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Magali Cunha Foto: O Globo

Que a paz e a justiça se beijem!

Vidas inocentes se perdem por conta de políticas injustas tanto na esquina quanto em guerras longínquas

PAZ. Palavra que ecoa de falas, textos, poemas, canções, especialmente no último mês, quando terríveis imagens da guerra na Palestina passaram a fazer parte do nosso cotidiano. O clamor por PAZ não é apenas relacionado a esta e a outras guerras em curso hoje. Ele está presente nas “guerras” vividas nas grandes cidades brasileiras, que envolvem infratores de toda ordem, a polícia e suas ações violentas e gente vitimada por ambos. O clamor por paz está também no campo desse grande Brasil, nas disputas por terra, entre quem trabalha nela para viver e grandes proprietários e seus pistoleiros.

Paz... é grande o clamor em terras longínquas e na próxima esquina. A Bíblia cristã, cujos textos foram redigidos nessa mesma região que agora sofre com o conflito e que já sofreu com tantos outros, ressalta o apelo por paz. Exalta o shalom que procede do Deus da Vida. Não a paz que se sente, mas a paz que se vive, em todas as relações: familiares, do trabalho, políticas, religiosas, ecológicas. Um dos anúncios da chegada do Messias fala dele como “Príncipe da Paz”, que torna possível que as armas e as “botas sujas de sangue sejam queimadas” (livro de Isaías). O nascimento de Jesus de Nazaré é um anúncio de paz na terra entre todas as pessoas de boa vontade (livro de Lucas).

Imagens fantásticas! Mas há outra magnífica imagem nos escritos bíblicos, com um ensino que não podemos desprezar. É uma das sentenças mais belas e vem do Salmo 85: “A justiça e a paz se beijam”. O poeta faz uma afirmação significativa: justiça e paz são unidas por um laço. Só há justiça quando há paz e vice-versa. Do contrário, se vive uma falsa paz e justiça. Reavivando esta afirmação de fé está o trabalho do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), associação de 350 igrejas cristãs, evangélicas e ortodoxas, tendo a Igreja Católica Romana como observadora. Criado em 1948, o CMI é uma das mais significativas expressões do movimento ecumênico mundial em ações concretas nos campos da unidade cristã, da promoção da vida e do diálogo entre as religiões.

Além disso, lidera esforços de paz com justiça, de busca dos direitos humanos e da sustentabilidade da vida. A 10ª Assembleia do CMI (Coreia do Sul, no final de 2013), lançou um convite aos cristãos de todo o mundo: unirem-se numa peregrinação de justiça e paz. Ele foi assumido pelo próprio organismo em sua reunião de planejamento de ações para os próximos sete anos, realizada em julho passado.

O convite para peregrinação tem uma mensagem importante: as igrejas são peregrinas neste mundo, a caminho, como diz a Bíblia, de “um novo céu e uma nova terra” (livro de Apocalipse). Vivem e trabalham pela causa. Por isso deve ser uma peregrinação “de” e não “por” justiça e paz. Não mais uma forma de ativismo cristão e sim um compromisso com o Deus do “Shalom”. Uma jornada “de” justiça e paz que as igrejas mesmas devem testemunhar, dentro delas e entre elas, contagiando o mundo.

Isso nos faz enxergar, com perplexidade, a frequência de pregações e canções na boca dos nossos líderes religiosos. Estimulam guerras, discriminações, “batalhas espirituais”, ações violentas contra “pecadores” e “impuros”, “dominados por Satanás”. Ao invés de testemunhas da paz, tornam-se juízes promotores de intolerância e agressões verbais e físicas. E quando se fala de paz, enfatiza-se uma paz individual, intimista, meritória.

É por isso que neste tempo em que vidas inocentes perecem por políticas injustas, seja em terras longínquas ou na esquina, vale a pena juntarmo-nos à peregrinação de justiça e paz. Vale a pena que comunidades e líderes religiosos convertam discursos falados e cantados em palavras e ações que tornem possível que a justiça e a paz se beijem.

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