Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Doutrinas Jesus verdadeiro homem

Essa é a segunda matéria da série "Doutrinas", que começou com a doutrina da Trindade (edição de junho) e segue com o segundo item dos "25 Artigos de Religião" , criados por John Wesley no século 18:

 Do Verbo ou Filho de Deus que se fez verdadeiro homem

O Filho, que é o Verbo do Pai, verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai, tomou a natureza humana no ventre da bendita virgem, de maneira que duas naturezas inteiras e perfeitas, a saber, a divindade e a humanidade, se uniram em uma só pessoa para jamais se separar, a qual pessoa é Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, que realmente sofreu, foi crucificado, morto e sepultado, para nos reconciliar com seu Pai e para ser um sacrifício não somente pelo pecado original, mas também pelos pecados atuais dos homens.

 

A cristologia (a doutrina sobre Jesus, o Cristo) é, ao lado da doutrina da Trindade, a doutrina mais exclusivamente cristã. Do Espírito se fala em muitas religiões, de Jesus Cristo e da Trindade não. Temos então aqui algo muito especial cujo entendimento merece o nosso empenho. Aliás, este esforço de compreensão é, segundo os evangelhos, um mandamento do próprio Jesus. Quem compara Mt 22.35, Mc 12.33 ou Lc 10.27 com Dt 13.3, 26.16, 30.2, 30.6 e 2Rs 23.3 percebe uma diferença. No Novo Testamento se acresce ao mandamento de amar "Deus com todo seu coração e toda sua alma" um novo elemento: amar Deus com tudo seu pensamento ou entendimento. Para Jesus, a fé deve ser compreensiva. É nesta convicção que a Igreja formulou a sua doutrina que apela não somente à emoção, mas, à lógica.

As afirmações cristológicas do segundo artigo

O segundo artigo de fé leva a gente para o século XVIII. Mas a sua base anglicana é do século XVI e sua linguagem dos séculos três a cinco. Nesta época, formulou-se a cristologia clássica. Perguntava-se: Qual é a relação entre Jesus de Nazaré e Deus? Como descrever a relação entre Jesus de Nazaré e a humanidade? O que podemos crer sobre a pessoa e obra de Jesus? A resposta vem a nós na roupagem da filosofia grego-romana. Falava-se de pessoas, substâncias e naturezas. Hoje, não pensamos dessa forma. Mesmo assim, entendemos ainda bastante.

Primeiro, afirma-se a unidade entre o Deus criador (Pai) e Jesus Cristo. Substancialmente, não há diferença entre eles. No outro lado, confessa-se que Jesus desde sua gestação deve ser descrito como plenamente humano. A humanidade dele não é uma mera casca da sua verdadeira natureza divina. Por causa disso, o artigo enfatiza a realidade do sofrimento, do fato da crucificação e do sepultamento, ou seja, da morte, e interpreta-o como salvífico e reconciliador. Jesus se torna, somente, como o crucificado o Cristo; justamente nesta autodoação ele se mostra em plena sintonia com o Pai. Ao mesmo tempo, isso acontece por Jesus ser totalmente conforme os seres humanos, estado que ele não abandonou apesar de ser rejeitado por eles, até pelos seus próprios amigos.

Em busca de uma linguagem contemporânea

"Jesus Cristo, verdadeiro homem", diz o artigo. Em seguida, tentamos destacar este conteúdo com outras palavras, com a contribuição parcial do teólogo calvinista Wilfried Joest.

Em Jesus Cristo encontramos o ser humano radicalmente aberto para Deus

Segundo 1 Jo 4.2-3, a primeira dúvida a respeito da pessoa de Jesus Cristo era em relação a sua humanidade. Em resposta, o Credo Niceno-Constantinopolitano e o artigo de religião metodista afirmam que Jesus é "verdadeiro homem", ou seja, "verdadeiro ser humano". Isso é mais do que "realmente". Não se trata, somente, da questão de uma determinada substância e natureza, mas, de relações, escolhas e atitudes em liberdade. Para o cristão e a cristã, Jesus não era somente um ser humano qualquer, mas, o novo Adão que respondeu à sua vocação divina e correspondeu ao seu compromisso cívico livremente. Segundo o Novo Testamento, Jesus viveu de uma forma que justifica seu seguimento e sua imitação. Por causa disso, preservou-se a memória como Jesus se relacionou com Deus e com os seres humanos, crianças, mulheres e homens; publicanos e prostitutas, fariseus e saduceus, romanos, gregos e judeus, autoridades e humildes. Jesus Cristo tornou-se o modelo do verdadeiro ser humano.

Esta verdadeira humanidade, porém, não era vista isolada de Deus. Foi justamente a radical abertura de Jesus para Deus que estava no início desta verdadeira humanidade. Esta relação se confirmou na crise. Em Getsêmani Jesus admite não querer morrer; na cruz ele confessa a sensação de ser abandonado. Entretanto, não perde a sua radical abertura para com Deus. Não se silencia, mas ora e procura... Um ser humano verdadeiro, honesto e fiel, que não para de se dirigir a Deus, mesmo contra toda experiência do momento.

Em Jesus Cristo encontramos Deus radicalmente aberto para a humanidade e a criação

Esta atitude marcante, porém, não era, exatamente, popular. João resume: "Ele estava no mundo e o mundo não o conheceu. Veio e os seus não o receberam" (Jo 1.10-11). A humanidade não aceitou um salvador verdadeiramente humano e seu exemplo do tratamento radicalmente humano - e verdadeiramente divino- do próximo. Até hoje, muitas pessoas se escandalizam quando os seguidores e as seguidoras de Jesus propõem imitar aquilo que Jesus fez. Eles temem que isso provoque caos e irreparáveis danos no mundo e sua ordem. Perdoar em vez de punir, confessar em vez de mentir, confiar em vez de vigiar e controlar, acolher em vez de rejeitar, conviver em vez de se separar, se gastar em vez de se preservar, andar uma segunda milha com o outro em vez de se vingar: o jeito de Jesus, verdadeiro ser humano, parece ser impraticável ou, no mínimo, imprudente.

Contudo, sempre que a igreja redescobre este lado do ser humano verdadeiro de Jesus, ela se reforma e contribui para a transformação de pessoas, povos e nações. E isso tem, na sua essência, uma só razão: em toda esta verdadeira humanidade transparece o Deus verdadeiro. Em linguagem bíblica: Jesus é a imagem de Deus (2Co 4.4). O Deus que não quer sacrifício, mas justiça. O Deus que identifica justiça não com a cobrança divina, mas com seu próprio compromisso com o mundo. Um compromisso de qual ele não abre mão, nem face a face com a morte, nem face a face com morte na cruz. O Deus em cujo Reino o perdão, a reconciliação e novos compromissos possibilitam uma nova vida em comunhão e uma esperança que transcende até os limites de tempo e espaço.

Em Jesus Cristo, Deus traz isso além dos cultos do templo, às praças e ao campo, nas casas e nas ruas de uma forma acessível para pecadores/as, excluídas/os e auto-suficientes. Em Jesus Cristo, encontramos Deus radicalmente aberto para toda a humanidade e toda a criação.

Uma palavra final

Sabemos que nenhuma linguagem humana dá conta da plenitude do mistério de Deus que se revela a nós em Jesus Cristo, o crucificado (e ressurreto, conforme veremos no terceiro artigo de religião). Entretanto, esperamos ter reafirmado elementos chaves encontrados no segundo artigo da fé. Que Deus aprofunde a nossa compreensão e transforme-nos em seguidores e seguidoras de Jesus Cristo no cotidiano: com esperança contra a esperança, com fé capaz de enfrentarem as nossas mais profundas dúvidas, com amor disposto a cobrir multidão de pecados. Para alcançamos, pela graça, a nossa verdadeira humanidade.

Rev Helmut Renders, pastor da Igreja Metodista em Vila Rica, SP, e professor da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo.

VEJA TAMBÉM:

O primeiro artigo da série DOUTRINAS: A Trindade


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