Declara??o Conjunta Sobre a Doutrina da Justifica??o
Pre?mbulo
1. A doutrina da justifica??o teve import?ncia central para a Reforma luterana do s?culo XVI. Era considerada o “primeiro e principal artigo” [1] e simultaneamente “regente e juiz sobre todas as partes da doutrina crist?” [2]. A doutrina da justifica??o foi particularmente sustentada e defendida em sua express?o reformat?ria e sua relev?ncia especial face ? teologia e ? Igreja cat?lica romana de ent?o as quais, por sua vez, sustentavam e defendiam uma doutrina da justifica??o com caracter?sticas diferentes. Aqui, segundo a prospectiva reformat?ria, residia o cerne de todas as confronta?es. Elas resultaram em condena?es doutrinais nos escritos confessionais luteranos [3] e no Conc?lio de Trento da Igreja cat?lica romana. Essas condena?es vigoram at? hoje e t?m efeito divisor entre as Igrejas.
2. Para a tradi??o luterana a doutrina da justifica??o conservou essa relev?ncia especial. Por isso, desde o in?cio, ela tamb?m ocupou um lugar importante no di?logo oficial luterano-cat?lico.
3. Remetemos em especial aos relat?rios “O evangelho e a Igreja” (1972) [4] e “Igreja e justifica??o” (1994) [5], da Comiss?o Mista cat?lica romana/evang?lica luterana internacional, ao relat?rio “Justifica??o pela f?” (1983) [6], do di?logo cat?lico-luterano nos Estados Unidos, e ao estudo “Condena?es doutrinais – divisoras das Igrejas?” (1986) [7], do Grupo de Trabalho Ecum?nico de te?logos evang?licos e cat?licos na Alemanha. Alguns destes relat?rios de di?logo obtiveram recep??o oficial. Exemplo importante constitui o posicionamento compromissivo emitido pela Igreja Evang?lico-Luterana Unida da Alemanha, juntamente com as outras Igrejas pertencentes ? Igreja Evang?lica na Alemanha, com o m?ximo grau poss?vel de reconhecimento eclesi?stico do estudo sobre as condena?es doutrinais (1994) [8].
4. Todos os relat?rios de di?logo citados, bem como os posicionamentos a seu respeito, revelam em seu tratamento da doutrina da justifica??o, alto grau de orienta??o e ju?zos comuns. Por isso est? na hora de fazer um balan?o e de resumir os resultados dos di?logos sobre a justifica??o, de modo a informar nossas Igrejas, com a devida precis?o e brevidade, sobre o resultado geral desse di?logo e de dar-lhes, ao mesmo tempo, condi?es de se posicionarem de modo compromissivo a respeito.
5. ? isso o que pretende a presente Declara??o Conjunta. Ela quer mostrar que, com base no di?logo, as Igrejas luteranas signat?rias e a Igreja cat?lica romana [9] est?o agora em condi?es de articular uma compreens?o comum de nossa justifica??o pela gra?a de Deus na f? em Cristo. Esta Declara??o Comum (DC) n?o cont?m tudo o que ? ensinado sobre justifica??o em cada uma das Igrejas, mas abarca um consenso em verdades b?sicas da doutrina da justifica??o e mostra que os desdobramentos distintos ainda existentes n?o constituem mais motivo de condena?es doutrinais.
6. Nossa DC n?o ? uma exposi??o nova e independente, ao lado dos relat?rios de di?logo e documentos j? existentes, nem pretende, muito menos, substitui-los. Ela se reporta, antes, a esses textos e sua argumenta??o.
7. Assim como os pr?prios di?logos, tamb?m esta DC se baseia na convic??o de que uma supera??o de quest?es controversas e de condena?es doutrin?rias at? agora vigentes n?o minimiza as divis?es e condena?es nem desautoriza o passado da pr?pria Igreja. Repousa, por?m, sobre a convic??o de que no decorrer da hist?ria nossas Igrejas chegam a novas percep?es e de que ocorrem desdobramentos que n?o s? lhes permitem, mas ao mesmo tempo tamb?m exigem, que as quest?es e condena?es divisoras sejam examinadas e vistas sob uma nova luz.
1. A mensagem b?blica da justifica??o
8. Fomos levados a essas novas percep?es por nossa maneira conjunta de escutar a palavra de Deus nas Escrituras Sagradas. Juntos ouvimos o evangelho de que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho unig?nito, para que todo o que nele cr? n?o pere?a, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Esta Boa Nova ? exposta de diferentes maneiras nas Escrituras Sagradas. No Antigo Testamento ouvimos a palavra de Deus sobre a pecaminosidade humana (cf. Sl 51, 1-5; Dn 9, 5 s.; Ecl 8, 9 s.; Esd 9, 6 s.) e sobre a desobedi?ncia humana (cf. Gn 3, 1-19; Ne 9, 16 s.26), bem como sobre a justi?a (cf. Is 46, 13; 51, 5-8; 56, 1 [cf. 53, 11]; Jr 9, 24) e o ju?zo de Deus (cf. Ecl 12, 14; Sl 9, 5 s.; 76, 7-9).
9. No Novo Testamento os temas “justi?a” e “justifica??o” s?o abordados de maneira diferenciada em Mateus (cf. 5, 10; 6, 33; 21, 32), em Jo?o (cf. 16, 8-11), na Ep?stola aos Hebreus (cf. 5, 13; 10, 37 s.) e na Ep?stola de Tiago (cf. 2, 14-26). [10] Tamb?m nas cartas paulinas o dom da salva??o ? descrito de diferentes modos, entre outros como “liberta??o para a liberdade” (Gl 5, 1-13; cf. Rm 6, 7), como “reconcilia??o com Deus” (2 Cor 5, 18-21; cf. Rm 5, 11), como “paz com Deus” (Rm 5, 1), como “nova cria??o” (2 Cor 5, 17), como “vida para Deus em Cristo Jesus” (Rm 6, 11-23) ou como “santifica??o em Cristo Jesus” (cf. 1 Cor 1, 2; 1, 30; 2 Cor 1, 1). Salienta-se entre esses conceitos a descri??o como “justifica??o” do pecador pela gra?a de Deus na f? (cf. Rm 3, 23-25), que foi destacada de maneira especial no tempo da Reforma.
10. Paulo descreve o evangelho como poder de Deus para a salva??o do ser humano ca?do sob o poder do pecado: como mensagem que proclama a “justi?a de Deus de f? em f?” (Rm 1, 16 s.) e que presenteia a “justifica??o” (Rm 3, 21-31). Ele anuncia Cristo como “nossa justi?a” (1 Cor 1, 30) ao aplicar ao Senhor ressuscitado o que Jeremias disse acerca do pr?prio Deus (cf. 23, 6). Na morte e na ressurrei??o de Cristo est?o enraizadas todas as dimens?es de sua obra redentora, porque “nosso Senhor foi entregue por causa de nossas transgress?es e ressuscitou por causa de nossa justifica??o” (Rm 4, 25). Todos os seres humanos necessitam da justi?a de Deus, “pois todos pecaram e carecem da gl?ria de Deus” (Rm 3, 23; cf. Rm 1, 18-3.22; 11, 32; Gl 3, 22). Nas cartas aos G?latas (cf. 3, 6) e aos Romanos (cf. 4, 3-9) Paulo entende a f? de Abra?o (cf. Gn 15, 6) como f? no Deus que justifica o pecador (cf. Rm 4, 5) e invoca o testemunho do Antigo Testamento para sublinhar seu evangelho de que aquela justi?a ser? imputada a todos os que, como Abra?o, confiam na promessa de Deus. “O justo viver? pela f?” (Hab 2, 4; cf. Gl 3, 11; Rm 1, 17). Nas cartas paulinas a justi?a de Deus ? simultaneamente o poder de Deus para cada crente (cf. Rm 1, 16 s.). Em Cristo ele faz com que ela seja nossa justi?a (cf. 2 Cor 5, 21). Recebemos a justifica??o por Cristo Jesus, “a quem Deus prop?s, em seu sangue, como propicia??o [eficaz] mediante a f?” (Rm 3, 25; cf. 3, 21-28). “Porque pela gra?a sois salvos, mediante a f?; e isto n?o vem de v?s, ? dom de Deus; n?o de obras” (Ef 2, 8 s.).
11. Justifica??o ? perd?o dos pecados (cf. Rm 3, 23-25; At 13, 39; Lc 18, 14), liberta??o do poder dominante do pecado e da morte (cf. Rm 5, 12-21) e da maldi??o da lei (cf. Gl 3, 10-14). Ela significa acolhida na comunh?o com Deus, j? agora, mas de forma plena no reino vindouro de Deus (cf. Rm 5, 1 s.). Une com Cristo e sua morte e ressurrei??o (cf. Rm 6, 5). Acontece no recebimento do Esp?rito Santo no batismo como incorpora??o no corpo uno (cf. Rm 8, 1 s., 9 s.; 1 Cor 12, 12 s.). Tudo isso prov?m somente de Deus, por amor de Cristo, por gra?a, pela f? no “evangelho de Deus com respeito a seu Filho” (cf. Rm 1, 1-3).
12. As pessoas justificadas vivem a partir da f? que prov?m da palavra de Cristo (cf. Rm 10, 17) e que atua no amor (cf. Gl 5, 6), o qual ? fruto do Esp?rito (cf. Gl 5, 22 s.). Mas, visto que poderes e ambi?es atribulam as pessoas crentes por fora e por dentro (cf. Rm 8, 35-39; Gl 5, 16-21) e elas caem em pecado (cf. 1 Jo 1, 8.10), precisam repetidamente ouvir as promiss?es de Deus, confessar seus pecados (cf. 1 Jo 1, 9), participar do corpo e do sangue de Cristo e ser exortadas a viver uma vida justa em conformidade com a vontade de Deus. Por isso o ap?stolo diz ?s pessoas justificadas: “Desenvolvei vossa salva??o com temor e tremor; porque Deus ? quem efetua em v?s tanto o querer quanto o realizar, segundo a sua vontade” (Fl 2, 12 s.). Permanece, por?m, a Boa Nova: “J? nenhuma condena??o h? para os que est?o em Cristo Jesus” (Rm 8, 1) e nos quais Cristo vive (cf. Gl 2, 20). Por interm?dio da obra justa de Cristo haver? justifica??o que d? vida para todos os seres humanos (cf. Rm 5, 18).
2. A doutrina da justifica??o como problema ecum?nico
13. No s?culo XVI, a interpreta??o e aplica??o contrastantes da mensagem b?blica da justifica??o constitu?ram uma das causas principais da divis?o da Igreja ocidental, o que tamb?m se expressou em condena?es doutrinais. Por isso, para superar a divis?o na Igreja, uma compreens?o comum da justifica??o ? fundamental e indispens?vel. Acolhendo resultados da pesquisa b?blica e percep?es da hist?ria da teologia e dos dogmas, desenvolveu-se no di?logo ecum?nico desde o Conc?lio Vaticano II uma n?tida aproxima??o no que diz respeito ? doutrina da justifica??o, de modo que a presente DC pode formular um consenso em verdades b?sicas da doutrina da justifica??o a cuja luz as correspondentes condena?es doutrinais do s?culo XVI n?o mais se aplicam ao parceiro de hoje.
3. A compreens?o comum da justifica??o
14. O ouvir comum da Boa Nova proclamada nas Sagradas Escrituras e, n?o por ?ltimo, os di?logos teol?gicos de anos recentes entre as Igrejas luteranas e a Igreja cat?lica romana levaram a uma concord?ncia na compreens?o da justifica??o. Ela abarca um consenso nas verdades b?sicas; os desdobramentos distintos nas afirma?es espec?ficas s?o compat?veis com ela.
15. ? nossa f? comum que a justifica??o ? obra do Deus uno e trino. O Pai enviou seu Filho ao mundo para a salva??o dos pecadores. A encarna??o, a morte e a ressurrei??o de Cristo s?o fundamento e pressuposto da justifica??o. Por isso justifica??o significa que o pr?prio Cristo ? nossa justi?a, da qual nos tornamos participantes atrav?s do Esp?rito Santo segundo a vontade do Pai. Confessamos juntos: somente por gra?a, na f? na obra salv?fica de Cristo, e n?o por causa de nosso m?rito, somos aceitos por Deus e recebemos o Esp?rito Santo, que nos renova os cora?es e nos capacita e chama para as boas obras [11].
16. Todas as pessoas s?o chamadas por Deus para a salva??o em Cristo. Somos justificados somente por Cristo ao recebermos essa salva??o na f?. A pr?pria f?, por sua vez, ? presente de Deus atrav?s do Esp?rito Santo, que atua na palavra e nos sacramentos na comunh?o dos crentes e que, ao mesmo tempo, conduz os crentes ?quela renova??o de sua vida que Deus consuma na vida eterna.
17. Compartilhamos a convic??o de que a mensagem da justifica??o nos remete de forma especial ao centro de testemunho neotestament?rio da a??o salv?fica de Deus em Cristo: ela nos diz que como pecadores devemos nossa vida nova unicamente ? miseric?rdia perdoadora e renovadora de Deus, miseric?rdia esta com a qual s? podemos ser presenteados e que s? podemos receber na f?, mas que nunca – de qualquer forma que seja – podemos fazer por merecer.
18. Por isso a doutrina da justifica??o, que assume e desdobra essa mensagem, n?o ? apenas um aspecto parcial da doutrina crist?. Ela se encontra numa rela??o essencial com todas as verdades da f?, as quais devem ser vistas numa conex?o interna entre si. Ela ? um crit?rio indispens?vel que visa orientar toda a doutrina e pr?tica da Igreja incessantemente para Cristo. Quando luteranos acentuam a import?ncia singular desse crit?rio, n?o negam a conex?o e a import?ncia de todas as verdades da f?. Quando cat?licos se sentem comprometidos com v?rios crit?rios, n?o negam a fun??o especial da mensagem da justifica??o. Luteranos e cat?licos compartilham o alvo comum de confessar em tudo a Cristo, ao qual unicamente importa confiar, acima de todas as coisas, como mediador uno (cf. 1 Tm 2, 5 s.) pelo qual Deus, no Esp?rito Santo, d? a si mesmo e derrama seus dons renovadores.
4. O desdobramento da compreens?o comum da justifica??o
4.1. Incapacidade e pecado humanos face ? justifica??o
19. Confessamos juntos que o ser humano, no concernente ? sua salva??o, depende completamente da gra?a salvadora de Deus. A liberdade que ele possui para com as pessoas e coisas do mundo n?o ? liberdade com rela??o ? salva??o. Isto quer dizer que, como pecador, ele se encontra sob o ju?zo de Deus, sendo por si s? incapaz de se voltar a Deus em busca de salvamento, ou de merecer sua justifica??o perante Deus, ou de alcan?ar a salva??o pela pr?pria for?a. Justifica??o acontece somente por gra?a. Porque cat?licos e luteranos confessam isso conjuntamente, deve-se dizer:
20. Quando cat?licos dizem que o ser humano “coopera” no preparo e na aceita??o da justifica??o por assentir ? a??o justificadora de Deus, eles v?em mesmo nesse assentimento pessoal um efeito da gra?a, e n?o uma a??o humana a partir de for?as pr?prias.
21. Segundo a concep??o luterana o ser humano ? incapaz de cooperar em sua salva??o, porque como pecador ele resiste ativamente a Deus e ? sua a??o salvadora. Luteranos n?o negam que o ser humano possa rejeitar a atua??o da gra?a. Quando sublinham que o ser humano pode t?o-somente receber (mere passive) a justifica??o, rejeitam com isso qualquer possibilidade de uma contribui??o pr?pria do ser humano para sua justifica??o, mas n?o negam sua plena participa??o pessoal na f?, que ? operada pela pr?pria palavra de Deus.
4.2. Justifica??o como perd?o de pecados e ato de tornar justo
22. Confessamos juntos que Deus, por gra?a, perdoa ao ser humano o pecado, e o liberta ao mesmo tempo do poder escravizador do pecado em sua vida e lhe presenteia a nova vida em Cristo. Quando o ser humano tem parte em Cristo na f?, Deus n?o lhe imputa seu pecado e, pelo Esp?rito Santo, opera nele um amor ativo. Ambos os aspectos da a??o graciosa de Deus n?o devem ser separados. Eles est?o correlacionados de tal maneira que o ser humano, na f?, ? unido com Cristo que em sua pessoa ? nossa justi?a (cf. 1 Cor 1, 30): tanto o perd?o dos pecados quanto a presen?a santificadora de Deus. Porque cat?licos e luteranos confessam isso conjuntamente, deve-se dizer:
23. Quando luteranos enfatizam que a justi?a de Cristo ? nossa justi?a, querem sobretudo assegurar que ao pecador, pelo an?ncio do perd?o, ? representada a justi?a perante Deus em Cristo e que sua vida ? renovada somente em uni?o com Cristo. Quando dizem que a gra?a de Deus ? amor que perdoa (“favor de Deus”) [12], n?o negam com isso a renova??o da vida do crist?o, mas querem expressar que a justifica??o permanece livre de coopera??o humana, tampouco dependendo do efeito renovador de vida que a gra?a produz no ser humano.
24. Quando cat?licos enfatizam que ao crente ? presenteada a renova??o da pessoa interior pelo recebimento da gra?a, [13] querem assegurar que a gra?a perdoadora de Deus sempre est? ligada ao presente de uma nova vida, que no Esp?rito Santo se torna efetiva em amor ativo; mas n?o negam com isso que o dom da gra?a divina na justifica??o permanece independente de coopera??o humana.
4.3. Justifica??o por f? e por gra?a
25. Confessamos juntos que o pecador ? justificado pela f? na a??o salv?fica de Deus em Cristo; essa salva??o lhe ? presenteada pelo Esp?rito Santo no batismo como fundamento de toda a sua vida crist?. Na f? justificadora o ser humano confia na promessa graciosa de Deus; nessa f? est?o compreendidos a esperan?a em Deus e o amor a Ele. Essa f? atua pelo amor; por isso o crist?o n?o pode e n?o deve ficar sem obras. Mas tudo o que, no ser humano, precede ou se segue ao livre presente da f? n?o ? fundamento da justifica??o nem a faz merecer.
26. Segundo a compreens?o luterana, Deus justifica o pecador somente na f? (sola fide). Na f? o ser humano confia inteiramente em seu Criador e Redentor e est? assim em comunh?o com ele. Deus mesmo ? quem opera a f? ao produzir tal confian?a por sua palavra criadora. Porque essa a??o divina constitui uma nova cria??o, afeta todas as dimens?es da pessoa e conduz a uma vida em esperan?a e amor. Assim, na doutrina da “justifica??o somente pela f?”, a renova??o da conduta de vida que necessariamente se segue ? justifica??o, e sem a qual n?o pode haver f?, ? distinguida da justifica??o, mas n?o ? separada dela. Com isso ? indicado, antes, o fundamento do qual prov?m tal renova??o. Do amor de Deus, que ? presenteado ao ser humano na justifica??o, prov?m a renova??o da vida. A justifica??o e a renova??o est?o ligadas pelo Cristo presente na f?.
27. Tamb?m segundo a compreens?o cat?lica a f? ? fundamental para a justifica??o, pois sem f? n?o pode haver justifica??o. Como ouvinte da palavra e crente o ser humano ? justificado por meio do batismo. A justifica??o do pecador ? perd?o dos pecados e ato que torna justo atrav?s da gra?a justificadora, que nos torna filhos e filhas de Deus. Na justifica??o as pessoas justificadas recebem de Cristo f?, esperan?a e amor e s?o assim acolhidas na comunh?o com Ele. [14] Essa nova rela??o pessoal com Deus se baseia inteiramente na graciosidade divina e fica sempre dependente da atua??o criadora de salva??o do Deus gracioso, que permanece fiel a si mesmo e no qual o ser humano pode por isso confiar. Por esta raz?o a gra?a justificadora nunca se converte em posse do ser humano, ? qual ele pudesse apelar diante de Deus. Quando, segundo a compreens?o cat?lica, se acentua a renova??o da vida atrav?s da gra?a justificadora, essa renova??o em f?, esperan?a e amor sempre depende da gra?a inescrut?vel de Deus e n?o representa qualquer contribui??o para a justifica??o da qual pud?ssemos orgulhar-nos diante de Deus (cf. Rm 3, 27).
4.4. A pessoa justificada como pecadora
28. Confessamos juntos que no batismo o Esp?rito Santo une a pessoa com Cristo, a justifica e realmente a renova. N?o obstante, a pessoa justificada durante toda a vida permanece incessantemente dependente da gra?a de Deus que justifica de modo incondicional. Tamb?m ela est? continuamente exposta ao poder do pecado e suas investidas (cf. Rm 6, 12-14), n?o estando isenta da luta vital?cia contra a oposi??o a Deus em termos de cobi?a ego?sta do velho Ad?o (cf. Gl 5, 16; Rm 7, 7.10). Tamb?m a pessoa justificada precisa pedir, como no Pai Nosso, a cada dia, o perd?o de Deus (cf. Mt 6, 12; 1 Jo 1, 9), ? chamada constantemente ? convers?o e ao arrependimento e recebe continuamente o perd?o.
29. Luteranos entendem isso no sentido de que a pessoa crist? ? “ao mesmo tempo justa e pecadora”: ela ? totalmente justa porque Deus, por palavra e sacramento, lhe perdoa o pecado e lhe concede a justi?a de Cristo, da qual ela se apropria pela f? e a qual em Cristo a torna justa diante de Deus. Olhando, por?m, para si mesma atrav?s da lei, ela reconhece que continua ao mesmo tempo totalmente pecadora, que o pecado ainda habita nela (cf. 1 Jo 1, 8; Rm 7, 17.20): porque reiteradamente confia em falsos deuses e n?o ama a Deus com aquele amor indiviso que Deus como seu criador dela exige (cf. Dt 6, 5; Mt 22, 36-40). Essa oposi??o a Deus ?, como tal, verdadeiramente pecado. N?o obstante, gra?as ao m?rito de Cristo, o poder escravizante do pecado est? rompido: j? n?o ? pecado que “domina” a pessoa crist? por estar “dominado” por Cristo, com o qual a pessoa justificada est? unida na f?; assim a pessoa crist?, enquanto vive na terra, pode ao menos em parte viver uma vida em justi?a. E, a despeito do pecado, n?o est? mais separada de Deus, porque no retorno di?rio ao batismo ela, que renasceu pelo batismo e pelo Esp?rito Santo, tem seu pecado perdoado, de sorte que seu pecado j? n?o lhe acarreta condena??o e morte eterna. [15] Portanto, quando luteranos dizem que a pessoa justificada ? tamb?m pecadora e que sua oposi??o a Deus ? verdadeiramente pecado, n?o negam que, a despeito do pecado, ela est? inseparada de Deus em Cristo e que seu pecado ? pecado dominado. Neste ?ltimo aspecto est?o em concord?ncia com os cat?licos romanos, apesar das diferen?as na compreens?o do pecado da pessoa justificada.
30. Segundo a concep??o cat?lica, a gra?a de Jesus Cristo concedida no batismo apaga tudo o que ? “realmente” pecado, o que ? “digno de condena??o” (Rm 8, 1),[16] mas que permanece na pessoa uma inclina??o (concupisc?ncia) proveniente do pecado e tendente ao pecado. Uma vez que, conforme a convic??o cat?lica, o surgimento dos pecados humanos sempre implica um elemento pessoal, e como este elemento falta naquela inclina??o contr?ria a Deus, cat?licos n?o v?em nela pecado em sentido aut?ntico. Com isso n?o querem negar que essa inclina??o n?o corresponde ao des?gnio original de Deus para a humanidade nem que ? objetivamente oposi??o a Deus e que permanece objeto de luta vital?cia; em gratid?o pela reden??o por interm?dio de Cristo querem destacar que a inclina??o contr?ria a Deus n?o merece o castigo de morte eterna [17] e n?o separa a pessoa justificada de Deus. Quando, por?m, a pessoa justificada se separa voluntariamente de Deus, n?o basta voltar a observar os mandamentos, mas ela precisa receber, no sacramento da reconcilia??o, perd?o e paz pela palavra do perd?o que lhe ? conferida por for?a da obra reconciliadora de Deus em Cristo.
4.5. Lei e evangelho
31. Confessamos juntos que o ser humano ? justificado na f? no evangelho “independentemente de obras da lei” (Rm 3, 28). Cristo cumpriu a lei e, por sua morte e ressurrei??o, a superou como caminho para a salva??o. Confessamos ao mesmo tempo que os mandamentos de Deus permanecem em vigor para a pessoa justificada e que Cristo, em sua palavra e sua vida, expressa a vontade de Deus, que constitui padr?o de conduta tamb?m para a pessoa justificada.
32. Os luteranos sustentam que a distin??o e a correta correla??o de lei e evangelho ? essencial para a compreens?o da justifica??o. A lei, em seu uso teol?gico, ? exig?ncia e acusa??o ?s quais est? sujeita durante a vida inteira toda pessoa, tamb?m pessoa crist?, na medida em que ? pecadora; e a lei p?e a descoberto seu pecado para que na f? no evangelho, ela se volte inteiramente para a miseric?rdia de Deus em Cristo, a qual unicamente a justifica.
33. Uma vez que a lei como caminho de salva??o foi cumprida e superada pelo evangelho, cat?licos podem dizer que Cristo n?o ? um legislador ? maneira de Mois?s. Quando cat?licos acentuam que a pessoa justificada ? obrigada a observar os mandamentos de Deus, n?o negam com isso que a gra?a da vida eterna ? misericordiosamente prometida aos filhos e filhas de Deus por Jesus Cristo [18].
4.6. Certeza de salva??o
34. Confessamos juntos que as pessoas crentes podem confiar na miseric?rdia e nas promiss?es de Deus. Tamb?m em face de sua pr?pria fraqueza e de muitas amea?as para sua f?, podem basear-se – gra?as ? morte e ressurrei??o de Cristo – na promessa eficaz da gra?a de Deus em palavra e sacramento e, assim, ter certeza desta gra?a.
35. Isto foi acentuado de maneira especial pelos reformadores: em meio ? tribula??o a pessoa crente n?o deve olhar para si mesma, mas inteiramente para Cristo e confiar somente nele. Assim, na confian?a na promiss?o de Deus, ela tem certeza de sua salva??o, mesmo que, olhando para si mesma, nunca esteja segura.
36. Cat?licos podem compartilhar da preocupa??o dos reformadores de basear a f? na realidade objetiva da promessa de Cristo, desconsiderando a pr?pria experi?ncia e confiando somente na palavra promitente de Cristo (cf. Mt 16, 19; 18, 18). Com o Conc?lio Vaticano II os cat?licos sustentam: crer significa confiar-se inteiramente a Deus, [19] que nos liberta das trevas do pecado e da morte e nos desperta para a vida eterna. [20] Neste sentido n?o se pode crer em Deus e, ao mesmo tempo, n?o considerar confi?vel a promessa divina. Ningu?m deve duvidar da miseric?rdia de Deus e do m?rito de Cristo. Mas toda pessoa pode estar preocupada com sua salva??o quando olha para suas pr?prias fraquezas e insufici?ncias. Mesmo inteiramente consciente de seu pr?prio fracasso, contudo, a pessoa crente pode ter certeza de que Deus quer sua salva??o.
4.7. As boas obras da pessoa justificada
37. Confessamos juntos que boas obras – uma vida crist? em f?, esperan?a e amor – se seguem ? justifica??o e s?o frutos da justifica??o. Quando a pessoa justificada vive em Cristo e atua na gra?a recebida produz, biblicamente falando, bom fruto. Essa conseq??ncia da justifica??o ? ao mesmo tempo uma obriga??o a ser cumprida pelo crist?o, na medida em que luta contra o pecado durante a vida toda; por isso Jesus e os escritos apost?licos admoestam os crist?os a realizar obras de amor.
38. De acordo com a concep??o cat?lica, as boas obras, tornadas poss?veis pela gra?a e pela a??o do Esp?rito Santo, contribuem para um crescimento na gra?a de tal modo que a justi?a recebida de Deus ? conservada e a comunh?o com Cristo, aprofundada. Quando cat?licos sustentam o car?ter “merit?rio” das boas obras, querem dizer que, segundo o testemunho b?blico, essas obras t?m a promessa de recompensa no c?u. Querem destacar a responsabilidade do ser humano por seus atos, mas n?o contestar com isso o car?ter de presente das boas obras nem, muito menos, negar que a justifica??o como tal permanece sendo sempre presente imerecido da gra?a.
39. Tamb?m entre os luteranos existe a id?ia de uma preserva??o da gra?a e de um crescimento em gra?a e f?. Acentuam, contudo, que a justi?a como aceita??o da parte de Deus e participa??o na justi?a de Cristo, sempre ? perfeita; mas dizem ao mesmo tempo que seu efeito na vida crist? pode crescer. Quando v?em as boas obras da pessoa crist? como “frutos” e “sinais” da justifica??o, n?o como “m?ritos” pr?prios, n?o deixam, no entanto, de entender a vida eterna, conforme o Novo Testamento, como “galard?o” imerecido no sentido do cumprimento da promessa divina aos crentes.
5. O significado e o alcance do consenso obtido
40. A compreens?o da doutrina da justifica??o exposta nesta DC mostra que entre luteranos e cat?licos existe um consenso em verdades b?sicas da doutrina da justifica??o. ? luz desse consenso as diferen?as remanescentes na terminologia, na articula??o teol?gica e na ?nfase da compreens?o da justifica??o descritas nos par?grafos 18 a 39 s?o aceit?veis. Por isso as formas distintas pelas quais luteranos e cat?licos articulam a f? na justifica??o est?o abertas uma para a outra e n?o anulam o consenso nas verdades b?sicas.
41. Com isso tamb?m as condena?es doutrinais do s?culo XVI, na medida em que dizem respeito ? doutrina da justifica??o, aparecem sob uma nova luz: a doutrina das Igrejas luteranas apresentada nesta Declara??o n?o ? atingida pelas condena?es do Conc?lio de Trento. As condena?es contidas nos escritos confessionais luteranos n?o atingem a doutrina da Igreja cat?lica romana exposta nesta Declara??o.
42. Com isso n?o se tira nada da seriedade das condena?es doutrinais referentes ? doutrina da justifica??o. Algumas delas n?o eram simplesmente infundadas; elas conservam para n?s “o significado de advert?ncias salutares”, que devemos observar na doutrina e na pr?tica [21].
43. Nosso consenso em verdades b?sicas da doutrina da justifica??o precisa surtir efeitos e comprovar-se na vida e na doutrina das Igrejas. A respeito existem ainda quest?es de import?ncia diversificada que exigem ulteriores esclarecimentos. Entre outras, por exemplo, a rela??o entre a palavra de Deus e doutrina eclesi?stica, bem como a doutrina a respeito da Igreja, da autoridade na Igreja, de sua unidade, do minist?rio e dos sacramentos, e finalmente a doutrina da rela??o entre justifica??o e ?tica social. Temos a convic??o de que a compreens?o comum obtida oferece uma base s?lida para esse esclarecimento. As Igrejas luteranas e a Igreja cat?lica romana continuar?o se empenhando por aprofundar a compreens?o comum e faz?-la frutificar na doutrina e na vida eclesiais.
44. Damos gra?as ao Senhor por este passo decisivo rumo ? supera??o da divis?o da Igreja. Rogamos ao Esp?rito Santo que nos conduza adiante para aquela unidade vis?vel que ? a vontade de Cristo.
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Notas
1) Os artigos de Esmalcalde II, 1 (Livro de conc?rdia: as confiss?es da Igreja Evang?lica Luterana, 3? ed., S?o Leopoldo, Sinodal, Porto Alegre: Conc?rdia, 1983, p?g. 312).
2) “Rector et iudex omnia genera doctrinarum” (Edi??o de Weimar das obras de Lutero, 39/I, 205).
3) Note-se que uma s?rie de Igrejas luteranas adotaram como base doutrin?ria compromissiva somente a Confiss?o de Ausburgo e o Catecismo Menor de Lutero. Estes escritos confessionais n?o cont?m condena?es doutrinais referentes ? doutrina da justifica??o em rela??o ? Igreja cat?lica romana.
4) COMISS?O MISTA NACIONAL CAT?LICO-LUTERANA, O evangelho e a Igreja, s.d.
5) GEMEINSAME R?MISCH-KATHOLISCHE/EVANGELISCH-LUTHERISCHE KOMMISSION (ed.), Kirche und rechtfertigung: Das Verst?ndnis der Kirche im Licht der Rechtfertigungslehre, Paderborn/Frankfurt, 1994.
6) Lutherish/R?misch-Katholischer Dialog in den USA: Rechtfertigung durch den Glauben (1983), in: Harding MEYER, G?nther GASSMAN (eds.), Rechtfertigung im ?kumenischen Dialog: Dokumente und Einf?hrung, Frankfurt, 1987, pp. 107-200. Em ingles: Lutherans and Catholics in Dialogue, Minneapolis, 1985, vol. VIII.
7) Lehrverurteilungen – Kirchentrennend?: vol. I: Karl LEHMANN, Wolfhart PANNENBERG (eds.), Rechtfertigung, Sakramente und Amt im Zeitalter der Reformation und heute, Friburgo/G?ttingen, 1986.
8) Gemeinsame Stellungnahme der Arnolshainer Konferenz, der Vereinigten Kirche und des Deutschen Nationalkomitees des Lutherischen Weltbundes zum Dokument “Lehrverteilungen – kirchentrennend?”, ?kumenische Rundschau, v. 44, pp. 99-102, 1995; incluindo os posicionamentos que servem de base a essa resolu?ao, cf. Lehrveruteilungen im Gespr?ch: Die ersten ofiziellen Stellungnahmen aus den evangelischen Kirchen in Deustschland, G?ttingen, 1983.
9) Na presente DC a palavra “Igreja” reproduz a respectiva autocompreensao das Igrejas participantes, sem que com isso se queira considerar resolvidas todas as questoes eclesiol?gicas a ela associadas.
10) Cf. Relat?rio de Malta nn. 26-30; Rechtfertigung durch den Glauben, nn. 122-147. Por incumbencia do di?logo sobre a justifica?ao nos EUA, os testemunhos neotestament?rios nao-paulinos foram examinados por John REUMANN, Righteousness in the New Testament, com rea?oes de Joseph A. FITZMEYER e Jerome D. QUINN (Filad?lfia/Nova Iorque, 1982), pp. 124-180. Os resultados deste estudo estao compilados no relat?rio de di?logo Justification by Faith [em alemao: Rechtfertigung durch den Glauben], nos nn. 139-142.
11) Cf. “Alle unter einem Christus”, n. 14, in: Dokumente wachsender ?bereinstimmung, vol. I, pp. 323-328.
12) Cf. WA 8, 106.
13) Cf. DS 1528.
14) Cf. DS 1530.
15) Cf. Apologia da Confissao de Ausburgo II, 38-45.
16) Cf. DS 1515.
17) Cf. DS 1515.
18) Cf. DS 1545.
19) Cf. DV 5.
20) Cf. DV 4.
21) Lehrverurteilungen – Kirchentrennend?, 32.
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