo Martin Riesebrodt, da
Universidade de Chicago, define o fundamentalismo como uma forma moderna de resist?ncia a aspectos da modernidade. O romantismo, como uma contra-rea??o ao racionalismo do Iluminismo, teve uma influ?ncia semelhante na forma como nosso mundo se desenvolveu.

Crise social profunda

Segundo Riesebrodt, as tend?ncias fundamentalistas s?o movimentos de “revival” religioso que se ressentem com a sociedade atual. Eles alegam que a profunda crise social que diagnosticam s? pode ser superada por um retorno aos fundamentos da respectiva tradi??o religiosa.

Por exemplo, a Revolu??o Iraniana de 1979 s? teve sucesso porque o ditador do pa?s, o x? Mohammed Reza Pahlavi, mergulhou o Ir? em uma profunda crise social. O autocrata -um membro do jet set internacional- elaborou uma pol?tica seguindo linhas rigidamente seculares, citando o Ocidente como seu modelo. Nas rela?es exteriores, ele era um forte aliado dos Estados Unidos.

O regime entrou em colapso porque as classes m?dia e oper?ria culparam suas pol?ticas por suas dificuldades econ?micas e sociais. E ao se opor aos valores modernos e sociedades Ocidentais -particularmente os patrocinados pelos Estados Unidos- o aiatol? xiita Khomeini reuniu apoio em massa para suas causas fundamentalistas. Por anos, uma nova onda de fundamentalismo – o terrorismo global da Al Qaeda e de grupos de mentalidade semelhante – tem mantido o mundo sob tens?o. Osama Bin Laden e seus comparsas se tornaram o que s?o hoje ap?s serem armados pela CIA. Como fan?ticos combatentes da liberdade, eles ganharam a reputa??o de defensores destemidos da f? entre muitos mu?ulmanos – ao expulsarem os invasores sovi?ticos ate?stas do Afeganist?o. De l? para c?, os antigo protegidos da CIA redirecionaram sua f?ria e travaram uma guerra total contra os Estados Unidos e seus aliados.

Segundo um artigo do cientista pol?tico conservador Samuel Huntington, o mundo est? testemunhando uma Guerra de Civiliza?es entre as sociedades isl?mica e ocidental. O ponto de interroga??o que adornava seu t?tulo – quando foi publicado pela primeira vez na revista “Foreign Affairs” em 1993 – desapareceu na vers?o subseq?ente em livro. Apesar de na ?poca Huntington falar sobre um confronto cultural preenchendo o v?cuo de poder deixado no final da Guerra Fria, seu conceito foi seq?estrado para explicar os ataques terroristas de 2001 – para se tornar uma das id?ias mais influentes de nosso tempo. Mas Huntington, o criador da hip?tese “eles contra n?s”, se recusa a ver o 11 de Setembro em termos de choque de civiliza?es.

Os cr?ticos acusam Huntington de v?rios erros. Ele n?o faz distin??o entre a maioria mu?ulmana e a margem jihadista. Ele ignora completamente as enormes diferen?as entre pa?ses mu?ulmanos t?o distintos como Indon?sia e B?snia, Ar?bia Saudita e Turquia. Para Huntington, “Isl?” ? uma frente global unida, marchando em fileiras cerradas pelo passado, presente e futuro: “Enquanto o Isl? permanecer o Isl? (e permanecer?) e o Ocidente permanecer o Ocidente (o que ? mais duvidoso), este conflito fundamental entre duas grandes civiliza?es e modos de vida continuar? definindo suas rela?es no futuro, assim como as definiu nos ?ltimo quatorze s?culos”.

Mas conflitos entre mu?ulmanos sunitas e xiitas surgem freq?entemente (as duas seitas do Isl? est?o atualmente envolvidas na sangrenta guerra civil no Iraque). E na guerra Ir?-Iraque, dois Estados com maiorias xiitas enviaram centenas de milhares de mu?ulmanos para a morte. Hoje, a maioria das v?timas do terrorismo isl?mico tamb?m ? mu?ulmana.

Mas pode haver alguma verdade no cen?rio “eles contra n?s”, nas tens?es que ganham manchetes entre o mundo isl?mico e o secularismo ocidental. Pol?ticos e l?deres religiosos de todo mundo est?o alertando contra apresentar a segunda maior religi?o do mundo como a ant?tese ao Ocidente, como seu inimigo. Uma recente carta aberta, na qual importantes figuras isl?micas mundiais aceitaram o convite do papa Bento 16 para um di?logo, pode sinalizar o in?cio de um muito necess?rio interc?mbio de alto n?vel entre as duas religi?es globais.

Para muitos europeus, o fundamentalismo crist?o nos Estados Unidos ? quase t?o perturbador e estranho como o fanatismo isl?mico.

Segundo os fundamentalistas americanos, as pessoas n?o se tornam crist?s renascidas pelo batismo ou educa??o, mas por uma intensa experi?ncia de convers?o ou um chamado encontro pessoal com Deus, que as obriga a levar vidas segundo interpreta?es mais ou menos r?gidas da B?blia. O presidente George W. Bush e outros membros de seu governo se consideram crist?os renascidos neste sentido, e recebem conselhos de pastores evang?licos. Este ramo do cristianismo, com sua r?gida divis?o de mundo em bem e mal, influencia as pol?ticas da superpot?ncia global h? anos.

As hist?rias da religi?o na Am?rica e na Europa dificilmente poderiam ser mais diferentes. A na??o de imigrantes na qual os peregrinos tiveram tamanho papel definidor prometia liberdade da interfer?ncia do Estado aos refugiados religiosos e seitas de todo canto do globo. Os Estados Unidos eram seculares desde o in?cio no que se refere ? separa??o r?gida da Igreja e do Estado – mas nem tanto no sentido do relaxamento dos la?os religiosos. Diferente da Europa p?s-Reforma, as Igrejas Protestante e Cat?lica nunca garantiram monop?lios territoriais nos Estados Unidos. Isto permitiu que um grande n?mero de seitas e suas subdivis?es se desenvolvessem lada a lado dentro da sociedade.

A batalha do Armageddon

Apesar de uma minoria de crist?os literalistas ter se mobilizado contra a teoria da evolu??o de Darwin no in?cio do s?culo 20, a maioria dos americanos nunca questionou a compatibilidade entre ci?ncia e religi?o. Em conseq??ncia, o secularismo do Estado e o pluralismo religioso puderam florescer sem serem contestados.

Telespectadores de todo mundo viram os dois exibirem compatibilidade em escala global ap?s os ataques de 11 de Setembro: representantes de todas as religi?es do mundo unidos como iguais no servi?o memorial em Nova York. Mas a coexist?ncia pac?fica do secularismo e pluralismo agora est? amea?ada pela dram?tica ascens?o do fundamentalismo crist?o. Em seu livro “The Last Crusade” (a ?ltima cruzada), a jornalista americana e autora Barbara Victor apresenta resultados demogr?ficos persuasivos: cerca de 60% dos americanos dizem que a religi?o tem “um papel muito importante” em suas vidas – bem mais do que em qualquer outro pa?s industrializado; 86% se dizem crist?os. Os crist?os renascidos formam o maior grupo entre os crist?os protestantes predominantes no pa?s, e correspondiam a um entre cinco dos mais de 120 milh?es de eleitores na elei??o presidencial de 2004. Segundo a pesquisa citada por Victor, 58,7% dos crist?os renascidos est?o convencidos de que o mundo acabar? na batalha do Armageddon entre Jesus e Sat?, enquanto 40,9% querem uma emenda constitucional declarando os Estados Unidos uma “na??o crist?”.

A autora aponta para o est?mulo m?tuo de fundamentalismos concorrentes. Acima de tudo, a profunda sensa??o de inseguran?a provocada por dois eventos contribuiu para uma mudan?a na estrutura interna dos Estados Unidos e um renascimento religioso durante os ?ltimos 30 anos: a crise americana dos ref?ns em Teer?, em 1979, e os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001.

Rigidamente falando, “evang?licos” e “fundamentalistas” crist?os n?o s?o id?nticos, porque a experi?ncia de convers?o ? central para o primeiro grupo e o segundo ? um subgrupo que enfatiza dogmas fundamentais. Mas em quest?es pol?ticas e sociais, ambos costumam expressar posi?es fundamentalistas semelhantes.

Isto pode at? mesmo coloc?-los em conflito com a pol?tica conservadora do governo, como mostrado no in?cio de 2006, em uma campanha de muitos importantes evang?licos contr?rios ?s pol?ticas ambientais do governo Bush. As posi?es adotadas pelos fundamentalistas religiosos n?o desafiam automaticamente a raz?o secular – e podem servir a um prop?sito. O papel social da religi?o nos Estados Unidos vai muito al?m de suas atuais manifesta?es pol?ticas.

“A esperan?a perdida da ressurrei??o deixou um v?cuo palp?vel”

Ao lado do universo conservador-nacionalista dos fundamentalistas, h? o movimento crist?o liberal-universalista que ap?ia a tradi??o de direitos civis associada a Martin Luther King. Manifestantes de ambos os lados da divis?o pol?tica -seja sobre guerra no Iraque, George W. Bush e pena de morte- podem citar suas cren?as crist?s como justificativa. Assim, o risco de fan?ticos pol?ticos monopolizarem a religi?o nos Estados Unidos ? remoto.

Assim, o decl?nio da f? na Europa Ocidental ? uma exce??o em um mundo globalizado onde formas diversas de religi?o det?m tamanho poder? Muitos observadores argumentam o oposto, sugerindo que o “renascimento da religi?o” ? palp?vel mesmo na Alemanha. A resposta emocional ? morte do papa Jo?o Paulo 2? e o entusiasmo com que seu sucessor foi recebido na Jornada Mundial da Juventude, em Col?nia, s?o freq?entemente citados como evid?ncia. Mas ambos podem ter menos a ver com uma onda de fervor religioso e mais com o desejo banal de fazer parte de um evento hist?rico.

O bispo Wolfgang Huber, presidente do Conselho da Igreja Luterana na Alemanha, tamb?m pode ter sido v?timas de uma expectativa otimista quando argumentou neste ano que “n?o h? nenhuma ?rea na sociedade ou nas artes” na Alemanha onde “sinais de 'revival' religioso n?o estejam em evid?ncia”. Para apoiar sua afirma??o, Huber citou os elementos religiosos em novos livros, pe?as, filmes e programas de TV, e as palavras do novo presidente alem?o, Horst K?hler, que fez refer?ncia ? religi?o (“Deus proteja nosso pa?s!”) em seu primeiro discurso p?blico. Tais evid?ncias fracas dificilmente sustentariam as alega?es de ressurgimento da religi?o na Alemanha.

Mas tamb?m n?o h? evid?ncia convincente para apoiar o contr?rio, a posi??o tradicionalmente secularista que “n?s ocidentais j? habitamos em um mundo p?s-religioso” – uma conclus?o a qual chegou o fil?sofo alem?o Herbert Schn?delbach no jornal alem?o “Die Zeit” no in?cio deste ano.

Mas deve haver uma forma diferente de olhar para isto. Poucas semanas ap?s 11 de Setembro, J?rgen Habermas, o mais famoso pensador liberal da Alemanha e principal defensor da raz?o no cen?rio internacional, aproveitou a oportunidade para falar sobre secularismo e religi?o quando aceitou o Book Retailers Peace Prize alem?o. Ele descreveu a tens?o entre os poderes g?meos como um profundo conflito “entre as for?as produtivas liberadas pelo capitalismo” e as “for?as estabilizadoras da religi?o e da Igreja”.

Ambos os lados do debate cometeram o mesmo erro de ver a seculariza??o como “uma esp?cie de jogo de soma zero”, segundo Habermas, no qual “um lado s? pode vencer ?s custas do outro”. Na verdade, foi sintom?tico de nossa sociedade “p?s-secular”, continuou, que as comunidades religiosas pudessem florescer “em um ambiente progressivamente secularizado”.

Esta observa??o n?o ? t?o original quanto o termo “p?s-secular” parece sugerir. Por muitos s?culos, as religi?es existiram em ambientes cada vez mais seculares. ? Habermas e sua nova linha de pensamento que s?o “p?s-seculares”, n?o as sociedades em si.

Habermas aderiu ? religi?o? N?o, ele agora v? sua morte com certo arrependimento: “Quando pecado se tornou culpa e a viola??o dos mandamentos de Deus uma viola??o das leis humanas, a humanidade perdeu algo… A esperan?a perdida da ressurrei??o deixou um v?cuo palp?vel”.

Afinidades surpreendentes entre raz?o e religi?o tamb?m vieram ? tona entre Habermas, o fil?sofo da raz?o, e o cardeal Joseph Ratzinger, no debate entre eles, no Di?logo de Munique de 2004. O atual papa Bento 16 reconheceu que a religi?o precisava ser colocada sob a “tutela da raz?o” sempre que ajudasse a legitimar o terrorismo. O secular Habermas, por outro lado, enfatizou a for?a social e moral das comunidades religiosas como locais onde algo ainda pode ser preservado, mesmo que tenha “se perdido em outras partes: uma sensibilidade em rela??o a vidas desperdi?adas, patologias sociais e estrat?gias de vida fracassadas”.

Haberman pede por um jogo de soma positiva, onde os mundos religioso e secular aprendem um com o outro a beneficiar a humanidade. Na ?poca incerta da globaliza??o, esta reconcilia??o pode ser a ?nica esperan?a de coexist?ncia pac?fica. Uma coisa ? certa: por mais estranhos parceiros que sejam, f?, raz?o e d?vida ter?o que tolerar uns aos outros ainda por muito tempo.

Tradu??o: George El Khouri Andolfato


 

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