Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Entrevista

Professora da FaTeo dá entrevista sobre participação de evangélicos nas eleições
A grande mídia “adotou” Marina


As eleições presidenciais deste ano, de modo diferente das duas anteriores, trouxeram um elemento novo: a estratégia da grande mídia em adotar uma candidatura para projetar o segundo colocado e garantir o segundo turno. Se em 2002, José Serra chegou ao segundo turno e conseguiu apenas 39% dos votos válidos, e em 2006, Geraldo Alkmin fez o mesmo e com mesmo resultado, buscou-se outra estratégia.

Diante do risco de repetir a estratégia e o resultado pífio, a eleição deste ano traz como novidade a carona da candidata ecológica e evangélica, para ver se os tucanos “desencantam”.

Para entender o fenômeno, ALC entrevistou a doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, Magali Cunha. Ela atua como docente na Universidade Metodista de São Paulo, é autora do livro A explosão gospel. Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil, publicado pela Mauad, e edita o blog Os Evangélicos e as eleições 2010 no Brasil.


ALC - O voto dos evangélicos é conservador ou já foi mais conservador e está mudando?

Magali - Não sou analista de política. Acompanho as tendências no campo da pastoral e na relação igreja-sociedade, e tenho percepções. Apesar de ser uma tendência, não dá para classificar o voto dos evangélicos, como grupo, como corporação, como conservador, de forma taxativa. Quando pensamos nos evangélicos, temos que levar em conta vários fatores pastorais: em primeiro lugar, o clericalismo que marca a realidade das igrejas e que tornam as pessoas comuns, o chamado “povo das igrejas” algo como “massa de manobra”. Assim me refiro ao fato de que muitos evangélicos votam em certos candidatos porque “o pastor mandou”. Isto é realidade. Pastores são formadores de opinião e assumem este papel em boa parte das vezes não para orientar, mas para “ditar” a partir dos seus valores, dentro da lógica “ouvir o pastor é ouvir a voz de Deus”. E não estou falando de pentecostais tão só, mas também das igrejas históricas, e nem só de pobres, como também da classe média.


ALC - A orientação política das elites sobre as igrejas evangélicas de classe média é semelhante à orientação pastoral aguerrida sobre as igrejas pentecostais?

Magali - A matéria que o Wall Street Journal publicou ontem (http://www.evangelicoseleicoes2010.blogspot.com/) tem um depoimento que reflete isto. Como metodista, tenho visto isto acontecer bastante, ainda mais em tempos de força dos chamados movimentos celulares, em que a relação líder-discípulo é baseada em clericalismo e autoritarismo. Portanto, quem é conservador? O membro da igreja que vota seguindo o que o pastor mandou? Ou o pastor que lhe deu a opção? Fato é que boa parte destes líderes têm uma herança que está no DNA da formação evangélica no Brasil, que é o fechamento ao novo, à mudança, e a postura interesseira e corporativa, isto é, é bom para o país é o que é bom para a religião. Daí a máxima “evangélico vota em evangélico”, na certeza de que estes políticos vão defender causas próprias do segmento evangélico, que raramente interferem na ordem social e apenas se revertem em “praças da Bíblia”, criação de feriados para concorrer com os católicos, benefícios para templos. Basta conferir os partidos aos quais estes evangélicos estão afiliados.

Além disso, ainda tem o fator “demonização”. Isto é forte na cultura evangélica. Daí o valor que é dado à chamada “boataria”. O pessoal acredita em tudo isto porque quer acreditar e, nesse caso, o demônio faz a escolha, interessante, sempre pela esquerda. Isto é um fenômeno cultural. E relacionado ao imaginário religioso e político. Não foi à toa que a revista Veja publicou uma capa sobre o MST e o Stédile, e o retrato era o próprio diabo. A mídia sabe mexer com este imaginário. É fato que desde os anos 90, este quadro tem mudado com o surgimento de políticos evangélicos “de esquerda” e o Movimento Evangélico Progressista é parte desta história. Mas tem o DNA...


ALC - Se a candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, não sofreu perdas significativas e José Serra, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), não teve crescimento real, o novo foi o protagonismo inesperado de Marina Silva, do Partido Verde (PV). O que ela vai fazer com esse capital, que é muito volátil?

Magali - Eu não tenho pesquisa sistematizada sobre isto, mas conclusões a partir do acompanhamento que tenho feito do noticiário. Mas este “protagonismo” parece ser avaliação da grande mídia, que definitivamente apoia Serra. Se voltarmos às eleições de 2002, em que havia um candidato evangélico, Anthony Garotinho, vamos verificar que ele teve quase o mesmo percentual de votos de Marina.

Se levarmos em conta que a juventude e a classe média estão em busca de alternativas, e uma parcela da intelectualidade, frustrada com Lula e o PT, que nada têm a ver com os evangélicos – que votaram em Marina em 2010 mas não votaram no Garotinho em 2002 – podemos até concluir que ele teve mais adesão religiosa naquele momento. Além do fato de a grande mídia ter “adotado” Marina, o que não aconteceu com Garotinho.

De qualquer forma, assim como Garotinho, Marina teve uma votação expressiva, que não pode ser desconsiderada. Fato é que Marina Silva tem um passado de engajamento social e na esquerda, que nunca lhe rendeu apoio entre os evangélicos antes, em direção bastante diferente da trajetória de Serra, mas que neste segundo turno deve fazer diferença, se ela optar por coerência.


ALC - Se o discurso político do PV é incerto e a máquina partidária é controlada por "aliados", o que Marina deve dizer a quem votou nela?

Magali - Assim como Heloisa Helena em 2006, Marina é uma dissidente do PT, que carrega frustrações e mágoas. Heloísa Helena pregou o voto nulo. Esta postura já está sendo pregada por vários eleitores de Marina. Portanto, se a mesma atitude for assumida por ela, não seria surpreendente. Mas, repito, se optar pela coerência, o apoio à Dilma é o que lhe cabe.


ALC - O evangélico tenderá a ser mais sensível a Serra ou a Dilma?

Magali - Como boa parte da massa evangélica tem se tornado “massa de manobra” e faz “o que o pastor manda”, é preciso acompanhar os pronunciamentos de lideranças. Silas Malafaia, por exemplo, já se manifestou por Serra. Os da Universal do Reino de Deus e Manoel Ferreira permanecem com Dilma. Creio que vai haver uma divisão interessante.


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