Entrevista: Justo L. Gonzalez O presente ? sempre inconcluso e espera a revela??o do futuro Historiador cubano diz que quanto mais perto estamos dos acontecimentos, mais dif?cil ? medir sua import?ncia Na metade do s?culo passado, quando estudante do Ensino M?dio, o adolescente cubano Justo Gonzalez n?o gostava nem um pouco de hist?ria. A mat?ria de sua prefer?ncia era matem?tica. O rapaz preferia estudar menos e raciocinar mais. Sua mente era avessa a decoreba. Ele n?o gostava de memorizar nomes, lugares nem datas ? sem os quais n?o ? poss?vel aprender hist?ria. Contudo, as coisas mudaram e Justo Gonzalez ? hoje um respeitado historiador e autor de v?rios t?tulos de hist?ria, dois deles publicados no Brasil: Uma Hist?ria Ilustrada do Cristianismo (dez volumes) e Uma Hist?ria do Pensamento Crist?o (tr?s volumes). Nascido em Havana, Justo Gonzalez, 69 anos, ? bacharel em teologia pelo Semin?rio Evang?lico de Matanzas, em Cuba, e doutor em filosofia na ?rea de teologia hist?rica pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos. ? casado com a professora de hist?ria Catherine Gunsalus Gonzalez, e mora em Atlanta, Ge?rgia, Estados Unidos, onde se dedica ao ensino, pesquisa e produ??o de livros. Suas pesquisas hist?ricas levaram-no a afirmar: "Eu me tornei cada vez mais consciente da gra?a e do amor de Deus a quem a teologia de todas as eras procurou testemunhar".
Ultimato – Como surgiu sua paix?o pela hist?ria?
Gonzalez – Foi estudando teologia no semin?rio que comecei a me interessar pela hist?ria. Pouco antes, estudando filosofia, j? tinha percebido que a melhor maneira de apresentar a filosofia ao estudante era apresentando a hist?ria da filosofia. E, ao estudar teologia, acontecia algo parecido. O professor de teologia sistem?tica repetidamente recorria a Calvino, Lutero, ou a algum dos Pais da Igreja. Comecei a ler Dogm?tica Eclesi?stica, de Karl Barth, pois me disseram que era um livro important?ssimo. Nele vi que o racioc?nio de Barth se fundamentava sobre um profundo conhecimento da hist?ria da teologia. Logo, meu interesse pela hist?ria foi e continua sendo um interesse teol?gico.
Ultimato – Em 1985, portanto h? mais de vinte anos, o sr. escreveu o ?ltimo volume de Uma Hist?ria Ilustrada do Cristianismo, intitulado A Era Inconclusa. Quais seriam os desafios do mundo moderno n?o mencionado nesse volume?
Gonzalez – Naturalmente, temos de falar, antes de tudo, dos desafios da p?s-modernidade. Os metarrelatos da modernidade perdem for?a rapidamente. Isso libera a teologia e a igreja do racionalismo progressista e ultra-otimista da modernidade. Mas, ao mesmo tempo, nos coloca o desafio de redescobrir o que ? ser igreja obediente a Cristo numa era em que os metarrelatos parecem desfazer-se. O segundo desafio ? descobrir como ser uma s? igreja quando essa igreja faz parte de grande variedade de contextos e culturas. Hoje a maioria dos crist?os j? n?o est? no Norte do Atl?ntico, e sim no hemisf?rio Sul. Muitos crist?os pertencem a igrejas aut?nomas cujas pr?ticas, organiza??o e rituais contrastam com os das igrejas do Norte do Atl?ntico. Como aceitar uns aos outros como irm?os em Cristo, quando temos diferen?as t?o profundas entre n?s? ? necess?rio incluir uma reflex?o cuidadosa sobre o pentencostalismo e sua rela??o com as igrejas tradicionais. O terceiro ? compreender melhor o Isl? e sua rela??o com o cristianismo e o juda?smo.
Ultimato – Haver? um 11? volume de sua Hist?ria do Cristianismo? Temos acontecimentos suficientes para encher mais duzentas p?ginas da hist?ria destes ?ltimos vinte anos? Como o sr. chamaria a era atual?
Gonzalez – Sim, temos material para escrever mais de 2 mil p?ginas. O problema ? que quanto mais perto estamos dos acontecimentos, mais dif?cil ? medir sua import?ncia. O s?culo 21 est? muito perto de n?s, que vivemos nele. Por isso ? t?o dif?cil saber a import?ncia que ter?o a Guerra do Iraque ou as ?ltimas elei?es em uma grande pot?ncia, ou algum debate entre as igrejas. Neste caso, o volume 10 passaria a ser A Era das Grandes Transi?es e o 11 seria A Era Inconclusa, porque o presente sempre ? inconcluso, sempre espera a revela??o do futuro.
Ultimato – Se o sr. pudesse escrever o ?ltimo volume de Uma Hist?ria Ilustrada do Cristianismo e o chamasse de A Era Conclusa, e n?o inconclusa, o fim da hist?ria seria o cumprimento da Grande Comiss?o ou a parusia?
Gonzalez – Nenhum dos dois. A ?nica conclus?o definitiva ? o estabelecimento do reino de Deus. Ultimato – Todos os seus livros s?o na ?rea de hist?ria da igreja crist?? Gonzalez – N?o. Possivelmente escrevi mais sobre a B?blia que sobre hist?ria. Mas a maioria destes livros foram escritos em ingl?s e n?o foram traduzidos para o espanhol nem para o portugu?s. Escrevi tamb?m algo sobre teologia.
Ultimato – Muitos ateus creditam sua descren?a ? turbulenta hist?ria da humanidade, em particular aos horrores cometidos em nome da religi?o e de Deus.
Gonzalez – Eles t?m raz?o de sobra para pensar assim. A hist?ria da humanidade mostra repetidamente que do fanatismo religioso para a viol?ncia religiosa ? apenas um passo. Mas tamb?m, em nome do ate?smo e de seus irm?os g?meos, o orgulho humano e a intoler?ncia religiosa, causaram grandes trag?dias. E se n?o as causaram, isto se deve acima de tudo n?o ao fato de o ate?smo ser pac?fico ou benevolente, e sim ao fato de que, afinal de contas, existem poucos ateus.
Ultimato – A Igreja Metodista do Brasil, em seu 18? Conc?lio Geral, reunido em julho de 2006, se retirou de organismos ecum?nicos que t?m a presen?a da Igreja Cat?lica Romana e de grupos n?o-crist?os, depois de alguns anos de comprometimento ecum?nico. O que o sr. tem a dizer sobre isso?
Gonzalez – Que ? mais um sinal do pecado que nos divide e do qual todos somos culpados, tanto protestantes como cat?licos. Com certeza, a Igreja Cat?lica deixa muito a desejar de uma perspectiva evang?lica. Mas um cristianismo que odeia ou repudia outros simplesmente por raz?es raciais, culturais e teol?gicas n?o merece chamar-se Evangelho de Jesus Cristo!
Ultimato – O que tem causado mais preju?zo para a Igreja no correr da hist?ria: os extremos do fundamentalismo ou os extremos do liberalismo?
Gonzalez – Ambos. Os dois s?o produtos da modernidade, embora o segundo se chame "modernismo" e o primeiro, n?o. Ambos abandonam boa parte da f? e as perspectivas crist?s da igreja antiga. Falo sobre isto no livro Retorno a la Historia del Pensamiento Cristiano (Retorno ? hist?ria do pensamento crist?o), no qual sugiro que existe um terceiro sistema que, al?m de n?o ser nem fundamentalista nem liberal (nem uma posi??o intermedi?ria entre ambos), ? mais fiel ? f? da igreja antiga e possivelmente tamb?m ao Novo Testamento.
Ultimato – Quando o sr. se mudou para os Estados Unidos?
Gonzalez – Fui estudar nos Estados Unidos em 1957 (dois anos antes da Revolu??o). Terminei em 1961, dois meses depois da invas?o norte-americana ? Praia Gir?n (ou Bahia de Cochinos). Naquele momento o governo cubano se mostrava muito resistente a permitir que os cubanos que estavam nos Estados Unidos voltassem para Cuba. Ent?o fui para Porto Rico, onde lecionei no Semin?rio Evang?lico de Teologia at? 1969, quando me mudei para Atlanta, Ge?rgia, nos Estados Unidos, onde moro at? hoje.
Ultimato – Como cidad?o cubano vivendo h? v?rios anos nos Estados Unidos, como o sr. v? o bloqueio norte-americano a Cuba?
Gonzalez – O bloqueio, al?m de ser cruel, ? est?pido e inoperante. ? cruel porque priva os cubanos mais necessitados de muitos artigos de primeira necessidade (artigos dos quais os l?deres do governo gozam como se n?o houvesse bloqueio). ? est?pido porque oferece ao governo cubano desculpas para qualquer fracasso, escassez ou outras dificuldades. ? inoperante porque sempre h? meios de o governo prover-se do que deseja, recorrendo a outras fontes. Mant?m-se unicamente pela influ?ncia pol?tica de um setor de exilados cubanos que em 2000 deram a Bush a vit?ria na Fl?rida e, portanto, a presid?ncia dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos mesmo, quem se op?e ao bloqueio n?o s?o apenas os "liberais" ou a esquerda, mas tamb?m os comerciantes e capitalistas, que se v?em impedidos de fazer investimentos em Cuba, enquanto outros o podem fazer.