educação prisional



REVISTA EDUCA??O – EDI??O 118






O caminho do bem
Reintegra??o de presos ? sociedade por meio da educa??o ainda ? um desafio num pa?s em que 10,5% dos detentos s?o analfabetos e 70% n?o conclu?ram o ensino fundamental.









 

Carolina Cassiano



Roberto da Silva estava duplamente condenado: ficar preso e n?o ter nenhuma perspectiva. Mas durante os 21 anos em que ficou enclausurado – 14 anos na extinta Febem e outros sete em pres?dios – aprendeu a gostar de ler. Ao sair da pris?o, em 1985, fez o supletivo e concluiu o ensino m?dio. Conseguiu fazer um curso superior de pedagogia, na Universidade Federal do Mato Grosso. Hoje, ? professor, mestre e doutor em educa??o pela Universidade de S?o Paulo (USP), autor de Os Filhos do Governo (?tica, 208 p?gs., R$ 24,90), e ocupa quase uma dezena de importantes cargos, como o de consultor da Organiza??o dos Estados Ibero-Americanos para a Educa??o, a Ci?ncia e a Cultura (OEI) e membro do Conselho Estadual de Pol?tica Criminal e Penitenci?ria do Estado de S?o Paulo. ? refer?ncia internacional na luta pela educa??o prisional que, acredita, ? a ?nica forma de um infrator passar a ser um cidad?o: "Ningu?m me ensinou nada na pris?o, o sistema n?o me ensinou nada de bom. Fui aprender tudo sozinho e isso me fez mudar de rumo".

Passados mais de 20 anos que Roberto saiu da pris?o, o cen?rio da educa??o prisional ainda deixa muito a desejar. Do total de presos brasileiros, 10,5% s?o analfabetos e 70% dos mais de 350 mil presos brasileiros n?o conclu?ram o ensino fundamental.








O ex-detento e professor Roberto da Silva em visita ao Educand?rio Sampaio Viana, onde morou: "a educa??o ? a ?nica forma de um Infrator passar a ser um cidad?o"


Apenas 18% dos detentos est?o envolvidos em atividades educacionais – e h? uma combina??o de explica?es para este ?ndice t?o baixo. Entre as principais causas est?o a falta de infra-estrutura para acolher salas de aula, o baixo interesse dos detentos em estudar e a incompatibilidade de hor?rios entre atividades laborais e as classes de estudo; trabalho e estudo s?o escolhas excludentes.


Al?m da hist?rica falta de organiza??o da educa??o em pres?dios no Pa?s, h? um impasse bastante conhecido de quem trabalha com educa??o prisional: a dif?cil rela??o entre a educa??o e a seguran?a. "A educa??o ? vista pelos agentes de seguran?a como algo que fragiliza a seguran?a do pres?dio; e, por outro lado, o professor diz que o agente tem m? vontade e que desmerece os estudos do preso", explica Carlos Teixeira, t?cnico educacional do MEC.


O problema se estende ao fato de que a maioria das escolas prisionais funcionam durante o dia, no mesmo hor?rio das atividades laborais de que podem participar os detentos. Tendo de escolher entre o trabalho e a escola, o preso prefere o trabalho: cerca de 45% dos detentos brasileiros est?o envolvidos em alguma atividade laboral. Isto porque o trabalho lhe assegura um percentual de um sal?rio m?nimo, todo m?s, e ainda lhe proporciona a redu??o de um dia de pena a cada tr?s dias trabalhados, a chamada remi??o. Para n?o s? incentivar que o preso estude, como tamb?m garantir-lhe o direito de ter acesso ? educa??o (direito este que muitas vezes o interno n?o teve antes de chegar ? pris?o ), discute-se no Brasil a altera??o da lei de execu?es penais para que todos os ju?zes brasileiros considerem os estudos na pris?o uma forma de diminuir a pena do detento.


Do c?rcere ? sala de aula


Uma pesquisa, encomendada pelo MEC e realizada pelo Centro de Teatro do Oprimido nas Pris?es, mostrou que os detentos reclamam da maneira como a pol?cia, o batalh?o de choque e os agentes penitenci?rios lidam com a educa??o. Realizado em cinco estados, o projeto previa que fossem montadas pe?as teatrais com grupos de presos com o tema da educa??o, para ouvi-los sobre esse assunto.


No Esp?rito Santo, os resultados do estudo mostraram que os detentos ouvidos reclamaram da falta de respeito com o material escolar. "Disseram que durante as revistas os materiais s?o destru?dos. O servidor p?blico n?o leva a s?rio, sinal de que o Estado d? com uma m?o e tira com a outra", critica B?rbara Santos, coordenadora nacional do projeto Teatro do Oprimido nas Pris?es.


No Rio de Janeiro, a queixa principal dava conta de que os agentes n?o levavam os detentos para as classes na hora certa. "Os agentes deixam esperando, abrem tarde a cela. A escola ? um instrumento de castigo, porque o detento fica sem estudar para ser retaliado", acrescenta B?rbara.


Em todos os Estados, ficou registrado que o caminho entre a cela e a sala de aula ? muito constrangedor. "Em geral, o agente ridiculariza o preso e diz que aquilo n?o serve para nada", diz B?rbara.


O presidente do Sindicato dos Agentes de Seguran?a Penitenci?ria do Estado de S?o Paulo (Sindasp), C?cero Sarnei, defende a categoria, dizendo que os agentes sabem da import?ncia da educa??o e que eles, sim, ? que ficam em situa??o delicada ao ter de observar se os presos est?o articulando rebeli?es ou outros conflitos durante as aulas. "Deveriam selecionar melhor os alunos, porque muitos n?o est?o interessados em aula, mas sim em montar opera?es durante esses encontros. E n?s n?o temos respaldo de ningu?m para fazer esse relato", reclama.


Sarnei acrescenta que ? um equ?voco achar que reeducar o preso ? um papel do agente de seguran?a. "Nosso papel ? inibir, impor disciplina e seguran?a. Fazemos parte do contexto reeducativo, mas n?o temos preparo formal para educar", defende-se. O presidente do Sindasp acredita que a educa??o serve para a forma??o do car?ter das pessoas, mas que "seria mais importante investir nela durante a inf?ncia e a adolesc?ncia, para que os jovens adquirissem os princ?pios morais". Como se v?, o debate ? longo.


Sala de aula


"Quando eu soube que fui selecionada para trabalhar na penitenci?ria, fiquei com medo. Ainda mais quando soube que a gente sabe que fica presa dentro da sala, durante a aula, com quase vinte homens. Mas logo aprendi que se voc? respeit?-los como pessoas, ao cruzar a grade, a sala se transforma numa classe comum." O relato ? de Gl?ria Maria de Almeida, professora do ensino fundamental da Penitenci?ria Doutor Pio Canedo, em Par? de Minas (MG), a 60 km de Belo Horizonte. A professora conta que nos dois anos que vem trabalhando com a turma viu muito progresso. "A escola muda a rela??o que o preso estabelece com as pessoas. Ele passa a ter princ?pios, dos quais ele havia esquecido ou nunca teve mesmo, e ainda morre de orgulho de poder chegar em casa com um diploma", ressalta.


Gl?ria lembra que se surpreendeu quando viu que alguns dos alunos que est?o ali, sob seus cuidados, j? foram seus alunos l? fora, quando crian?as. "Eles foram meus alunos e eu nada fiz por eles. Voc? se pergunta: ?o que a escola comum fez para estes homens ou para estas mulheres?? Nada. ? uma d?vida, talvez impag?vel, mas que pode ser consertada aos poucos", desabafa.


Alfabetizadora da ala feminina, Silv?nia C?ssia da Silva Farias diz que o papel do professor prisional ? muito mais amplo do que simplesmente ensinar conte?dos formais. "Se fora daqui o educador j? tem uma fun??o mais ampla, aqui, ele ? psic?logo, assistente social, m?e. Durante a aula mesmo, ou?o as viv?ncias deles e aproveito para fazer reflex?es ou propor um texto coletivo sobre esse tema, por exemplo. A aula ? muito rica", conta.


Jos? (nome fict?cio), 32 anos, ? um dos presos da penitenci?ria mineira. Dois anos atr?s, ele n?o sabia ler nem escrever. Nas aulas da professora Raquel de Queiroz, aprendeu o b?-?-b?. "Saber ? muito gratificante. Se eu tivesse estudado antes, podia at? n?o ter entrado aqui. Acho que o que estou aprendendo aqui vai me ajudar muito na conviv?ncia com as pessoas l? fora, que vai ser mais humana do que era quando entrei. Eu era muito nervoso e foi a aula que me acalmou", afirma.


A professora reitera. "O progresso do Jos? e de outros alunos ? tanto na aprendizagem, quanto na vida pessoal. H? grandes mudan?as no comportamento de cada um. O Jos? era bravo demais. A educa??o o acalmou", diz a professora. Ela tem uma teoria sobre a educa??o no pres?dio: "Para ser professor em uma pris?o, tem de ter muito mais jogo de cintura do que conhecimento".


Ainda n?o h? no pa?s cursos espec?ficos para preparar os professores da rede p?blica para atender ?s necessidades desse p?blico. "Precisamos fazer com que as universidades se envolvam nesta causa, assim como tamb?m ? preciso pesquisas nesta ?rea, metodologias e materiais did?ticos", ressalta Timothy Ireland, diretor de Educa??o de Jovens e Adultos do MEC.


Poder do giz








Raquel de Queiroz: "Para ser professor em uma pris?o, tem de ter muito mais jogo de cintura do que conhecimento"


Segundo dados de 2003 do Minist?rio da Justi?a (MJ), 82% dos presos brasileiros voltam para o crime. Alarmante, o ?ndice mostra que raros s?o os casos daqueles que, depois de cumprir uma pena de reclus?o, conseguem encontrar um novo rumo na vida que n?o o crime. Marcos Roberto Santos de Abreu ? exce??o. Ele descobriu um novo projeto de vida enquanto cumpria pena por porte ilegal de arma. Preso em 2003, aos 34 anos, ele participou de uma sele??o feita pela Funda??o de Amparo ao Preso (Funap), ligada ? Secretaria de Administra??o Penitenci?ria, do Estado de S?o Paulo, para se tornar um preso-monitor.


"S? fui porque queria ocupar o tempo, n?o porque pensasse na import?ncia da educa??o", admite Marcos, que j? tinha conclu?do o ensino m?dio antes de ser preso. Ele conta que, ? ?poca, n?o estava procurando um novo caminho para a vida, estava "revoltado". "Voc? fica sem acesso a nada e a nenhum parente, bate um grande arrependimento. Ao mesmo tempo, est? tudo perdido mesmo, a press?o psicol?gica ? grande e voc? n?o v? perspectiva, acha que vai voltar para o crime mesmo", diz.

Marcos tinha dois filhos, era separado, morava na periferia da zona leste de S?o Paulo e vivia uma situa??o financeira complicada. Tinha uma loja de fotoc?pias, era instrutor de auto-escola e fazia bicos como mec?nico. "A gan?ncia me levou ao crime. Fiz amizades porque estava interessado em um ganho mais r?pido", lembra.


Ao ser selecionado para ser monitor, recebeu um preparo, durante dois meses, seis horas por dia, com apoio do Instituto Paulo Freire, para passar a dar aulas para outros detentos. Come?ou a lecionar para 5a a 8a s?rie, depois passou para o ensino m?dio, em todas as disciplinas. "No come?o, fiquei tenso, at? porque existia certa d?vida com rela??o ? capacidade do professor, porque eu era um dos presos. O preconceito vinha dali mesmo, entre os pr?prios presos, e tamb?m dos agentes. Ouvi um dizer: ?onde j? se viu ladr?o ensinar ladr?o? Vai ensinar o que: a roubar??", conta.


Marcos se apaixonou pela nova vida, pelas aulas, pelo saber. Conseguiu a liberdade em novembro de 2006, depois de tr?s anos de pena cumprida, e com um projeto de vida: queria prestar vestibular e se formar professor. Prestou e passou no vestibular. Inicia as aulas de pedagogia, em uma faculdade particular de Campinas, neste ano, com 50% de bolsa, que conseguiu com ajuda da Funap. "Nunca tinha tido a chance na vida de ter algu?m por perto que confiasse tanto em mim. Tenho certeza de que se n?o tivesse conhecido a educa??o, e pessoas que acreditassem em mim, teria continuado no crime ou teria sido morto dentro da cadeia", avalia.








Gl?ria Maria de Almeida, professora da Penitenci?ria Doutor Pio Canedo, em Minas Gerais: "A escola muda a rela??o que o preso estabelece com as pessoas



A Funap, entidade que elabora projetos ligados a educa??o, cultura e trabalho para presos das 144 penitenci?rias do Estado de S?o Paulo e tamb?m para egressos dela, tem 130 presos monitores em todo o Estado. Elisande Quintino trabalha na Funap h? 15 anos, 13 deles como professora dos presos. Ela diz que, embora o n?mero de presos interessados em estudar ainda seja baixo, o importante ? que aqueles que estudam sejam multiplicadores de conhecimento. "Os presos que estudam devem sempre estimular os outros. Com um incentivo, o cen?rio pode mudar", diz a supervisora da Funap-Campinas.


Remi??o


Apesar de a lei n?o prever isso, hoje 15 Estados brasileiros j? costumam oferecer a remi??o da pena em troca de estudo, mas este benef?cio fica a crit?rio do juiz de execu?es penais. O juiz-corregedor do departamento de execu?es criminais de S?o Paulo, Carlos Fonseca Monnerat, foi um dois pioneiros nessa pr?tica. Nove anos atr?s, na cidade litor?nea de S?o Vicente, Monnerat come?ou a levar em considera??o o n?mero de horas estudadas e o desempenho escolar do preso para redimi-lo de parte da pena. "A cada 12 horas de estudo, somava um dia de pena cumprida. H? outros colegas que entendem que s?o oito horas de estudos que equivalem a um dia de pena a menos", conta.


Monnerat fundamenta a decis?o no conceito de reintegra??o ? sociedade. "Nosso sistema n?o permite a pris?o perp?tua nem pena de morte, logo, todo mundo vai sair e voltar ? sociedade. O trabalho, que oficialmente redime, ? repetitivo e forma especialistas sem aplica??o fora da pris?o, como um especialista em fazer pregadores", lamenta.


Em setembro de 2005, os ministros do MEC e do MJ assinaram um protocolo de inten?es que mostrava a disposi??o das partes em lutar pela altera??o da lei de execu?es penais de modo a permitir a remi??o pelo estudo. Hoje um projeto de lei do MJ est? pronto e deve ser encaminhado ao Congresso Nacional, em que j? tramitam tr?s projetos da sociedade civil, com o mesmo objetivo.


O juiz-corregedor do Decrim acredita, por?m, que a sociedade ainda n?o v? com bons olhos quaisquer medidas que parecem beneficiar um infrator. "Tudo o que ? feito e que parece bom para o preso recebe cr?ticas da sociedade, que acredita ser uma benesse. Mas todo mundo que trabalha na ?rea sabe que n?o ? benef?cio, ? direito. E mais ainda, que o Estado deve melhorar as condi?es para minorar a reincid?ncia", avalia Monnerat.


Desafios








Marcos de Abreu: "Se n?o tivesse conhecido a educa??o, e pessoas que acreditassem em mim, teria continuado no crime"


J? h? dois anos, o Minist?rio da Justi?a e o da Educa??o se aproximaram para tentar criar um plano conjunto de pol?ticas educacionais para os pres?dios. Juntas, as pastas liberaram para os Estados brasileiros R$ 2,5 milh?es para fortalecer o programa de Educa??o de Jovens e Adultos (EJA), que ? a base metodol?gica do ensino aplicado nos pres?dios brasileiros. Um dos projetos surgidos dessa parceria foi o Educando para a Liberdade, um programa que envolve 12 Estados brasileiros e que convida as secretarias de educa??o e seguran?a a dialogar entre si.


"Conhecemos casos em que os secret?rios de seguran?a e de educa??o nem se conhecem, portanto, n?o estava em pauta pensar em uma pol?tica conjunta de educa??o prisional", diz Rosangela Peixoto Santa Rita, coordenadora de apoio ao ensino do Departamento Penitenci?rio Nacional (Depen/MJ). Nesse programa, foram estabelecidos tr?s eixos principais: gest?o e articula??o; forma??o de professores e agentes penitenci?rios; e propostas e materiais pedag?gicos.


Entre os Estados que trabalharam com essa proposta de forma??o de professores e agentes do sistema, chamou a aten??o do MEC o projeto do Cear?, que propunha que funcion?rios dos pres?dios ouvissem os detentos. O projeto, coordenado pela Universidade Federal do Cear? (UFC), envolveu mais de 400 funcion?rios de todo o Estado, entre eles agentes penitenci?rios, m?dicos, assistentes sociais, psic?logos, diretores e professores, entre outros funcion?rios dos pres?dios. Cada funcion?rio passava por uma semana de aulas que estimulavam a reflex?o sobre a perspectiva de vida do preso, sobre espiritualidade, sobre o trabalho do agente penitenci?rio, sobre o processo de aprendizagem, ecologia, entre outros temas.


Depois, tinham como miss?o ouvir longamente alguns presos, fazendo a seguinte pergunta: o que voc? aprende em cada setor do pres?dio? "As respostas mostraram muito sofrimento e indicavam que o preso aprendia a ser um delinq?ente porque era tratado como tal o tempo todo. Todas as demais dimens?es desse ser humano eram tolhidas porque ele era rotulado como algu?m de quem sempre se espera o pior", analisa ?ngela Linhares, professora da p?s-gradua??o do N?cleo de Movimentos Sociais, Educa??o Popular e Escola da Faculdade de Educa??o da Universidade, que prop?s este trabalho.









Carlos Fonseca Monnerat: "O trabalho, que oficialmente redime, forma especialistas sem aplica??o fora da pris?o"


"Os presos abriram o cora??o para os funcion?rios, o que fez muitos dos agentes mudarem sua vis?o sobre sua miss?o ali dentro, porque a educa??o deve estar presente em todos os espa?os e n?o s? na sala de aula. Foi um di?logo transformador", diz ?ngela.


Punir ou reintegrar?


Independentemente de fazer valer a remi??o, o estudo continua sendo um direito inalien?vel dos homens e mulheres privados de liberdade, dizem os especialistas. Segundo B?rbara Santos, do Teatro do Oprimido, a falta de preocupa??o com o estudo do preso reflete o descaso que a sociedade brasileira tem com a educa??o. "Estudar ainda n?o ? essencial na nossa sociedade, mesmo fora dos pres?dios, por isso n?o ? considerado um direito humano inalien?vel b?sico, como ? comida e sa?de", diz.


A coordenadora do CTO diz, no entanto, que a sociedade deve amadurecer o quanto antes e aceitar a import?ncia da educa??o prisional. "A sociedade precisa entender que, sem educa??o, a penitenci?ria ? a forma mais cara de apenas tornar as pessoas muito piores." A pergunta que fica ?: vale pagar um pre?o t?o alto?



INICIATIVA SUPERIOR


Em Porto Alegre, faculdade privada faz parceria com penitenci?ria feminina e oferece bolsas de estudos a detentas e ex-presidi?rias.


Em outubro de 2005, o Instituto de Porto Alegre da Igreja Metodista (IPA) procurou a Superintend?ncia de Servi?os Penitenci?rios do Rio Grande do Sul para propor um conv?nio que permitisse oferecer algum curso superior das faculdades do IPA na Penitenci?ria Feminina Madre Pelletier. O conv?nio, in?dito no Pa?s, foi fechado. Das cerca de 450 mulheres detidas na penitenci?ria, apenas 26 tinham ensino m?dio completo e, portanto, poderiam prestar vestibular. Dessas, 22 passaram no vestibular e escolheram, por maioria, o curso de servi?o social. Para completar a turma, 30 funcion?rias foram selecionadas no vestibular. O IPA bancou a reforma da escola, montou uma biblioteca, equipou com 10 computadores, fez duas salas para 40 e 60 alunas e ofereceu material did?tico.


O vestibular tem a mesma prova daquela aplicada na faculdade, assim como o projeto pedag?gico ? id?ntico ?quele do campus. Os professores que, de segunda a sexta, das 19h20 ?s 22h50 ministram as aulas dentro da penitenci?ria, tamb?m s?o os mesmos que ensinam na faculdade. A biblioteca tem os livros de que as detentas precisam e os professores ainda a alimentam com artigos fotocopiados, que distribuem ?s alunas. A ?nica diferen?a ? que as detentas entregam os trabalhos em disquetes, em vez de ser impressos ou por e-mail. No segundo semestre de aulas, ano passado, nove alunas conseguiram a progress?o para o regime semi-aberto. Desde ent?o, cursam a faculdade no campus do IPA e continuam com bolsa integral.


"A experi?ncia, ao que se sabe, ? pioneira no Pa?s e em boa parte do mundo. Convidamos os professores que desejavam participar desta experi?ncia e todos aderiram", diz Neila Sperotto, coordenadora do curso de servi?o social do IPA. Se os professores n?o foram resistentes, o mesmo n?o se pode dizer da categoria de servidores sociais.


O que surpreendeu o IPA foi o movimento contr?rio ? iniciativa da faculdade de oferecer esse curso para as detentas, vindo desses servidores da categoria que trabalham hoje naquela penitenci?ria. "Disseram que seria eticamente inaceit?vel que ex-detentas atuassem na ?rea. Outros disseram que elas s?o bandidas e est?o ganhando o curso pelo qual muitas tiveram que pagar. Fomos chamados no conselho regional para discutir o tema. Havia um movimento muito forte, mas que n?o tem amparo legal algum para nos impedir de ministrar o curso", diz Neila.


A coordenadora lamenta esta postura, que chama de "hipocrisia social". "Isto reflete o pensamento de boa parte da popula??o, de que preso n?o tem direito a estudar. Assim tamb?m dizem muitos pol?ticos, como se isso fosse trazer a solu??o."



PRIS?O, UM FRACASSO DE TODOS


Segundo o diretor mundial da Unesco, o diferencial de um pa?s para outro ? a quantidade de recursos e qu?o priorit?rio ? o tema nas suas agendas.








Marc De Maeyer : ? importante que o professor ignore o delito cometido pelo aluno preso porque ele n?o est? l? para questionar isso


O belga Marc De Maeyer j? visitou 100 pres?dios, em 60 pa?ses, na condi??o de diretor mundial da Unesco para a educa??o nos pres?dios. Na maioria deles, as condi?es para a educa??o ainda s?o prec?rias. "A realidade padr?o ? de 3 a 5 classes para dois mil prisioneiros. J? d? para imaginar no que isso resulta", avalia.


Nesta entrevista, o representante da Unesco, que participou das discuss?es para a cria??o da rede latino-americana de educa??o em pres?dios, analisa o papel da educa??o no c?rcere e dispara: "Em toda parte do mundo, a pris?o ? um fracasso". Acompanhe os principais trechos.


As condi?es dos pres?dios s?o prec?rias no mundo todo?


Cada pa?s tem uma situa??o econ?mica e hist?rica ?nica, mas o que os diferencia em termos de educa??o para prisioneiros ? a quantidade de recursos e qu?o priorit?rio ? o tema nas suas agendas. Em toda parte do mundo, a pris?o ? um fracasso para o detento e para a sociedade. ? claro que na Dinamarca, por exemplo, s?o apenas tr?s mil presos no sistema, o que equivale a meio pres?dio brasileiro. Ent?o, d? at? para dizer que l? a educa??o no pres?dio funciona, mas n?o d? para comparar porque as realidades s?o muito d?spares.


A educa??o nos pres?dios pode minimizar os problemas sociais?


Acredito que sim. Uma das fun?es da educa??o ? contribuir para resolver o problema da viol?ncia, da sa?de e outros problemas sociais. H? quem diga que, como temos problemas com sa?de e viol?ncia, ent?o educa??o no pres?dio n?o ? prioridade. Outra vis?o ? aquela que enxerga nesta educa??o uma chance de organizar a vida e melhorar outros aspectos. Sou desta linha.


Qual o papel do professor do sistema prisional?


S? a presen?a do professor, que ? um representante da sociedade civil, j? lhes traz oxig?nio. O professor deve oferecer informa?es personalizadas ao prisioneiro, amparo emocional, abordar aspectos pessoais, falar das dificuldades. ? professor, psic?logo, m?e, tudo junto. Claro que n?o pode fornecer informa?es que atinjam a seguran?a e as quest?es judiciais. Mas ? importante que se mantenha uma rela??o de normalidade, ignorando o delito cometido porque o professor n?o est? l? para questionar isso.


Em geral, os prisioneiros querem estudar?


N?o querem. Tanto porque a experi?ncia com o estudo n?o foi boa, quanto porque ele pensa: prefiro trabalhar e ganhar um xampu em troca, do que gastar tempo com aquilo que n?o me trar? nada, nem agora nem no futuro. Mas o trabalho deve ser feito de modo a resgatar boas experi?ncias de quando estava fora, tomar consci?ncia de oportunidades que poder? ter na vida, mostrar que pode pensar em projeto diferente de vida. O preso chega no pres?dio e vai desaprender. Desaprender a lidar com o tempo, a lidar com a intimidade, a se relacionar com as pessoas e com a fam?lia. Tudo muda muito. Portanto, esta acaba sendo uma oportunidade de desaprender uma s?rie de coisas indesej?veis e passar a aprender outras que interessam para este novo futuro.


O senhor v? a educa??o como forma de reintegra??o?


A educa??o deve ser vista como um direito, n?o para a reintegra??o. Claro que isso ? muito importante, mas se a reintegra??o for imposs?vel, a educa??o continua a ser um direito. N?o devemos instrumentalizar a educa??o unicamente para um papel social ou do tipo pol?tico-social. A educa??o pode ser uma solu??o se for uma educa??o ao longo da vida, n?o apenas do tipo profissional ou a reeduca??o. ? para muitos presos a primeira oportunidade de compreender sua hist?ria e de tratar de desenvolver seu pr?prio projeto de vida.


REMI??O: UM DIREITO DE QUEM ESTUDA








A escola deve ser um direito mesmo que o detento n?o seja reintegrado ou reintegr?vel ? sociedade.


A no??o de educa??o prisional como direito est? no auge das discuss?es em todo o mundo. Em novembro do ano passado, por exemplo, o Brasil acolheu, em Belo Horizonte, as discuss?es do F?rum Educacional do Mercosul, que tinha como um dos n?cleos de debates o Semin?rio de Educa??o Prisional, que recebeu autoridades neste assunto de toda a Am?rica Latina e Europa e de entidades ligadas ? educa??o e direitos humanos. O objetivo era criar uma rede latino-americana de discuss?es, que colocasse na pauta dos governos de cada pa?s a educa??o prisional como direito inalien?vel de todos e as poss?veis solu?es para tornar essa educa??o mais proveitosa.




Os especialistas em educa??o prisional defendem que a escola deve ser um direito mesmo que o detento n?o seja reintegrado ou reintegr?vel ? sociedade.


Em muitos pa?ses, a remi??o j? ? lei h? d?cadas. "Por tr?s da remi??o, est? o conceito de pris?o, que ou tem uma perspectiva de puni??o ou uma vis?o de ressocializa??o. N?s a vemos como forma de reintegrar ? sociedade, por isso a educa??o pode acelerar esse processo de soltura do condenado", diz Hernando Lambuley, chefe da divis?o de desenvolvimento social do Instituto Nacional Penitenci?rio e Carcer?rio da Col?mbia. Na Col?mbia, a cada cinco dias de aula, um a menos de pena a cumprir.


No Equador, a conta ? sete dias de estudo igual a um de pena cumprida. No entanto, a remi??o n?o vale para assassinos e narcotraficantes. "Estes n?o t?m esse direito em fun??o da gravidade do delito", explica Eduardo Chiliquinga, coordenador-geral do Minist?rio da Educa??o e Cultura do Equador.


J? a Fran?a, como outros pa?ses mais avan?ados, est? na contram?o. O pa?s, que tem 65 mil presos, implementou novas pol?ticas para a educa??o nos ?ltimos 15 anos, entre elas, o fim da remi??o da pena por estudo. "Achamos que n?o se deve estudar como meio de sair da pris?o, mas para aprender e melhorar. Al?m do mais, somando com a remi??o por trabalho, a pena ficava muito reduzida", diz a francesa N?ria Aligant, representante da Uni?o Europ?ia, que tamb?m esteve nas discuss?es de BH.


A educa??o nas pris?es acaba de ser incorporada na nova Lei Nacional de Educa??o Argentina. L?, o estudo funciona apenas como sin?nimo de bom comportamento, mas n?o h? equival?ncia estabelecida de dias estudados em troca de pena cumprida. "O estudo ? valorado como boa conduta, como algu?m que est? interessado em mudar de rumo na vida", diz Stella.


 




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