
Das profundezas
Pr.Jos? do Carmo da Silva
Pesadelo…
Ouve se os gritos, prantos, desespero,
L?grimas, pela face de ?bano a rolar.
O tumbeiro se afasta da costa, singrando o alto-mar.
Deixo para tr?s, cl?, tradi??o,
em troca receberei a?oites e humilha??o.
N?o escolhi partir, estou sendo seq?estrado.
Vejo ao meu lado minha mulher e filhos,
todos como eu tamb?m acorrentados.
No f?tido ventre da morte, me bate um desespero,
a cada dia morre mais um irm?o guerreiro.
Elevo ao Grande Esp?rito, em sil?ncio uma ora??o.
Pedindo a Ele a merc? de morrer com meus irm?os.
Por?m, ao meu pedido o Criador disse n?o.
Depois de meses no mar, o tumbeiro um porto atingiu,
chegamos finalmente a um Pa?s por nome Brasil
Do ventre da morte, os sobreviventes s?o tirados.
Fam?lias separadas, destinos ignorados.
Rompem-se, com isso la?os, sonhos, tradi??o.
Vendidos como pe?as, cada um foi para um lado,
trabalhos na cana, nas minas, no caf?,
nosso sangue e suor mant?m este pa?s em p?.
Castigo, humilha??o constante, vivendo das sobras,
Contra tantas injusti?a resolvo me rebelar,
prefiro morrer tentando ser livre,
do que passivamente aceitar.
Num anseio por liberdade, me embrenho na densa mata,
Por?m, fraco, ferido e faminto, logo sou por c?es acossado.
E noite de lua cheia, uma roda se forma ent?o.
N?o ? de festa de cantiga, mas sim de puni??o.
Assim como vim ao mundo, ao tronco sou atado.
Com a diferen?a que nasci livre, e hoje estou escravizado.
A senten?a ou?o do patr?o, que avisa a quem ousar tentar,
fugir sonhando ser livre, qual pre?o ira pagar.
Preso ao pelourinho, em meio ao banzo, e ?s tristes can?es,
o chicote do feitor dilacera meu corpo. Deixando macera?es.
A cada toque na pele, rouba-me o sangue, arrancando do meu peito um grito.
Por?m, prenderam-me o corpo, mas livre est? meu esp?rito.
Encontro-me na fronteira entre a vida e a morte.
Em meio ao del?rio e dores lancinantes, contemplo entre meus antepassados,
Esposa e filhos, que no mar morrer?m primeiro,
ela, que no ventre dos filhos trazia o terceiro.
O do meio, e o mais velho, do meu trono na ?frica herdeiro.
Por?m, a insana escravid?o veio seu destino mudar, pois,
no trono de meus ancestrais, jamais ir? sentar.
Vitimas do ignominioso tr?fico de vidas humanas,
destinados ao Brasil, escravos na cultura de caf? e cana.
Pereceram diante da viol?ncia, e cruenta humilha??o.
no ventre do maldito e sombrio tumbeiro.
Que transportando gente rendia aos brancos muito dinheiro.
Perdi mulher e filhos, e tamb?m bravos guerreiros.
Pois, a dureza da travessia n?o puderam suportar.
Como l?pide para seus corpos, serviram as profundezas do mar.
Por?m, apesar da saudade ser grande, esse reencontro, decido adiar.
Pois, por mais que a vida seja dura, em nome dos vivos preciso lutar.
? que o sonho de ser livre acalenta minha alma,
por isso essa fronteira me recuso por hora atravessar.
Trinta e oito…
Trinta e nove… chega, grita o patr?o.
Que isso sirva de alerta, pra todo negro fuj?o.
Deixe o passar a noite, preso ao relento,
que o frio da madrugada seja ung?ento para seus ferimentos.
A noite de luar, me traz nostalgia e indaga?es
A?oites, humilha?es, saudade do lar…
Criador, o que fiz eu? Porque tantas humilha?es?
Da liberdade para o tumbeiro,
Do tumbeiro para a senzala,
Da senzala para o pelourinho,
Perdi p?tria, dignidade e fam?lia.
Trabalho dia e noite, para um povo que s? me humilha.
Por causa da cor da pele, sou como animal tratado.
Responda-me Senhor qual foi o meu pecado?
Dizem, que vim do continente maldito, e sem alma fui criado,
o crist?o explica que sou, um infeliz descendente de c?o,
criado para ser dominado, para se cumprir a maldi??o.
Outro branco letrado, amigo da sabedoria,
explica da mesma forma essa cruel vilania.
Sou de ra?a inferior, diz o s?bio pensador,
E que tal ordem estabelecida, ningu?m pode questionar,
pois, alguns nasceram dominados, e outros para dominar.
O batismo dos civilizados, me impuseram ent?o, contudo
n?o consigo entender tal religi?o,
que permite que um homem tenha como propriedade seu irm?o.
Pois mesmo sendo batizado, assim como meu sinh?, tamb?m ?,
sacramento que nos fez irm?os, seguidores da mesma f?.
Oramos ao mesmo Deus, somos filhos do mesmo Pai.
Para ele ficou as b?n??os, para mim gemidos, dores e ais.
Mesmo sem saber orar, pergunto ao Deus do c?u.
Que pecado cometi eu, para merecer destino t?o amargo como fel.
Uma voz no meu interior, me diz, filho, o pecado n?o ? teu n?o.
E sim daqueles, que deveriam em meu nome pregar o amor
Mas, se perdendo e em seus v?os racioc?nios, semearam
segrega??o, intoler?ncia e dor, e em nome do materialismo,
Trocaram a verdade pela mentira, da vida julgaram-se senhores.
Distorceram minha Palavra, e numa ignom?nia tal
Escravizaram seus semelhantes, como se de mim tivessem aval.
Em nome do dinheiro e poder,
a seres humanos escravizam, matam e deixam ? m?ngua morrer.
Baseados na clareza de sua pele, se declarando superiores, s?bios e forte,
impondo aos que julgam inferiores, dores, humilha??o e morte.
Por?m, saiba que sou contigo, n?o te abandonei ? pr?pria sorte
O povo negro ainda se levantar? como gigantes nessa na??o.
Por?m, n?o ser? sem luta, l?grimas e trai??o.
Por Mim mesmo juro Eu, que zelo pela justi?a e o direito, para que se cumpra
Eu, de cuja boca n?o procede palavras infrut?feras e vazia
que toda injusti?a praticada, desde quando da ?frica, fostes arrancados.
Bem como o sangue de todo negro injustamente derramado nos canaviais,
minas, casas grandes, pelourinhos eitos e cafezais, somados ao pranto e gemidos de dor,
Arrancados pelo chicote do senhor e do feitor,
Subiram at? minha presen?a, trazendo o mesmo clamor por justi?a
de quando o sangue de Abel minha testemunha no inicio foi derramado.
Real liberta??o
Pr. Jos? do Carmo da Silva
O Sonho de ser novamente, livre como na ?frica nasci,
acalenta-me a esperan?a, me levando a resistir.
As revoltas, a capoeira, as fugas, os quilombos,
Zumbi e o sonho de Palmares.
Depois de muitas lutas, sangue dos dois lados derramados
Cotegipe, sexagen?rio, ventre livre,
lutas de brancos e negros abolicionistas.
Por interesse da Coroa inglesa, por gesto final de uma princesa,
uma assinatura parecia fim ao pesadelo ter colocado.
Por?m, infelizmente foi uma decep??o.
Pois, n?o existe plena liberdade, sem justi?a e repara??o.
118 anos se vai, desde a pseudo liberta??o.
Olhando ao derredor, ? f?cil a triste constata??o,
que o sol da liberdade n?o raiou por inteiro,
no horizonte, ainda sofrido do afro-brasileiro.
Cessaram-se os castigos, mas, permanece a humilha??o,
pois, do trabalho exercido o negro, n?o recebeu seu quinh?o.
O preconceito racial, aliado ao estigma da escravid?o,
fizeram-nos p?rias, invis?veis nessa na??o.
Na qual depois que fizemos o bolo, com nossas l?grimas, suor e sangue misturados.
N?o nos vem ? justa fatia nas m?os
Simplesmente fomos a pr?pria sorte abandonados.
Das senzalas para as favelas..
Vivendo de subemprego, na luta pelo p?o,
variando entre pedreiro, e catador de papel?o.
Porteiro de hotel, ou vigia da mans?o.
Cortador de cana, carvoeiro, b?ia fria.
Dom?stica, cozinheira, arrumadeira, passadeira
As mesmas fun?es que na casa grande exercia.
A ?nica diferen?a, tendo como paga uma ninharia,
inferior ao ganho dos brancos, pela mesma fun??o e n?mero de dias.
A acess?o poder? ser f?cil, se o negro tiver algum talento,
nos campos de futebol, ou na ind?stria do entretenimento.
Medidas paliativas, que n?o curam de todo o mal,
pois, somente o acesso ? universidade,
por? fim a esse fosso social.
Algumas coisas tem mudado.
Isso n?o podemos negar.
Por?m, ? muito pouco, n?o podemos nos calar.
Pois, o sol nasceu para todos, e dele queremos desfrutar.
Assim como a sombra digna de uma casa para morar.
Ensino fundamental de qualidade,
Ensino m?dio e faculdade
Emprego, justi?a, plena cidadania.
Dignidade e respeito, seja no centro ou na periferia
Ao ler essas estrofes, desta triste mais verdadeira poesia,
voc? pode me dizer que o supracitado ? sonho, quimera, utopia
Que por isso tudo anela o branco, e n?o tem no seu dia a dia.
Que, quem pensa ser o negro? E porque isso teria?
Tendenciosa ou honestamente, podes tu ainda argumentar.
Que negros s?o discriminados, por serem pobres e n?o pela cor.
Que o negro n?o e discriminado, mas sim discriminador.
Eu respondo sem titubeio, que s?o pelas duas condi?es.
Pois pobreza nesse Pa?s tem cor, e s? prestar aten??o.
A cada dez pobres, seis s?o negros meu irm?o.
Quanto ao sonho, em parte vou de voc? discordar,
Pois, a vida perde o sentido, quando se deixa de sonhar.
Creio que nossos sonhos s?o na verdade,
reflexos de direitos a n?s negados no passado.
Manifestando-se no presente, com for?a para mudar nosso futuro.
Por?m, os sonhos n?o se realizam na vida de quem fica sobre o muro.
E quando n?s negros voltamos ao passado, dando livre curso ao subconsciente.
De l?, ent?o os sonhos afloram, renovando a esperan?a da gente.
Por?m, os olhos da realidade jamais podemos tirar,
para n?o sermos alienados, conv?m uma coisa lembrar.
Que se o sonho, se sonhar s?, simplesmente ser? sonhar,
mas, se o sonho, que se sonha, for sonhado em grupo,
E tal grupo de oprimido nele realmente acreditar,
A ponto de por ele se sacrificar, sofrer persegui?es e em Deus for?a buscar.
? sonho que ningu?m nesse mundo impedir? de se concretizar
H? 118 anos, o povo negro tem sonhado com uma justa participa??o,
em todas as ?reas importantes dessa na??o.
?, preciso sonhar o sonho, que Luther King sonhou,
e pelo qual Zumbi dos Palmares, e outros negros e brancos lutou.
? urgente abrir a boca, e a falsa democracia racial denunciar,
pois, para que a injusti?a se perpetue, basta o oprimido se calar.
E o silencio nasce, quando a esperan?a morre, e se deixa de sonhar.
Irm?os negros levantemos a cabe?a, e reescrevamos nossa hist?ria
Usando como tintas, o di?logo, a f? e a raz?o.
Pois, somente assim brilhar? do Sol a clara luz
Trazendo a vida plena a todas as etnias, pelas quais morreu Jesus.
E aos brados de Vassum Crisso, Vassum Crisso, a justi?a e a paz se abra?ar?o.
Pr. Jos? do Carmo da Silva (Z? do Egito)
Igreja Metodista em F?tima do Sul – MS.