Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

concilio luterano reafirma ecumenismo

Samuel Kobia, secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas, acompanhou o Concílio e deu entrevista na qual fala sobre ecumenismo

Edelberto Behs, PORTO ALEGRE, Brasil, Outubro 13, 2006

A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) tem um claro compromisso ecumênico. Missão não pode ser entendido, pois, como sinônimo de anticatolicismo ou de antipentecostalismo. "Nosso desafio consiste em fortalecer e encontrar novas maneiras de diálogo ecumênico e cooperação entre as igrejas e expressões religiosas", enfatizou o pastor presidente da IECLB, Walter Altmann.

Esse compromisso está registrado no relatório que Altmann apresentou ao 25. Concílio Geral da IECLB, reunido de 12 a 15 de outubro, em Panambi, cidade localizada a 380 Km ao noroeste da capital. O evento reúne nas dependências do Colégio Evangélico Panambi 95 delegados e delegadas dos 18 Sínodos e 21 convidados, observadores e parceiros de igrejas do Brasil e do exterior.

Existem no país inúmeras pessoas que andam sem rumo, sem fé ou que perderam a fé, "às quais devemos prestar contas da nossa esperança", disse Altmann. A pregação da IECLB não é contra nenhuma outra igreja, "mesmo que tenhamos com elas maiores ou menores divergências doutrinárias, mas é positiva, a favor de Jesus Cristo", enfatizou o pastor presidente, que também é o moderador do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).

No relatório, Altmann reportou-se ao Fórum de Missão reunido pela IECLB em Florianópolis, em julho. O Fórum concluiu que a igreja cristã é essencialmente missionária, mas que falta uma cultura de planejamento na igreja e coragem, em muitos Sínodos, de ousar novos caminhos. Ainda assim, a IECLB está presente em 67 dos 125 centros urbanos brasileiros que somam mais de 200 mil habitantes.

O pastor presidente assinala, bem por isso, que o rosto da IECLB está em transição. Ela vive a dupla realidade da perda de membros e do desafio de acolher os novos rostos, frutos da missão. "Por isso, ela não pode mais restringir sua atuação ao acompanhamento de membros, mas deve incorporar a dimensão missionária em todos os seus níveis, buscando alcançar pessoas para além das fronteiras geográficas, culturais e étnicas".

Afinado com esse compromisso missionário, o pastor Paulo Afonso Butzke desafiou a IECLB, ao apresentar o tema principal do Concílio, hoje de manhã, a "lançar as redes em águas mais profundas". Ele destacou que a missão não é da igreja, e que a Igreja é uma função da missão de Deus. "Somos apenas instrumentos", apontou.

Num olhar sobre as perspectivas para o futuro da igreja, Butzke mencionou três desafios para a IECLB: o desafio da sustentabilidade, o desafio do crescimento quantitativo e qualitativo, e o desafio da identidade.

O palestrante enfatizou que o tema da sustentabilidade não se esgota numa estratégia de captação de recursos, mas deve estar embasada numa consistente concepção de desenvolvimento de igreja que contemple o testemunho do evangelho (martyria), a comunhão (koinonia), o serviço ao próximo e à sociedade (diakonia) e o louvor e a celebração (a leitourgia).

Se o tema da sustentabilidade nas congregações for canalizado apenas para o equilíbrio orçamentário "ele terá resultados frustrantes", alertou Butzke. O teólogo recomendou à igreja que desenvolva sensibilidade para as necessidades e dores da sociedade, de vir ao encontro do próximo que se encontra em situação de sofrimento psíquico, espiritual, físico e
econômico.

Butzke destacou que em nenhum outro campo a IECLB desenvolveu-se tanto nos últimos anos do que na renovação litúrgica. Admitiu, contudo, que ainda cabe avançar "na compreensão e melhor elaboração dos elementos antropológicos do culto para que, de fato, se torne acontecimento dialogal e proporcione experiência de comunhão".

Para Butzke, o desafio maior da IECLB é o de ouvir a ordem de Jesus - lancem as redes em águas mais profundas (segundo Lucas 5, 1-6). "Se o barco chamado IECLB se tornar disponível para a missão de Deus, então poderemos contar com a sua fidelidade, e, onde e quando aprouver a Deus, experimentar o milagre das redes repletas de suas bênçãos".

O secretário-geral do CMI, pastor metodista Samuel Kobia (leia entrevista abaixo), veio a Panambi a convite da IECLB, para acompanhar o Concílio e dar continuidade ao momento que a IX Assembléia do organismo ecumênico reunido em fevereiro, em Porto Alegre, inaugurou. O bispo dom Sinésio Bohn, da cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul, representa a Igreja Católica no Concílio.

Também estão em Panambi representantes das igrejas Evangélica Luterana dos Estados Unidos, Evangélica do Rio da Prata, Evangélica Luterana da Baviera, Evangélica da Alemanha, da Noruega, Metodista do Brasil, Presbiteriana Unida, da Coordenadoria Ecumênica de Serviço, da Sociedade Bíblica do Brasil e da Sociedade Missionária Norueguesa.

Fonte:ALC Notícias

Movimento ecumênico precisa ouvir as vozes do Sul

Entrevista: Edelberto Behs, PORTO ALEGRE, Brasil, Outubro 17, 2006

De passagem rápida pelo Brasil, a convite da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (IECLB), o secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Samuel Kobia, defende mudanças corajosas no movimento ecumênico, chamando para o centro da agenda atores que começam a alçar voz, como mulheres, jovens, pessoas portadoras de deficiência, indígenas.

 

"Eu acredito fortemente que chegou a hora para uma nova época do ecumenismo no mundo", disse Kobia em entrevista à ALC. O ecumenismo do século XXI tem que aceitar que a situação mudou, declarou. "Por isso precisamos outras maneiras de nos organizar, incluindo a configuração do movimento ecumênico, no qual a espiritualidade ocupe um lugar mais central", agregou.

 

O movimento ecumênico, preconizou, precisa ouvir as vozes que vêm do Sul. Kobia defendeu um ecumenismo espiritual voltado aos jovens, no qual possam encontrar sentido para a vida, e quer que o CMI possibilite a corais de crianças latino-americanas se apresentarem em outras regiões do mundo para entoarem canções de paz e trazer mensagens de superação da violência.

 

Kobia esteve em Panambi, cidade gaúcha a 380 km a noroeste de Porto Alegre, onde a IECLB reuniu seu Concílio, de 12 a 15 de outubro. De fala mansa e pausada, vestindo um terno escuro, apesar do calor, o secretário-geral apontou, na entrevista, pequenos avanços na relação do CMI com o Vaticano e lamentou a decisão da Igreja Metodista brasileira de desvincular-se de organismos que tenham a presença da Igreja Católica.

 

Leia, abaixo, a entrevista de Kobia à ALC na íntegra.

 

  

 

ALC - Qual o motivo da sua visita pouco mais de meio ano após a realização da IX Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas, em Porto Alegre?

 

Samuel Kobia - A minha visita a esta região está limitada, desta vez, ao Brasil. Eu vim aqui para reagir ao convite da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) para participar e ter a oportunidade de refletir também um pouco no seu Concílio Geral. Por isso não vou visitar outras igrejas na América Latina e no Brasil. Normalmente, depois de uma Assembléia Geral do CMI nós tentamos construir e reforçar os contatos que fizemos ao longo do processo de preparação da Assembléia e durante a própria Assembléia.

 

A IECLB realiza o seu Concílio Geral no mesmo ano em que tivemos a Assembléia do CMI e por isso decidi que esta seria uma oportunidade que eu gostaria de aproveitar para dar continuidade ao momentum que a Assembléia inaugurou.

 

Também sublinho o fato de que o final da Assembléia que aconteceu no Brasil não é, na verdade, o final do nosso interesse pela vida das igrejas no Brasil. Espero que no próximo ano, ou nos próximos dois anos, eu possa vir mais uma vez à América Latina e desta vez visitar algumas igrejas a mais, com o propósito de fortalecer a relação com elas.

 

 

ALC - Terminada a IX Assembléia e reunido o Comitê Central, em setembro, agora estão definidas as linhas principais que o CMI deverá seguir nos próximos anos. Quais são os desafios que organismo ecumênico tem pela frente?

 

Samuel Kobia - Um desafio principal já identificamos a caminho de preparação da Assembléia. Foi afirmado com muita contundência pela Assembléia, e foi reiterado na primeira reunião do Comitê Central, que o movimento ecumênico está desafiado a redefinir o seu papel na sociedade hoje em dia. Vivemos num mundo onde vemos a multiplicidade da proliferação de muitas organizações que estão envolvidas nas mesmas questões com os quais o movimento ecumênico lida. O ponto então é: Qual a especificidade do movimento ecumênico? O que é que nós podemos trazer ao debate e qual a reação aos desafios, de forma que os outros já não o estejam fazendo. Esse é o maior desafio do movimento ecumênico.

 

Relacionado a isso está um segundo desafio, que é o encorajamento interno do movimento ecumênico. O CMI, como a mais abrangente e contundente expressão do movimento ecumênico, é conformada por denominações ou órgãos confessionais. Mas agora estamos percebendo uma fraqueza nas denominações, porque muitas igrejas-membro estão tendo o seu número de membros diminuído e também estão perdendo influência na sociedade. Ao mesmo tempo em que há um declínio no número de denominações, constata-se um crescimento contundente das comunidades não-denominacionais. Esse processo enfraqueceu as denominações que constituíam a membresia do CMI. Então, o nosso desafio é o de acompanhar as igrejas-membro no entendimento do que é que elas têm que fazer para identificar os aspectos para que isso mude.

 

O terceiro desafio para o movimento ecumênico, e relacionado a tudo isso, é o auto-entendimento num mundo plural e multireligioso. Em toda essa dinâmica o Comitê Central tentou nos aconselhar a como organizar os nossos programas, de forma que a gente consiga responder a esses desafios. Por isso existe, por exemplo, uma ênfase forte na formação ecumênica, assim como na formação de fé, porque particularmente a geração mais nova tem pouco entendimento dos elementos básicos da fé cristã. A geração mais nova do movimento ecumênico perdeu o jeito de se fazer formação ecumênica. O tipo de espaço que era oferecido pelo movimento de cristãos jovens hoje não é tão forte como era nos anos 50 e nos anos 60 do século passado. É por isso que há uma grande necessidade de formação ecumênica, porque estamos à procura de unidade na igreja. A maneira como abordamos o tema da missão e a espiritualidade constituem uma área muito importante dos nossos programas.

 

E, finalmente, a maneira como lidamos com as questões de diaconia e desenvolvimento, justiça e paz, porque esses elementos constituem uma grande área de trabalho do CMI. Essa é uma tentativa de descobrir e entender a voz do CMI para o mundo de hoje. Temos que reforçar as nossas vozes em nível local, mas também em nível global. Esses são, diria, alguns dos desafios básicos que encaramos hoje.

 

 

ALC - Qual a contribuição efetiva das igrejas da América Latina para a caminhada do CMI? O fato da IX Assembléia ter se reunido em Porto Alegre teve algum reflexo?

 

Samuel Kobia - Existem dois desenvolvimentos no mundo hoje, nos quais posso vislumbrar que o CMI tenha influência ou tenha sido influenciado pelo fato da Assembléia ocorrer na América Latina. Na comunidade global, mas também no centro da Europa e no Leste europeu, estamos passando por um período de transição, de um período de ditaduras militares para um mecanismo democrático de governo. Eu sinto que a América Latina contribuiu muito mostrando como lidar com essa mudança sócio-política.

 

Quando olhamos para situações como a do Brasil ou da Argentina, do Chile, mas também mais recentemente da Bolívia, podemos aprender muito como uma boa administração dessas transições podem ser modelo de se lidar com grandes mudanças. Existem muitas pessoas na África, na Ásia e na Europa Central, que, acredito, podem aprender com esse modelo. Por isso estou confiante que o CMI possa comunicar a experiência da América Latina de como lidar com grandes transições.

 

A segunda contribuição está relacionada ao crescimento do pentecostalismo e o movimento carismático. A América Latina é uma região onde o pentecostalismo tornou-se muito forte na metade do século passado. Como nos relacionamos com os pentecostais? Como envolvemos os pentecostais no movimento ecumênico? Por isso, podemos aprender com a América Latina, como as principais igrejas protestantes estão trabalhando em cooperação e vendo como encontrar caminhos de ter boas relações com os pentecostais e os membros do movimento carismático.

 

A outra área é como lidar com a pobreza. Mais uma vez, tomando esse país como exemplo, mas também vendo o Chile que mostrou que existem maneiras de lidar com a pobreza num novo quadro político, essa é uma área que aprendemos muito tendo realizado a Assembléia aqui na América Latina.

 

E, finalmente, as questões de violência. A América Latina é uma região que conhece a violência, vários países da América Latina lidaram com a violência. Que tipo de programas e projetos as igrejas levaram a cabo para combater e superar a violência? Através da Assembléia conseguimos aprender também isso da América Latina.

 

 

ALC - Os objetivos propostos pela Década de Superação da Violência, que este ano tem o seu foco centrado na América Latina, têm sido alcançados? Que avaliação o senhor faz?

 

Samuel Kobia - Quando temos um foco regional para o programa da Década de Superação da Violência, a intenção é usar esta região como uma janela através da qual o resto do mundo, o resto do mundo ecumênico pode aprender como lidar com violência. Uma das maneiras da Década de Superação da Violência ter o foco na América Latina fez, diria, tomar emprestado deste país, o Brasil - nós vimos, por exemplo, o trabalho do Viva Rio -, de encontrar um novo arranjo entre as comunidades, as igrejas e os governos de como lidar com as questões das armas envolvidas em atos de violência, sugerindo maneiras alternativas de treinar jovens: ao invés de colocá-los no serviço militar treiná-los para uma cultura de paz. Acho que é uma dessas possibilidades alternativas da qual podemos aprender bastante da América Latina.

 

Em segundo lugar, ao trazer a agenda do programa da Década de Superação da Violência para as igrejas nós trabalhamos em consonância com as organizações ecumênicas regionais como o Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), os Conselhos Nacionais de igrejas e grupos que lutam pela paz. Por isso houve também uma reflexão teológica sobre a violência e eu acredito que é uma contribuição com a qual podemos contar.

 

Em terceiro lugar, a idéia de usar o programa da Década de Superação da Violência como uma matriz de interpretação, para que se consiga envolver as crianças para que reflitam sobre a violência e a paz. Fomos encorajados pelo fato de que corais de crianças em muitas igrejas da América Latina conseguiram trazer mensagens para as igrejas e para a sociedade, mostrando as faces da violência. Mais uma vez, como uma janela, gostaria de continuar construindo nesta direção. A minha proposta foi de que o CMI pudesse facilitar um projeto no qual os corais de crianças da América Latina possam viajar para outras regiões, para mostrar como as crianças podem e conseguem ter e formular uma mensagem clara para a sociedade, que se refere à superação da violência.

 

 

 

ALC - A busca da paz passa necessariamente pelo entendimento religioso? Como se consegue tal entendimento, quando, aparentemente, as distâncias entre cristãos e muçulmanos aumentam?

 

Samuel Kobia - É verdade que existe uma distância entre cristãos e muçulmanos em muitas partes do mundo. Mas também houve uma diminuição dessa distância entre cristãos e muçulmanos em outras áreas. Por exemplo, na África, na Libéria, em Serra Leoa, concílios inter-religiosos para a paz e a reconciliação conseguiram trazer cristãos e muçulmanos para um diálogo muito próximo. Quando esses concílios se reúnem, se os cristãos abrem a reunião com uma oração a mesma reunião será encerrada com a oração de um muçulmano. Nesse sentido, há um melhor entendimento entre cristãos e muçulmanos, tanto que eles contribuíram para a paz e a reconciliação nesses países.

 

A gente também pode apontar o exemplo da Malásia, na Ásia, onde cristãos e muçulmanos se aproximaram para lidar com questões econômicas e sociais naquele país. Na Europa, onde se criou esse clima tenso inaugurado com o episódio das charges na Dinamarca e mais recentemente com as declarações do papa Bento XVI, ao mesmo tempo há também imãs muçulmanos e comunidades muçulmanas que se aproximaram dos cristãos. E eles estão dizendo: olhem, as comunidades muçulmanas não são uma entidade monolítica, mas também existem muçulmanos que são moderados, tolerantes, e por isso precisamos trabalhar juntos com essa gente.

 

Acho que podemos alcançar um resultado maior se conseguirmos construir baseados nesses exemplos, incluindo os incidentes recentes nos Estados Unidos, onde, depois do 11 de setembro, em alguns casos as igrejas tornaram-se os lugares onde alguns muçulmanos, que sofreram discriminação e assédio da sociedade, foram trazidos para expressar sua amizade e entendimento nas igrejas. E o Conselho Nacional de Igrejas dos EUA - a igreja presbiteriana, a igreja metodista, a igreja luterana - todas elas partilharam as experiências em que funcionaram como centros de refúgio, se se pode chamar assim, e isso fez com que  muitos muçulmanos olhassem para os cristãos a partir de uma perspectiva diferente.

 

Dito isso, aceitarei com clareza que a religião continuará a desempenhar um papel importante, inclusive no que se refere, às vezes, à difusão da violência. A religião também é um mecanismo para isso. Os extremistas dentro da comunidade islâmica estão usando qualquer incidente para tentar mostrar que o mundo muçulmano está sendo atacado pelo mundo cristão. E por isso a guerra no Iraque, a situação na Palestina, a situação no Líbano, essas situações até sugerem que os cristãos estão usando os judeus muitas vezes para oprimir e dominar o mundo muçulmano. Eles vêem o Iraque como uma nova cruzada, porque infelizmente o presidente George Bush usou esse termo depois do ataque de 11 de setembro e muitos muçulmanos não esqueceram essa declaração.

 

Então, existe muito trabalho a ser feito. Por isso que o nosso programa de Diálogo Inter-Religioso e Cooperação vai ser um dos nossos programas prioritários depois da Assembléia de Porto Alegre.

 

 

ALC - Qual o papel da mídia nesse contexto. Ela ajuda ou mais atrapalha para a aproximação entre povos e a construção da paz?

 

Samuel Kobia - Eu acredito que a mídia tem tanto um lado positivo quanto negativo no que se refere a esse assunto. Por exemplo: A maneira como a mídia lida com qualquer evento ou instância, como as charges publicadas na Dinamarca, pode trazer uma mensagem positiva como uma mensagem que pode encorajar o confronto direto. A sociedade, hoje, é muito influenciada pela mídia. Eu acredito que jornalistas, hoje, têm maior influência nas comunidades do que os sacerdotes, pastores. Por isso eles têm uma responsabilidade enorme, para, de um lado, serem fiéis nas reportagens, de relatarem os fatos como eles são. Mas também há casos em que a mídia faz uma análise da situação e por isso ela pode, muitas vezes, deslanchar ou inflamar uma situação.

 

Por essa questão, acredito que é muito importante que a mídia de massa, e nós, do movimento ecumênico, trabalhemos juntos. Por exemplo, a mídia pode ser uma ajuda muito grande para comunicar a experiência do CMI no Oriente Médio, onde o nosso programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e Israel está sendo levado a cabo. Este é um programa bastante efetivo que tem envolvido centenas de pessoas que estão lá como testemunhas oculares do que está acontecendo nos territórios ocupados da Palestina. Também em Israel, estes que estão trabalhando pela paz e pelo diálogo, às vezes acham bastante difícil atuar porque percebem que existem forças em Israel que não querem que isso aconteça. Mas este programa não é sensacionalista, não é algo que pode virar manchete facilmente. Se a mídia quisesse, poderia trazer isso como exemplo do que pode ser feito pelo movimento ecumênico, ajudando a ter um entendimento maior da situação da Palestina e de Israel.

 

 

 

ALC - Quando de sua visita à América Latina antes da IX Assembléia, o senhor falou de um "ecumenismo espiritual", com base nas experiências recolhidas do contato com igrejas e organismos. O senhor dizia que o CMI está preparado para mudanças e que ele não seria tímido para realiza-las. É chegado esse momento? Que mudanças o senhor preconiza, sem timidez?

 

Samuel Kobia - Eu acredito fortemente que chegou a hora para uma nova época do ecumenismo no mundo. O ecumenismo do século XX foi conformado também pelo contexto social e econômico, particularmente na Europa e na América do Norte. O ecumenismo do século XX foi impactado por essa realidade e foi moldado pelas idéias e experiências da Europa e da América do Norte, porque basicamente esses eram os contextos que deslancharam o processo pelo lado intelectual, organizacional do ecumenismo. Nós nos encontramos, hoje, numa situação em que a Igreja está crescendo no Sul, mas não no Norte. Então, encontramo-nos numa situação em que o ecumenismo que passou do século XX para este não conseguiu transformar-se e permitir-se ser influenciado pela nova realidade em que está inserido. Nós temos que ter um ecumenismo do século XXI que aceite que a situação mudou. E por isso precisamos outras maneiras de nos organizarmos, incluindo a configuração do movimento ecumênico, no qual a espiritualidade ocupe um lugar mais central.

 

Mas mais uma vez, essas mesmas denominações estão diminuindo na Europa e nos Estados Unidos. É por isso que nós precisamos ter um diálogo dentro do movimento ecumênico, que tem que começar a escutar as vozes do Sul, porque a vitalidade da cristandade está hoje no Sul, e não no Norte.

 

Terceiro, nós precisamos ter a participação daqueles que tradicionalmente têm sido marginalizados dentro da igreja, para que sejam eles que conformem o movimento ecumênico do século XXI. As vozes dos teólogos liberais do final do século XX, que eram basicamente europeus e norte-americanos, as lideranças hierárquicas das igrejas dessas regiões, de novo, são aqueles que ocuparam a maioria dos espaços até agora no movimento ecumênico. Mas agora nós precisamos enxergar que as mulheres, os jovens, os povos indígenas, os portadores de deficiência sejam capazes de se colocar dentro do movimento ecumênico do século XXI. Não como objetos do movimento ecumênico, mas como sujeitos, capazes de influenciar a agenda do movimento ecumênico. Quando olhar para a questão desse ponto de vista, você começará a ver que as agendas vão começar a mudar. Mas dizendo isso, eu não tiro a ênfase, de maneira alguma, da necessidade por procura pela unidade. A procura pela unidade continua e é de fato a questão principal do movimento ecumênico. Mas estou dizendo que é possível olhar para a questão da unidade através dos olhos não somente daqueles que foram os protagonistas do ecumenismo do século XX, mas também através dos olhos dos novos atores do movimento ecumênico.

 

E, finalmente, vejo que a juventude na Igreja, hoje, não está tão preocupada com a integridade doutrinal como os pais e seus avós estiveram. Muitos dos jovens nas igrejas querem descobrir como a Igreja pode dar significado às suas vidas. É por isso que falo mais de um ecumenismo espiritual. Porque quando escuto os jovens ou os vejo procurando com ansiedade por alguma coisa que lhes dê significado à vida, para mim isso é espiritualidade também. Por isso estou realmente bem preparado para investir tempo e recursos para fazer com que o CMI tenha um papel fundamental nesse processo de encorajamento para essa abordagem do ecumenismo no século XXI.

 

 

ALC - Delegação do CMI esteve como papa Bento XVI, em junho de 2005, quando lhe propôs uma agenda comum de colaboração. Passado mais de ano desse encontro, o que de concreto existe dessa agenda?

 

Samuel Kobia - Eu fiquei bastante encorajado pela resposta do papa Bento XVI naquela oportunidade, pela reação dele à proposta para essa colaboração. Ele


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