O dia da confraterniza??o universal
Uma cena de um Culto de Vig?lia guardo comigo h? muito tempo: apesar de bem pequeno, lembro-me perfeitamente que quando come?amos a ouvir o barulho dos fogos de artif?cio e gritos de alegria vindos da rua, quebrando o sil?ncio do momento de ora??o, meu pai sentou-me em seus joelhos e, falando muito seriamente, disse que queria ser o primeiro a me cumprimentar e tamb?m que queria que eu fosse o primeiro, entre tantos que ele abra?aria dali a pouco, a receber o seu abra?o.
Abra?ando-me, disse baixinho, perto do meu ouvido – porque o pastor ainda estava fazendo a ora??o final naquele momento: "Feliz Ano Novo!".
Naquela noite, aprendi isso com meu pai. Findo o culto, sa? distribuindo abra?os e desejos de Feliz Ano Novo! pra quem passasse na minha frente o que n?o era muito comum para uma crian?a da minha idade.
Ao contr?rio de meus irm?os adolescentes, eu gostava muito dos cultos de vig?lia que a igreja fazia na passagem do ano. ?amos dormir t?o tarde!…
O culto terminava, em geral, pouco depois da meia-noite e s? ent?o n?s nos reun?amos em torno da mesa para jantar. ?s vezes, o jantar era feito na igreja. Desses eu gostava mais: tinha discurso, esquetes dos juvenis, homenagem pelo Dia do Pastor, revela??o de Amigo Secreto; demoraaaaava pra gente ir pra casa, dormir.
Acho que foi por isso que cresci imaginando que o feriado do dia seguinte foi inventado apenas para que ningu?m precisasse acordar cedo para trabalhar depois de ter ido dormir t?o tarde. E confesso que foi somente h? poucos anos que me dei conta da beleza, significado e import?ncia do 1? de janeiro, o Dia da Confraterniza??o Universal.
Concordo que pode at? soar como um desprop?sito se falar em confraterniza??o universal nessa ?poca de conflitos religiosos, de retalia?es entre pa?ses, de amea?as de guerra e de desenvolvimento de armas nucleares, de atentados terroristas que vitimam tanta gente, de fome e mis?ria de uns e de riqueza, desperd?cio e indiferen?a de outros. Mas n?o ? durante a enfermidade que se almeja a sa?de? N?o ? numa noite fria que desejamos um cobertor macio e quentinho?
Foi assim, folheando o jornal, assistindo ao notici?rio na TV, abrindo a minha janela e olhando para o mundo, que me lembrei de que existe um dia reservado para se pensar na comunh?o dos povos, na confraterniza??o universal. Foi me entristecendo com o ?dio, a intoler?ncia, a desigualdade, que ansiei pela confraterniza??o de todos/as. Desejei que as pessoas pudessem se abra?ar, independente da sua cor, da sua religi?o, do idioma que falam, dos costumes que t?m, de quem ? o chefe do seu governo, das roupas que vestem.
A vontade de chorar, com saudade daqueles tempos em que achavam engra?ado uma crian?a de 3 anos repetir "Feliz Ano Novo!" pra todo mundo, ? abafada pela firme determina??o de, neste ano, no Culto de Vig?lia, repetir o gesto de meu pai. Farei isso consciente de que quando cochichar "Feliz Ano Novo!" no ouvido do meu filho n?o estarei pensando apenas no ano que se inicia mas na vida que ele tem pela frente. Ele e o mundo em que viver?.
Revdo Fernando Cezar Moreira Marques (publicado originalmente no Recriar, boletim editado pela Coordena??o Nacional de Educa??o Crist?, n? 32, dezembro de 2006)