PROJETO DE LEI N? 1057 2007 (Do Sr. Henrique Afonso)
Disp?e sobre o combate a pr?ticas tradicionais nocivas e ? prote??o dos direitos fundamentais de crian?as ind?genas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas n?o tradicionais.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1?. Reafirma-se o respeito e o fomento a pr?ticas tradicionais ind?genas e de outras sociedades ditas n?o tradicionais, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na Constitui??o Federal e internacionalmente reconhecidos. Art. 2?. Para fins desta lei, consideram-se nocivas as pr?ticas tradicionais que atentem contra a vida e a integridade f?sico-ps?quica, tais como I. homic?dios de rec?m-nascidos, em casos de falta de um dos genitores; II. homic?dios de rec?m-nascidos, em casos de gesta??o m?ltipla; III. homic?dios de rec?m-nascidos, quando estes s?o portadores de defici?ncias f?sicas e/ou mentais; IV. homic?dios de rec?m-nascidos, quando h? prefer?ncia de g?nero; V. homic?dios de rec?m-nascidos, quando houver breve espa?o de tempo entre uma gesta??o anterior e o nascimento em quest?o; VI. homic?dios de rec?m-nascidos, em casos de exceder o n?mero de filhos considerado apropriado para o grupo; VII. homic?dios de rec?m-nascidos, quando estes possu?rem algum sinal ou marca de nascen?a que os diferencie dos demais; VIII. homic?dios de rec?m-nascidos, quando estes s?o considerados portadores de m?-sorte para a fam?lia ou para o grupo; IX. homic?dios de crian?as, em caso de cren?a de que a crian?a desnutrida ? fruto de maldi??o, ou por qualquer outra cren?a que leve ao ?bito intencional por desnutri??o; X. Abuso sexual, em quaisquer condi?es e justificativas; XI. Maus-tratos, quando se verificam problemas de desenvolvimento f?sico e/ou ps?quico na crian?a. XII. Todas as outras agress?es ? integridade f?sico-ps?quica de crian?as e seus genitores, em raz?o de quaisquer manifesta?es culturais e tradicionais, culposa ou dolosamente, que configurem viola?es aos direitos humanos reconhecidos pela legisla??o nacional e internacional. Art. 3?. Qualquer pessoa que tenha conhecimento de casos em que haja suspeita ou confirma??o de gravidez considerada de risco (tais como os itens mencionados no artigo 2?), de crian?as correndo risco de morte, seja por envenenamento, soterramento, desnutri??o, maus-tratos ou qualquer outra forma, ser?o obrigatoriamente comunicados, preferencialmente por escrito, por outras formas (r?dio, fax, telex, tel?grafo, correio eletr?nico, entre outras) ou pessoalmente, ? FUNASA, ? FUNAI, ao Conselho Tutelar da respectiva localidade ou, na falta deste, ? autoridade judici?ria e policial, sem preju?zo de outras provid?ncias legais. Art. 4?. ? dever de todos que tenham conhecimento das situa?es de risco, em fun??o de tradi?es nocivas, notificar imediatamente as autoridades acima mencionadas, sob pena de responsabiliza??o por crime de omiss?o de socorro, em conformidade com a lei penal vigente, a qual estabelece, em caso de descumprimento: Pena – deten??o, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Art. 5?. As autoridades descritas no art. 3? respondem, igualmente, por crime de omiss?o de socorro, quando n?o adotem, de maneira imediata, as medidas cab?veis. Art. 6?. Constatada a disposi??o dos genitores ou do grupo em persistirem na pr?tica tradicional nociva, ? dever das autoridades judiciais competentes promover a retirada provis?ria da crian?a e/ou dos seus genitores do conv?vio do respectivo grupo e determinar a sua coloca??o em abrigos mantidos por entidades governamentais e n?o governamentais, devidamente registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Crian?a e do Adolescente. ?, outrossim, dever das mesmas autoridades gestionar, no sentido de demov?-los, sempre por meio do di?logo, da persist?ncia nas citadas pr?ticas, at? o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance. Par?grafo ?nico. Frustradas as gest?es acima, dever? a crian?a ser encaminhada ?s autoridades judici?rias competentes para fins de inclus?o no programa de ado??o, como medida de preservar seu direito fundamental ? vida e ? integridade f?sico-ps?quica. Art. 7?. Ser?o adotadas medidas para a erradica??o das pr?ticas tradicionais nocivas, sempre por meio da educa??o e do di?logo em direitos humanos, tanto em meio ?s sociedades em que existem tais pr?ticas, como entre os agentes p?blicos e profissionais que atuam nestas sociedades. Os ?rg?os governamentais competentes poder?o contar com o apoio da sociedade civil neste intuito. Art. 8?. Esta lei entra em vigor na data de sua publica??o.
J U S T I F I C A ? ? O A presente proposi??o visa cumprir o disposto no Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990, que promulga a Conven??o sobre os direitos da crian?a, a qual, al?m de reconhecer o direito ? vida como inerente a toda crian?a (art. 6?), afirma a preval?ncia do direito ? sa?de da crian?a no conflito com as pr?ticas tradicionais e a obriga??o de que os Estados-partes repudiem tais pr?ticas, ao dispor, em seu artigo 24, n? 3, o seguinte: "Os Estados-partes adotar?o todas as medidas eficazes e adequadas para abolir pr?ticas tradicionais que sejam prejudiciais ? sa?de da crian?a".
Tamb?m visa cumprir recomenda??o da Assembl?ia Geral das Na?es Unidas para o combate a pr?ticas tradicionais nocivas, como estabelecido na Resolu??o A/RES/56/128, de 2002, a qual faz um chamamento a todos os Estados para que: "Formulem, aprovem e apliquem leis, pol?ticas, planos e programas nacionais que pro?bam as pr?ticas tradicionais ou consuetudin?rias que afetem a sa?de da mulher e da menina, inclu?da a mutila??o genital feminina, e processem quem as perpetrem".
Cabe pontuar que a men??o ? mutila??o genital feminina ? meramente exemplificativa, como uma das pr?ticas tradicionais nocivas que t?m sido combatidas, pelo fato de afetar a sa?de da mulher e da menina. N?o h?, entretanto, registros desta pr?tica consuetudin?ria no Brasil. A Resolu??o A/S-27/19, tamb?m da Assembl?ia Geral da ONU, chamada de "Um mundo para as crian?as", estabelece como primeiro princ?pio: Colocar as crian?as em primeiro lugar. Em todas as medidas relativas ? inf?ncia ser? dada prioridade aos melhores interesses da crian?a.
Destaca-se que a express?o "melhor interesse da crian?a", presente na legisla??o nacional e internacional ?, hoje, um princ?pio em nosso ordenamento jur?dico e, mesmo sendo pass?vel de relativiza??o no caso concreto, existe um norte a seguir, um m?nimo que deve ser respeitado na aplica??o do mesmo: os direitos fundamentais da crian?a. E como estrat?gia para proteger as crian?as de todas as formas de maus-tratos, abandono, explora??o e viol?ncia, disp?e a Resolu??o A/S-27/19, no ?tem 44: "Dar fim ?s pr?ticas tradicionais e comuns prejudiciais, tais como o matrim?nio for?ado e com pouca idade e a mutila??o genital feminina, que transgridam os direitos das crian?as e das mulheres".
Urge destacar que todas as crian?as encontram-se sob a prote??o da pr?pria Constitui??o Federal de 1988, que em seu artigo 227, garante o direito ? vida e ? sa?de a todas as crian?as. A mesma prote??o ? garantida pelo Estatuto da Crian?a e do Adolescente, o qual, em seu art. 7?, estabelece que a crian?a tem direito a prote??o ? vida e ? sa?de. Tamb?m o C?digo Civil determina, em seu art. 1?, que toda pessoa (incluindo, obviamente, as crian?as) ? capaz de direitos e deveres na ordem civil e, em seu art. 2?, que o come?o da personalidade civil se d? com o nascimento com vida (deixando claro que os neonatos j? s?o titulares de personalidade civil). Demonstra-se, portanto, que os diplomas legais acima referidos garantem o direito ? vida como o direito por excel?ncia. Desta maneira, o Estado brasileiro deve atuar no sentido de amparar todas as crian?as, independentemente de suas origens, g?nero, etnia ou idade, como sujeitos de direitos humanos que s?o. Obviamente, as tradi?es s?o reconhecidas, mas n?o est?o legitimadas a justificar viola?es a direitos humanos, como disp?e o art. 8, n? 2, do Decreto 5.051/2004, o qual promulga a Conven??o 169 da OIT. Desta maneira, n?o se pode admitir uma interpreta??o desvinculada de todo o ordenamento jur?dico do art. 231 da Constitui??o, o qual reconhece os costumes e tradi?es aos ind?genas. ? necess?rio que este artigo seja interpretado ? luz de todos os demais artigos mencionados acima, bem como o art. 5? sobre os direitos fundamentais da Constitui??o, o qual norteia todo o ordenamento jur?dico nacional. ? importante destacar um trecho do estudo intitulado "Assegurar os direitos das crian?as ind?genas", realizado pelo Instituto de Pesquisas Innocenti, da UNICEF, que diz o seguinte:
"Por outro lado, as reivindica?es de grupo que pretendem conservar pr?ticas tradicionais que pelos demais s?o consideradas prejudiciais para a dignidade, a sa?de e o desenvolvimento do menino ou da menina (este seria o caso, por exemplo, da mutila??o genital feminina, do matrim?nio n?o consensual ou de castigos desumanos ou degradantes infligidos sob pretexto de comportamentos anti-sociais) transgridem os direitos do indiv?duo e, portanto, a comunidade n?o pode legitim?-los como se se tratasse de um de seus direitos. Um dos princ?pios-chave que tem vig?ncia no direito internacional estabelece que o indiv?duo debe receber o mais alto n?vel poss?vel de prote??o e que, no caso de crian?as, "o interesse superior da crian?a" (artigo 3? da Conven??o sobre os direitos da crian?a) n?o pode ser desatendido ou violado para salvaguardar o interesse superior do grupo".
? importante destacar que a cultura ? din?mica e n?o imut?vel. A cultura n?o ? o bem maior a ser tutelado, mas sim o ser humano, no intento de lhe propiciar o bem-estar e minimizar seu sofrimento. Os direitos humanos perdem, completamente, o seu sentido de existir, se o ser humano for retirado do centro do discurso e da pr?xis. Portanto, a toler?ncia (no sentido de aceita??o, reconhecimento da legitimidade) em rela??o ? diversidade cultural deve ser norteada pelo respeito aos direitos humanos. Desta forma, entende-se que pr?ticas tradicionais nocivas, as quais se encontram presentes em diversos grupos sociais e ?tnicos do nosso pa?s, n?o podem ser ignoradas por esta casa e, portanto, merecem enfrentamento, por mais delicadas que sejam. Sabe-se que, por raz?es culturais, existe a pr?tica de homic?dio de rec?m-nascidos, o abuso sexual de crian?as (tanto por parte de seus genitores, quanto por parte de estranhos), a desnutri??o intencional, entre outras viola?es a direitos humanos fundamentais. Destaca-se que tais pr?ticas n?o se circunscrevem a sociedades ind?genas, mas tamb?m a outras sociedades ditas n?o tradicionais. H? que ressaltar, tamb?m, o sofrimento por parte dos genitores que, muitas vezes, n?o desejam perpetrar tais pr?ticas, mas acabam obrigados a se submeterem a decis?es do grupo, tendo, assim, seus pr?prios direitos humanos violados (como, por exemplo, sua integridade ps?quica). Quando a fam?lia ou o grupo n?o deseja rejeitar a crian?a, mas sim buscar alternativas, a atua??o do governo deve guiar-se pelo princ?pio fundamental de respeito ? vida e ? dignidade humana, os quais permeiam todo o ordenamento jur?dico brasileiro e dar a assist?ncia necess?ria para que a fam?lia ou o grupo possam continuar com a crian?a. Por?m, se um grupo, depois de conhecer os meios de evitar as pr?ticas tradicionais nocivas, n?o demonstrar vontade de proteger suas crian?as, entende-se que a crian?a deveria ser encaminhada, provisoriamente, a institui?es de apoio, governamentais ou n?o, na tentativa de ainda conseguir a aceita??o da fam?lia ou do grupo. Se esta tentativa for frustrada, ent?o a alternativa da ado??o poderia ser adequada, pois garante o direito ? vida que a crian?a possui. ? imprescind?vel destacar que este processo todo deve ser realizado, em todos os momentos, com base no di?logo.
Preocupada com a postura dos ?rg?os governamentais de n?o interferir em pr?ticas tradicionais que se choquem com os direitos humanos fundamentais, postura esta embasada no relativismo radical e demonstradamente contr?ria ao ordenamento jur?dico brasileiro e ? legisla??o internacional, a organiza??o n?o-governamental ATINI – Voz pela Vida, que defende o direito humano universal e inato ? vida, reconhecido a todas as crian?as, empenha-se no enfrentamento e debate sobre as pr?ticas tradicionais que colidem com os direitos humanos fundamentais. De acordo com pesquisas realizadas pela ATINI, existem poucos dados oficiais a respeito do coeficiente de mortalidade infantil em raz?o de pr?ticas tradicionais. Segundo dados da FUNASA, entre a etnia Yanomami, o n?mero de homic?dios elevou o coeficiente de mortalidade infantil de 39,56 para 121, no ano de 2003. Ao todo, foram 68 crian?as v?timas de homic?dio, naquele ano.[1] No ano seguinte, 2004, foram 98 as crian?as v?timas de homic?dio (erroneamente divulgado como infantic?dio).[2]
Tamb?m foi divulgado pela m?dia um caso de gravidez de uma crian?a de 9 anos, da etnia Apurin?, com suspeita de que haja sido por estupro.[3]
Fica clara a urg?ncia de provid?ncias que este assunto demanda, visto que in?meras crian?as, as quais devem ter seus direitos e interesses postos em primeiro lugar, t?m sido v?timas silenciosas de pr?ticas tradicionais nocivas e sem que haja provid?ncias suficientes para cessar estas viola?es ? sua dignidade e a seus direitos fundamentais mais b?sicos, dos quais elas s?o indiscutivelmente titulares.
Objetivando tornar realidade os prop?sitos da ATINI – Voz pela Vida, manifestados nesta justifica??o, venho assumir a tarefa de apresentar esta proposta de Projeto de Lei.
Dada a import?ncia do tema conto com o apoio dos nobres parlamentares para a prova??o do presente Projeto de Lei.
Sala das Sess?es, 11 maio de 2007.
Deputado HENRIQUE AFONSO (PT/AC)
[1] COMISS?O PR?-YANOMAMI. Yanomami na Imprensa. Conselho Yanomami se re?ne para aprovar Plano Distrital de Sa?de. Fonte: Brasil Norte, 26 de maio de 2004. Dispon?vel em: , acesso em 02.01.2006. [2] COMISS?O PR?-YANOMAMI. Yanomami na Imprensa. Parab?licas. Fonte: Folha de Boa Vista, 11 de mar?o de 2005. Dispon?vel em: , acesso em 20.03.2006. [3] Dispon?vel em:http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI949683-EI306,00.html
|