Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

explosão gospel resenha

   

Livro da profa Magali Cunha, da Faculdade de Teologia da Umesp, ganha destaque em caderno de cultura do jornal Folha de S.Paulo

Matéria publicada na Folha de S.Paulo, 10/02/2008

Sons dessacralizados

"A Explosão Gospel" analisa como o gênero mudou o protestantismo, e "Música e Simbolização" enfoca o mangue beat

LIVIO TRAGTENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

O lançamento dos livros "A Explosão Gospel", de Magali do Nascimento Cunha, e "Música e Simbolização", de Rejane Sá Markman, mostra a diversidade na abordagem dos estudos da cultura contemporânea. O primeiro, informativo e crítico, e o segundo, acadêmico, no sentido mais estéril do termo.
Não consigo entender por que a universidade mantém certas fôrmas para as teses universitárias, que se repetem à exaustão, num tipo de formulação que muitas das vezes serve para desconversar sobre o tema, criando uma casca teórica que preenche o espaço das idéias originais.
Desse marasmo convencional e acadêmico escapa o livro "A Explosão Gospel". A autora, membro da Igreja Metodista e pesquisadora, traça um elucidativo painel das transformações por que passou o universo do protestantismo no Brasil desde sua implementação por missionários norte-americanos no século 19.
Conclui que, além da música, uma nova forma de relacionamento entre igreja e sociedade, a criação de um mercado próprio de consumo, resultou num novo modo de viver do protestante, que "resulta numa modernização de superfície".
Uma relativização da "ética protestante", já estudada pelo sociólogo alemão Max Weber, que nesse novo contexto redimensiona "a santidade puritana de repressão do corpo e valoriza a expressão corporal tanto no culto quanto nos espaços de lazer e entretenimento criados para os evangélicos".
Ao contrário da Igreja Católica, os protestantes, de forma geral, agregaram a tecnologia da comunicação -a "espetacularização da fé"- buscando a ocupação de espaços na televisão, no rádio e no mercado fonográfico: "Não há mais culto em igrejas protestantes sem eletrônica, e não há mais devoção pessoal sem a mídia", segundo a autora.
É interessante notar que esse movimento remonta aos anos 1950. Já nos anos 70, era comum encontrar grupos de jovens, com um visual hippie, entrando nos ônibus das grandes cidades brasileiras entoando canções protestantes; eram "os meninos de Deus".
Esse percurso é tratado de forma detalhada até a nova geração dos cantores gospel, que inclui uma ampla fauna, desde Mara Maravilha a Baby do Brasil -que fundou sua própria igreja- até os DJs de Cristo e os "adoradores", uma forma híbrida de músico e pastor.
Um pequeno exemplo desse movimento em direção à sociedade foi minha classe de composição na Universidade Estadual de Campinas (SP) nos anos 90, composta em quase sua totalidade por estudantes evangélicos, bancados por suas igrejas para que, depois de formados, nelas trabalhassem.
O livro identifica também uma "postura de superioridade cultural dos missionários protestantes estadunidenses", que rejeitaram incorporar a cultura popular brasileira -assim como fizera Lutero em relação à cultura alemã-, para concluir que todo esse movimento preserva ponto básicos do conservadorismo protestante: os dualismos igreja/mundo e sagrado/profano e o sectarismo, o antiecumenismo, o clericalismo e o antiintelectualismo.
"A Explosão Gospel" é um livro essencial para entender o fenômeno dos evangélicos, suas estratégias e formas de relacionamento com o mundo de hoje. Um exemplo de pesquisa que não patinou no limbo do academicismo.

Contraponto
Já "Música e Simbolização" aborda o movimento musical mangue beat como fenômeno de contracultura. Originalmente uma tese de doutorado, sofre dos vícios da metodologia -tão valorizada na academia, mas que, sem o concurso de idéias originais, esgota-se num discurso fechado sobre si mesmo.
O livro nos conduz por explanações contextuais para cada novo tópico abordado. Conceituações retrospectivas nos remetem sucessivamente à Idade da Pedra de cada tema. Apenas o último terço do livro aborda diretamente o universo do mangue beat.
Após esse périplo contextual, somos informados de que o mangue beat foi rechaçado pelo conservadorismo local dos "folcloristas" e de intelectuais ligados ao Movimento Armorial e que suas músicas, além de incorporarem ritmos populares como o maracatu e os caboclinhos, entre outros, fazem uso de expressões idiomáticas populares e apontam para a critica social.
Ora, isso já está explicitado nas próprias composições. A questão é que às vezes as obrigações da metodologia ocupam o espaço do próprio aprofundamento do tema.
Ao final da leitura, complementada por mapas e tabelas que nada acrescentam de substancial, nos damos conta de que o tema tanto poderia ser o mangue beat quanto a evolução do cultivo da cana-de-açúcar...
Uma vez que a fôrma do discurso prevalece. São as mazelas da academia e de certa metodologia que serve mais para esconder o objeto.


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LIVIO TRAGTENBERG é compositor e diretor musical da Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo.


A EXPLOSÃO GOSPEL
Autor: Magali do Nascimento Cunha
Editora: Mauad (tel. 0/xx/21/3479-7422)
Quanto: R$ 38 (232 págs.)

MÚSICA E SIMBOLIZAÇÃO
Autor: Rejane Sá Markman
Editora: Annablume (tel. 0/xx/11/ 3031-9727)
Quanto: R$ 30 (232 págs.)

 

 

 


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