V?rias igrejas evang?licas, inclusive algumas metodistas, t?m destacado textos b?blicos que citam a antiga tribo dos gaditas como inspira??o para a espiritualidade dos dias de hoje. ? importante, no entanto, conhecer a hist?ria da tradi??o dessa tribo.
O adjetivo gadita vem do nome Gad, uma palavra sem?tica ocidental. No Antigo Testamento, a raiz gd foi usada com dois significados: 1) Como nome pr?prio: Gad era um dos filhos de Jac? e Zelfa (Gn 30,10-11), que viria a dar o nome da tribo de Gad, que se estabeleceu a oeste do rio Jord?o, cuja extens?o ia do rio Arnon at? ao sul do lago Quinerete (Tib?rias). Localizada fora de Cana?, essa tribo estava em constante conflito com os povos fronteiri?os. Da? as suas qualidades guerreiras, exaltadas nas b?n??os de Jac? (Gn 49,19) e de Mois?s (Dt 33,20-21). 2) Gad tamb?m tinha o significado de "fortuna" ou "sorte". Alguns estudiosos sugerem que o termo gad tem seu significado nas palavras de Lia: E disse Lia: bagad, Afortunada! E chamou o seu nome Gad (Gn 30,11; conforme Is 65,11).
O uso da palavra gad com o sentido de afortunado era, provavelmente, o mais corrente. No ?mbito secular, a palavra gad ? usada como uma interjei??o, ou seja, uma express?o para demonstrar um sentimento, como "Que sorte!", conforme Gn 30.11. O autor deste texto fornece um valioso testemunho que pode apontar p ara o significado mais correto e original desta palavra que ? sorte. Nesse caso, a palavra gad perde toda a for?a teol?gica. A sorte, segundo a B?blia, n?o tem muito a ver com a a??o de Deus.
Uso religioso da palavra Gad.
Gad ? um deus cananita. O livro de Isa?as menciona o nome gad referindo-se a uma divindade. Mas quanto a v?s que abandonais a Jav?, que vos esqueceis do meu monte santo, que preparais uma mesa para gad, que ofereceis misturas em ta?as cheias a Meni (Is 65,11).
Gad era tamb?m o nome de um profeta. Antes de se tornar rei de Israel, um profeta com o nome de Gad atuou condenando o censo do povo (2Sm 24,10-17; 1Cr 21,7-17), recomendando a constru??o de um altar (2Sm 24,18-25; 1Cr 21,18-32) e participando da organiza??o do culto levita (2Cr 29,25-29).
O significado teol?gico de Gad.
H?, possivelmente, duas poss?veis vertentes do significado de gad que passaram para a hist?ria b?blica. Provavelmente, a palavra gad ganhou relev?ncia em vista do seu significado, sorte. ? sabido que o conceito de prosperidade, como sucesso financeiro, trouxe preocupa??o aos profetas b?blicos. Essa id?ia exerceu uma forte press?o na teologia b?blica, conforme as preocupa?es do profeta Jeremias (12,1-6) e do salmista (Sl 49). Vivendo entre povos que acreditavam na manipula??o dos deuses, para obter sucesso e prosperidade na vida, os l?deres israelitas tiveram grandes dificuldades para instruir o povo sobre a inutilida de dessa cren?a, entre os israelitas.
Entretanto, o significado de guerreiro ?, certamente, a caracteriza??o que mais exerceu press?o junto ao povo, no per?odo p?s-ex?lico. Essa caracteriza??o tem sua base na "b?n??o de Jac?" (Gn 49,19). Todavia, na "b?n??o de Mois?s", a fama de tribo "guerreira" deixa de ser, assim, caracterizada, e passa a ser "forte e destemida" como uma leoa: E para Gad ele diz: Bendito aquele que d? espa?o a Gad! Como uma leoa, ele habitar?; E destro?ar? o bra?o e o alto da cabe?a. E ele ver? as prim?cias para si. Eis que! L? estava escondida a por??o do legislador, E ele veio a ser cabe?as do povo, A justi?a de Jav? ele far?, E os seus julgamentos (para) com Israel (Dt 33,20-21). Na "b?n??o de Mois?s", a tribo de Gad perde o nome de guerreira, mas n?o deixa de ser valente na defesa dos seus interesses. Sua luta tem a ver com a justi?a do Senhor, isto ?, a??o de Deus que salva e traz bem-estar para o povo.
A re-significa??o do nome Gad no per?odo grego.
Apesar da tribo de Gad ter desaparecido, a tradi??o gadita renasceu no per?odo p?s-ex?lico, na Obra Historiogr?fica do Cronista, que re?ne os seguintes livros: 1 e 2 Cr?nicas, Esdras e Neemias. Esta ? uma obra de reda??o tardia que d? elevado destaque a Davi. Vivendo num cen?rio totalmente desfavor?vel – seja pol?tico e econ?mico ou social e religioso – os judeus concentravam os seus sonhos no messias forte e guerreiro para superar todas as adversidades impostas pelos gregos. Davi ? "homem de Deus" (2Cr 8,14), modelo de fidelidade (2Cr 7,17).
Carecendo de valores materiais e for?a espiritual para superar as limita?es, o Cronista re-escreveu a hist?ria de Israel at? os dias de Esdras. ? tempo de buscar e valorizar os grandes nomes do passado: a figura de Aar?o ? resgatada e transformada em s?mbolo dos sacerdotes e Davi ? transformado no ideal do homem piedoso. Isso incentivou os defensores da guerra a buscarem, no passado, a indom?vel figura dos guerreiros gaditas. Partid?rio dessa id?ia, o cronista assim escreveu: Eram her?is valorosos, homens de guerra prontos para combater que sabiam manejar o escudo e a lan?a. Tinham o aspecto de le?es e, quanto ? agilidade, pareciam gazelas das montanhas… Esses eram filhos de Gad, chefes de batalh?o; um correspondia a cem, se fosse pequeno; a mil se fosse grande… (1Cr 12,9-16).
Conclus?o
Na literatura do Antigo Testamento (e tamb?m no Novo Testamento), a tribo de Gad n?o desempenhou um papel significativo na hist?ria e na teologia b?blica. Apesar de ser qualificada como uma tribo guerreira (Gn 49, 19), Gad foi derrotada pelos amonitas, em meados do s?culo IX AC, desaparecendo-se do cen?rio hist?rico.
A raz?o pela qual o Historiador Cronista resgatou a figura dos gaditas pode ser vista de v?rios ?ngulos. No per?odo p?s-ex?lico tamb?m foi recuperada a figura de Aar?o. Seus descendentes assumiram o controle do Segundo Templo. Contudo, ? fundamental que o int?rprete da B?blia leve em considera??o pelo menos dois detalhes esclarecedores: (a) A editora??o da Obra Historiogr?fica do Cronista deu-se, provavelmente, no s?culo III aC. (b) Dentro de sua hermen?utica, a vit?ria do povo de Deus viria somente atrav?s de uma batalha que inclu?a, entre outros elementos, a for?a espiritual. ? sabido que Israel n?o mais se ergueu como na??o.
Destaco que nessa mesma ?poca um crente javista escreveu uma poesia que se transformou num hino dos peregrinos que iam periodicamente ?s festas, em Jerusal?m. H? muito que habito com o que odeia a paz. Eu sou pela paz…. Eles s?o pela guerra (Sl 120,6-7). Diante da op??o pela volta dos guerreiros, como os gaditas, o livro de Salmos registra esta opini?o contr?ria: Eu sou pela paz…. Eles s?o pela guerra.
A sociedade e parte das comunidades evang?licas est?o produzindo nos jovens uma mentalidade de sucesso a todo custo, com forte incentivo ? viol?ncia. Ser? que a id?ia dos "guerreiros gaditas" ? o melhor modelo de espiritualidade para os dias de hoje? Os evangelhos silenciam sobre a op??o "gadita".
Texto adaptado da pesquisa feita pelo pastor T?rcio M. Siqueira, professor da ?rea de B?blia, da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de S?o Paulo.