crianças que ferem pastor Daniel Rocha


Crian?a trabalhadora em f?brica de tecelagem




De alguma forma, que n?o sei explicar, Jesus exercia um fasc?nio sobre as crian?as. Era mais do que ser af?vel para com elas,Ele compreendia o que era ser um infante, suas lutas, conflitos, impot?ncia diante do mundo adulto dominado por intrigas, viol?ncia e incompreens?es.



Um dia, essa crian?a que Jesus tanto preza, cresce, estuda, ama, e ? admitida ao mundo adulto atrav?s de diversos ritos de passagem. Entretanto, "aquela" crian?a que existiu continua viva dentro de cada um. ?s vezes sufocada, reprimida, outras vezes carente e expressando em novos cen?rios toda a dor que os primeiros anos de vida trouxeram.



Homens e mulheres que seguiram a Jesus, um dia tamb?m, foram crian?as e enfrentaram as vicissitudes pr?prias da idade num mundo t?o ou mais in?spito que o nosso. Fazendo um pequeno exerc?cio de imagina??o comecei a inferir como teria sido o per?odo de inf?ncia de alguns personagens b?blicos, a partir de textos das Escrituras que falam de suas caracter?sticas pessoais. Afinal, adultos deixam rastros de sua crian?a em palavras, gestos e posturas por onde passam.



O primeiro que me vem ? mente ? o garoto Saulinho de Tarso. Imagino-o como um menino franzino e talvez doente, que n?o enxergava bem desde cedo; acho que desenvolveuum sentimento de inferioridade, mas viu nos estudos uma oportunidade de se destacar pois ele mesmo diz que no juda?smo "avantajava-se a muitos da sua idade, sendo extremamente zeloso das tradi?es de seus pais" (Gl 1.14). Ora, fico imaginando que tipo de garoto – mesmo naquela ?poca – se enfurnaria nos estudos de forma t?o a?odada se n?o fosse para fugir de uma realidade desagrad?vel?



Vejo Jo?ozinho, o mais jovem dos disc?pulos, se recostando ao peito do Mestre, expressando a necessidade de tocar e ser tocado, pois quem sabe teve um pai que nunca o abra?ou nem o pegou ao colo, preocupado com os afazeres di?rios para sustentar toda a fam?lia, e menino sens?vel como era,precisava sempre de um abra?o. Era ele quem se aconchegava a Jesus (Jo 13.23).J? velho, ainda percebemosessa sensibilidade no seu linguajar das ep?stolas, usando incansavelmente o voc?bulo carinhoso de "filhinhos" e "amados".



Ao contr?rio do sorumb?tico Jo?o, quantas reprimendas o irrequieto Pedrinho n?o levou de seus pais, pois n?o parava, mexia em tudo, e arrumava confus?o com seus irm?os com um temperamento intempestivo. E o pequeno Tom?? Assim como toda crian?a, depositava a mais completa confian?a nos adultos, mas um dia foi humilhado e tra?do; e ele prometeu a si mesmo nunca mais confiar em ningu?m, e desconfiar de tudo aquilo que lhe contam.



A mulher "pecadora" que ungiu os p?s de Jesus, chorando e beijando, pode ter sido uma menina criada sem o amor e carinho dos pais, nascendo-lhe um sentimento de desvalor, uma car?ncia de aceita??o. Para piorar,na juventude muitos rapazes podem ter lhe procurado somente por sua beleza f?sica, e ela nunca soube o que era ter uma rela??o de amor e companheirismo…. da? a necessidade de sentir-se bem quista por todos – nem que fosse por alguns fugazes momentos.



Na verdade a vida desses personagens b?blicos tamb?m tem um pouco de nossa hist?ria. Eles n?o eram personagens de fic??o, mas homens e mulheres de carne e osso que enfrentavam seus problemas familiares, as doen?as, a falta de recursos, assim como n?s.



Tudo que foi doloroso na inf?ncia, e muito machucou, torna-se uma inflama??o sempre latejante na alma. Ent?o, machucamos a quem amamos, decepcionamos quem deposita confian?a em n?s e ferimos os outros com as nossas feridas. Por vezes valemo-nos de nossa hist?ria para justificar certos comportamentos inadequados. Quem tem ci?mes excessivos explica-se: "temo perder aquilo que amo, por isso n?o saio de perto"; o irasc?vel tem na ponta da l?ngua: "fui muito reprimido e nunca pude falar nada, mas agora chega"; quem tem muito apego ao dinheiro se autoexplica: "passei muita dificuldade na inf?ncia";quem desconfia do mundo: "nunca mais v?o me enganar"….



O maior problema talvez n?o seja o que vivemos, mas quando aceitamos o comportamento que dali se segue, at? com uma ponta de resigna??o, e n?o vislumbramos que possa ser diferente. Tornamo-nos, ent?o, fatalistas, pois "o que ?"j? foi decidido l? atr?s. Ao pensar assim n?o cremos na liberdade que Cristo traz, e perdemos a condi??o de homens e mulheres livres para tornamo-nos o "c?o de Pavlov" condicionado para salivar toda vez que toca a campainha.



H? um que tem o poder de fazer novas todas as cousas. Deus re-constr?i a nossa hist?ria a partir do material torto que lhe apresentamos. N?o ? por acaso que a convers?o a Cristo ? tamb?m chamada de "novo nascimento".N?o ? esquecimento ou amn?sia do que viveu, mas uma re-significa??o do que passou e uma oportunidade de viver um novo come?o. N?o mais os olhos do ?dio, da raiva ou vergonha, mas de uma vis?o sobre a vida a partir do amor de Cristo que sara as feridas, nos restitui a dignidade, traz seguran?a ao cora??o e liberta da servid?o emocional do passado.? um caminho dif?cil, pois o atalho, o caminho f?cil, ? continuar repetindo indefinidamente a doen?a.



Quando me concedo a oportunidade de viver uma segunda inf?ncia – agora tendo Deus como "Abba Pai" – n?o preciso mais ficar preso a um passado doloroso. Quero ser um adulto vivendo como uma crian?a diante de Deus, uma crian?a que pula, dan?a, festeja, d? gargalhadas, chapinha nas po?as d??gua, e quando se cansa, corre para o colo do Pai.



Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a crian?a, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me hist?rias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E d?-me sonhos teus para eu brincar
At? que nas?a qualquer dia
Que tu sabes qual ?.


(Alberto Caeiro, em O Guardador de Rebanhos)




Pr. Daniel Rocha, Igreja Metodista em Itaberaba, SP


 



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