Religi?o
Eles s?o diferentes. E adoram isso.
Jovens evang?licos n?o bebem, n?o fumam, n?o t?m sexo fora do casamento. Mas a rigidez diminuiu, eles se sentem melhores que os outros e acreditam num futuro de prosperidade.
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Juliana Linhares/Revista Veja (10/09/2008)
Julio Vilela![]() |
CRENTES NA BALADA |
Eles v?o a baladas, namoram, surfam e usam roupas da moda. A diferen?a entre os evang?licos e a maioria dos outros jovens ? que suas festas s?o sem ?lcool, o namoro ? sem sexo e as roupas, sem exageros – nada de saias pelos p?s e cabelos pela cintura, mas decotes e comprimentos moderados. A maneira brasileira de ser evang?lico ajuda a explicar os n?meros impressionantes: 17% dos jovens entre 15 e 29 anos se identificam como seguidores de alguma das confiss?es evang?licas. Basta entrar em qualquer culto pentecostal para constatar a vitalidade de sua presen?a: praticamente a metade da igreja ? sempre composta de jovens. Orgulhosos de seguir uma doutrina aparentemente t?o contr?ria a tudo o que a juventude aprecia em nome de valores espirituais, tamb?m assumem a busca da realiza??o material (“N?s merecemos o melhor” ? uma declara??o constante). Em algumas igrejas espec?ficas, a promessa de reden??o ? um atrativo poderoso. “A maioria vem aqui porque tem ang?stias de v?rias naturezas, entre elas o v?cio em drogas. Mas uma vida desregrada e um certo desconforto com o mundo, que muitas vezes nem eles mesmos sabem explicar, tamb?m trazem muitos jovens para a igreja”, enumera Rodrigo Ribeiro Rodrigues, membro h? tr?s anos e meio da Bola de Neve Church, igreja conhecida em S?o Paulo pela presen?a absoluta de jovens. Rodrigo trabalha como assessor de imprensa da Bola de Neve – sim, a igreja tem assessor. Al?m dos cultos, ele freq?enta o inusitado pub gospel Brother Simion, ponto de encontro de jovens crentes em S?o Paulo. O Brother Simion ? isso mesmo: pub, ou seja, lugar meio escurinho onde jovens se encontram, e gospel, o que quer dizer que l? n?o se pode fumar nem beber. “O que mais sai aqui ? a?a?”, diz o Brother Simion em pessoa, o dono do estabelecimento. E que fique claro aos casais: beijar, pode; avan?ar o sinal, n?o.
Fotos Lailson Santos![]() |
ORA??O NA AVENIDA |
Com o p?blico jovem como alvo espec?fico, as igrejas evang?licas organizam cultos e reuni?es freq?entes, estimulam a integra??o, oferecem emprego e atividades esportivas, em ambiente de viol?ncia zero – um diferencial tremendo em locais atormentados por alt?ssimos ?ndices de criminalidade. Praticamente garantem um futuro de prosperidade e um casamento est?vel. A quem j? escorregou, asseguram a oportunidade de passar uma borracha no passado e ser acolhido como uma nova pessoa, querida pela comunidade. A maioria das religi?es parte dos mesm?ssimos princ?pios, mas as igrejas evang?licas aperfei?oaram uma forma simples e envolvente de apregoar suas vantagens. O jovem vai, empolga-se e julga que n?o beber e n?o transar fora do casamento s?o requisitos razo?veis para um futuro t?o promissor. “As pessoas criam esse estere?tipo de que ser crist?o ? ser chato. N?o ? isso. A gente pode tudo, tem a mesma liberdade que qualquer um. S? que fazemos escolhas. E, na minha opini?o, fazemos as melhores”, diz Rafael David, 21 anos, da mesma Bola de Neve. A igreja foi fundada em 2000 pelo surfista Rinaldo de Seixas Pereira, o pastor Rina, de 36 anos. Uma vez por ano, dezenas de ?nibus de seguidores da Bola de Neve rumam para Florian?polis para participar de torneios de surfe e skate. Na praia, os meninos ouvem reggae com letra religiosa e as meninas usam biqu?nis comportados.
Os padr?es da Bola de Neve s?o mais liberais, mas o excesso de mod?stia constitui hoje exce??o. “Antes ?ramos conhecidas como jovens velhas, por causa da saia e do cabel?o comprido. Mas eu me visto como qualquer outra menina. Claro que n?o uso decote nem minissaia, mas adoro jeans e blusinhas de al?a. O importante ? estar vestida com dec?ncia. Somos reconhecidas por nossa sobriedade”, diz Janara Alves, advogada de 26 anos que freq?enta a Assembl?ia de Deus. N?o fazer sexo com a namorada ? dif?cil? “Ficar sem sexo d?i, ? um sacrif?cio, mas no final da minha busca eu vou ter um pr?mio. O ?pice da minha procura vai ser com uma pessoa que eu conhe?o e com quem tenho uma alian?a verdadeira. Estou me guardando para o melhor”, acredita Jeferson Ricardo Silva, de 19 anos, estudante de moda e membro da igreja Sara Nossa Terra h? um ano. Nessa antecipa??o de dias melhores, poucas coisas fazem tanto sentido quanto a valoriza??o do progresso material. “Todas as segundas-feiras temos uma palestra na igreja chamada Congresso Empresarial. Nela aprendemos que prosperar financeiramente n?o ? sujo. Se o casal n?o tem dinheiro, ele vai brigar por causa disso. O mesmo acontece na vida como um todo. Deus nos ensina a ter o melhor, a lutar para melhorar de vida”, empolga-se Nathalia Gomes, 20 anos, fiel h? seis anos da Igreja Universal do Reino de Deus, que usa cabelo ruivo espetado, veste camiseta com ombro de fora e n?o dispensa seu par de coturnos.
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? ESPERA DO PR?MIO |
A maior igreja pentecostal, o nome religiosamente correto dessa vertente do protestantismo, do Brasil ? a Assembl?ia de Deus, com cerca de 100 000 templos e 15 milh?es de fi?is. Em segundo lugar vem a discreta Congrega??o Crist? no Brasil, que n?o pede d?zimo, pro?be participa??o em institui?es pol?ticas e veta a divulga??o por meios de comunica??o de massa. Entre as neopentecostais, o p?dio ? ocupado pela conhecida Universal do Reino de Deus, com 5.146 templos e 8 milh?es de membros. De igrejas como a Universal partiu a bem-sucedida flexibiliza??o de regras; as tradicionais, meio a contragosto, aderiram. “De um lado, as igrejas mais tradicionais deixaram de reprimir o ato de ver TV, de ir ? praia, de usar maquiagem, cabelo curto e roupas da moda. De outro, as pentecostais passaram a fazer de seus cultos verdadeiros shows de m?sica e dan?a, proporcionando-lhes um car?ter de entretenimento. Isso atraiu muitos jovens”, explica Nicanor Lopes, professor de teologia da Universidade Metodista de S?o Paulo.
Segundo pesquisa da Funda??o Getulio Vargas, cerca de 30% dos fi?is das igrejas evang?licas est?o nas classes C e D, em que a teologia da ascens?o material encontra terreno prop?cio. “A igreja nos ensina a ter o melhor. Aqui a gente aprende que ter prosperidade ? dom de Deus. Se somos pessoas boas, nossa f? vai nos dar condi?es de, por exemplo, viajar, fazer cruzeiros e ficar em hot?is cinco-estrelas”, diz Daniela Soares, 32 anos, fiel da Universal h? dezoito. Empres?ria adepta do terninho, salto alto e maquiagem, ela coordena um grupo de jovens em atividades como um desfile de vestidos de noiva em que, microfone em punho, grita: “Quem quer se casar neste ano?”. Diante do mar de m?os erguidas, arremata: “Ent?o, vai escolhendo o vestido, que ele pode ser seu”. Segundo levantamento feito pelo Instituto de Estudos da Religi?o (Iser) com 800 cariocas entre 15 e 24 anos, os evang?licos s?o os que mais se re?nem, seja em cultos, seja em outras atividades. Mais de 52% deles disseram ir duas vezes ou mais por semana ? igreja. “Aqui, eu me sinto em casa. Posso ser eu mesmo. No primeiro dia em que vim ? igreja, o pastor me chamou no altar, me elogiou muito e, apontando para a multid?o l? embaixo, me disse: ?Veja a nova fam?lia que voc? acaba de ganhar?. Eu me senti muito acolhido”, recorda Jeferson, o estudante de moda.
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DINHEIRO N?O ? PECADO |
A pol?tica de acolhimento tem resultados evidentes. “Procurei uma igreja cat?lica, mas n?o achei nenhuma aberta. A primeira que apareceu foi uma Renascer”, recorda Carolina Chiarlitti Bassi, 25 anos, estudante de administra??o e ex-dan?arina de ax? – “tempo de top e shortinho, drogas, noitadas”. Hoje ela d? aulas de dan?a na pr?pria igreja e tem um olhar cr?tico em rela??o ao passado: “Sexo, cerveja, cigarro, a gente sabe que tudo isso ? passageiro, sem compromisso, e que n?o vai levar a futuro algum. Fumar e beber pode causar depend?ncia. Transando com v?rios n?o vou fazer uma fam?lia”.
O fervor dos jovens convertidos pode incomodar e causar desconforto. “Sofremos preconceito o tempo inteiro. Meus pr?prios amigos criticam: ?Vai l? na igreja dar dinheiro ao pastor?”, afirma Thiago Vignoli, 24 anos, estudante de administra??o e fiel da Sara Nossa Terra. Como ? comum em grupos de alto teor de cren?a religiosa, a eventual discrimina??o vira motivo de orgulho. “Quando voc? come?a a ter um pouco mais de convic??o naquilo que segue, ser discriminado ? tudo o que voc? quer. Eu sempre quero ser discriminado, para ter a oportunidade de contar meu testemunho”, diz Phillip Silva Guimar?es, 23 anos, gerente de contas em um banco e membro da Renascer. As igrejas tamb?m propiciam m?todos para enfrentar constrangimentos. Vanessa de Almeida, 26 anos, fiel da Sara Nossa Terra, aos domingos costuma ir com amigos fazer preces em voz alta em plena Avenida Paulista. “As pessoas passam, nos v?em orando e se emocionam. ? um trabalho maravilhoso. Eu e meus colegas fizemos a Escola de Vencedores, da igreja, para aprender a falar em p?blico e agir em situa?es como essas.” ? dif?cil imaginar prova maior de f? do que esse mico total, como diriam jovens menos convictos.
Dois filhos, duas hist?rias
Manter os filhos no bom caminho ? um dos maiores apelos de qualquer religi?o. Maria Negreiros, 48 anos, cozinheira, fiel da Igreja Universal, conta como Kleber e Clarice tomaram rumos totalmente diversos na vida. A m?e faz o seu relato: “Minha filha de 21 anos foi criada na Universal. Aos 14, resolveu largar a igreja. Ela queria conhecer o mundo, sair ? noite, fazer amizades fora da igreja e namorar. Em pouco tempo, j? estava saindo quase todas as noites com as amigas do bairro. Passou a beber e a fumar muito. Entre os 18 e os 20 anos, envolveu-se com gente que usava drogas. Nesse per?odo, engravidou de um rapaz que eu nem conhecia. Durante a gravidez, ele come?ou a namorar outra menina. Clarice sofreu muito. Hoje, trabalha como vendedora em uma loja. Ganha at? razoavelmente bem, mas gasta na noite, com bebida e sei l? mais o qu?. Ela sai toda sexta-feira e todo s?bado. Volta s? no dia seguinte, sempre de ressaca. Sou eu que fico com o filhinho dela, de 2 anos. Tamb?m pago quase tudo. Ela n?o tem paci?ncia com o menino e vive irritada com ele. Meu outro filho, Kleber, 27 anos, s? me d? orgulho. Ele passou por uma enorme transforma??o. At? cinco anos atr?s, estava no fundo do po?o. Era viciado em coca?na e em maconha e chegou a traficar. Uma vez foi at? preso. Passava dia e noite nos bares e nos cantos das ruas se drogando. Um dia, acordou mal, depois de fazer coisa errada a noite inteira. Pegou um ?nibus e foi para a sede da Universal, em Santo Amaro. Desde ent?o, vai quase todas as noites. Est? se preparando para ser obreiro e trabalha com meninos viciados em drogas. Para ajudar em casa, ? manobrista. Nunca mais tocou num copo de cerveja e n?o sai com meninas. Diz que est? esperando aparecer a mulher certa para se casar. O sonho dele, agora, ? fazer uma faculdade.” |
Fonte: www.revistaveja.com.br





