jihad na internet




Jean-Pierre Stroobants
Em Bruxelas


Do Le Monde. Publicado no site UOL, 18/06/2008

Dia de semana ensolarado no passeio de Gand, regi?o oeste de Bruxelas. A?ougues, mercearias, lojas de telefones celulares, de discos, tecidos: quase todos os com?rcios aqui t?m propriet?rios do Magreb [regi?o norte da ?frica]. “? o pequeno Marrocos”, sorri Tarik, um velho cabeleireiro de ar jovial. Um minuto depois ele se afasta sorrindo. Est? disposto a responder a “todas as perguntas”, mas n?o aquelas sobre o eventual crescimento do radicalismo mu?ulmano nessa ?rea deserdada da capital da Europa -aqui, o ?ndice de desemprego que atinge os jovens chega a 40% em certos bairros. Tarik ouviu falar de Malika El-Aroud, conhecida como Oum Hobeid? “Sim, n?o, n?o sei…”

Essa belga de origem marroquina saiu na primeira p?gina do jornal “Herald Tribune” em 27 de maio, com uma reportagem tirada do “New York Times”. O jornal a apresentou como “uma das principais jihadistas da Europa” e contou que ela vivia em um pequeno apartamento situado numa sobreloja em Bruxelas. Um jornal flamengo havia reproduzido a entrevista dois dias depois.

“Malika quem?” Na esta??o de metr? Etangs-Noirs, quatro adolescentes fazem ? vontade o relato da “guerrilha” que realizaram dez dias antes contra “os 'skinheads' de Anderlecht” e “a pol?cia que protege esses porcos”. O caso terminou com cerca de 200 deten?es. Abdel n?o conhece Malika nem “Oum Hobeid”, mas afirma que “aqui voc? encontra tudo o que quiser sobre Osama: livros, cassetes, DVDs. Voc? pode at? ser recrutado, se quiser. Quer dizer, voc? n?o; ? branco demais!”









Hazel Thompson/The New York Times  
A blogueira Malika El-Aroud ? fotografada na sala de sua casa em Bruxelas, na B?lgica


Gargalhadas sob o olhar reprovador de um “irm?o maior” que passa, com bon? de algod?o bege, camisa comprida tradicional e sand?lias de couro. “Eles dizem qualquer coisa”, ele explica com a voz suave. O jovem fundamentalista sorri e se afasta, dizendo, enigm?tico: “Experimente ver em Minbar-SoS”.

? efetivamente nesse site da Internet que Malika El-Aroud se exprime. Para entrar em contato com ela ? preciso dar suas coordenadas eletr?nicas e esperar a resposta. Mas agora ela se recusa a falar com a m?dia. Exceto se pagarem 10 mil euros e aceitarem publicar integralmente suas declara?es. Afirma?es “para ler em segundo grau”, ela explica no p? da p?gina. Em todo caso, nossa inscri??o, assim como a de uma colega da rede France 24, n?o corresponderia aos “crit?rios de sele??o” do site, os quais n?o foram explicados. Na p?gina inicial de Minbar-SoS encontramos em destaque a foto de Ayman Al-Zawahiri, n?mero 2 da Al Qaeda, e informa?es em ?rabe sobre Guant?namo, a Chech?nia, a Palestina. Minbar-SoS reivindica 1.400 membros, dos quais 164 ativos.

Aqueles em Bruxelas que conhecem Malika El-Aroud tamb?m se tornaram prudentes. Bassam Ayachi, um pregador fundamentalista franco-s?rio, dirigente do Centro Isl?mico Belga (CIB), parece inalcan??vel. O CIB ganhou o notici?rio porque realizava casamentos religiosos sem casamento civil.

Foi l? que Malika El-Aroud teria se unido com o tunisiano Abdessatar Dahmane, ali?s Abou Hobeid, um dos dois assassinos de Ahmad Chah Massoud, l?der da resist?ncia afeg? aos sovi?ticos e depois aos taleban. O comandante Massoud foi assassinado dois dias antes de 11 de setembro de 2001 por Dahmane e um c?mplice. Munidos de documentos falsos, eles se fizeram passar por jornalistas. Foram abatidos pela guarda do “Le?o do Panshir”, um homem que Malika El-Aroud prefere chamar de “o diabo”, “um mau mu?ulmano, inimigo de Osama bin Laden”. “Est?vamos em guerra e era leg?timo mat?-lo”, ela declarou em 2002 a Marie-Rose Armesto, uma jornalista ? qual fez confid?ncias antes de atac?-la com inj?rias.

Jean-Fran?ois Bastin, convertido ao isl? com o nome de Abdullah Abu Abdulazziz, fez o pref?cio do livro “Les Soldats de Lumi?re” (Os soldados da luz, La Lanterne Editions), escrito em 2003 por Malika El-Aroud. Ali ela contou seu “percurso de combatente”, dizendo ser “neta, esposa, irm? de mujahedin” e pretendendo, dizia, “recuperar a honra de seu marido e seus irm?os, que Bush chama de soldados ilegais”. Hoje, “Abdullah Bastin”, fundador em Bruxelas do Partido de Jovens Mu?ulmanos, n?o nega que conhece Malika El-Aroud, mas se esquiva quando lhe perguntamos como entrar em contato com ela.

A jihadista do ciberespa?o tornou-se uma refer?ncia, uma fonte de inspira??o para uma gal?xia onde n?o se escondem as simpatias pela Al Qaeda. “Ela se tornou um verdadeiro ?cone”, estima Nadia Bouria, uma jornalista da rede privada belga RTL-Tvi, que acompanhou seu itiner?rio. Na origem dessa notoriedade existe, evidentemente, o papel exercido por Abdessatar Dahmane, seu marido, assim como sua estada de alguns meses no Afeganist?o, antes da queda do regime dos taleban. L? ela morou em uma “mans?o dos eleitos”, uma das constru?es postas por Osama bin Laden ? disposi??o de seus melhores combatentes.

Protegida pelos companheiros de armas de seu marido, “exfiltrada” em dezembro de 2001 atrav?s da embaixada belga no Paquist?o, ela era esperada de p? firme pela pol?cia e a justi?a belgas. Julgada em 2003 em Bruxelas, foi absolvida, pois o tribunal considerou que n?o era poss?vel provar com exatid?o sua cumplicidade com grupos terroristas. Na seq??ncia, Malika El-Aroud pelo menos confirmou a opini?o de seus ju?zes, que haviam salientado seu “evidente desprezo” pelo Ocidente. Aparecendo em v?rias entrevistas realizadas na B?lgica e na Fran?a, ela atribuiu o 11 de Setembro a “uma obra dos judeus” para desviar a aten??o do mundo e “arrasar a Palestina”. Em 2005, casada novamente com um tunisiano fundamentalista na Su??a, ela foi condenada com sursis por incita??o ao ?dio e apoio a uma organiza??o criminosa. Foi l? que ela come?ou sua nova vida de “combatente da Web”.

Voltando ? B?lgica, Malika El-Aroud continua difundindo mensagens claras. “Meus artigos s?o bombas”, ela afirmou ao “New York Times”. Em mar?o passado, lembrando as guerras do Iraque e do Afeganist?o, lan?ou aos ocidentais: “O Vietn? n?o ? nada em compara??o com o que os espera em nosso pa?s. Pe?am desde j? a suas m?es e mulheres para encomendar seus caix?es”, acrescentou.

Oficialmente desempregada, essa mulher de 49 anos nascida em T?nger ? “uma coura?a”, admite um especialista belga em antiterrorismo. “Uma poss?vel amea?a”, acrescenta o diretor do servi?o judici?rio da pol?cia federal. Claude Moniquet, diretor do Esisc, um centro de pesquisas sobre seguran?a, a considera “perfeitamente consciente do que faz”.

As autoridades belgas, que se baseiam em leis inadequadas ? evolu??o da m?dia eletr?nica, ainda hesitam em deter Malika El-Aroud enquanto ela n?o superar o limite do “proselitismo n?o-ativo”. Elas temem sobretudo lhe conferir uma aura ainda maior. “Se as autoridades encontrassem um motivo para me prender, eu me tornaria uma m?rtir viva”, preveniu aquela que tamb?m aprendeu a utilizar eficazmente a m?dia. Interrogada pela justi?a, que realizou em dezembro de 2007 uma investiga??o sobre um poss?vel plano de fuga de um isl?mico detido na B?lgica, ela se safou mais uma vez sem ser questionada.

Al?m do “caso El-Aroud”, o envolvimento cada vez maior de mulheres na nebulosa Al Qaeda preocupa as autoridades. Gilles de Kerckhove, coordenador da luta antiterrorista no Conselho Europeu, encomendou a seu servi?o um estudo espec?fico sobre o assunto, que ficar? pronto dentro de alguns meses. O antigo juiz antiterrorista Jean-Louis Brugui?re, que viu diversas vezes aparecer o nome de Malika El-Aroud em seus dossi?s, cita o papel crescente das mulheres, “tanto no plano log?stico quanto no operacional”. Ele salienta a influ?ncia determinante que algumas delas podem exercer sobre seu marido combatente. Para ele, “a incita??o” a que se dedica Malika El-Aroud ? claramente uma das ferramentas utilizadas pelos radicais para recrutar novos membros.

A Al Qaeda parece conferir hoje um papel especial ?s mulheres. Os dirigentes da nebulosa primeiro consideravam que a mulher era uma esp?cie de “inimigo interno”, suspeito de fazer pactos com o inimigo, de enfraquecer o homem disposto a morrer, de se deixar seduzir por um discurso ocidental que lhe promete liberdade. Posteriormente, os te?ricos do movimento terrorista desenvolveram um discurso espec?fico. No “Manual de Recrutamento da Al Qaeda” (ed. Seuil, 2007), Mathieu Guid?re e Nicole Morgan analisaram em detalhe a “ep?stola” ?s mulheres elaborada por Youssouf Al-Ayeri, companheiro de Bin Laden no Afeganist?o e fundador das redes sauditas. Nessa mensagem difundida na Internet, o pensador se dirige ?s mulheres para convid?-las a n?o se opor ao sacrif?cio de seus filhos, ou a tornar-se elas mesmas guerreiras.

Mensagem entendida: recentemente, sites radicais da Web eram portadores de reivindica?es emitidas por mulheres que afirmam querer se tornar m?rtires, a exemplo dos homens. Em troca, lhes prometiam que seriam “ainda mais belas e desej?veis para seus maridos” no al?m.

Tradu??o: Luiz Roberto Mendes Gon?alves


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