Guerra (nada) santa na telinha
Livro analisa crescimento da participa??o de grupos religiosos na m?dia, novo terreno de disputa entre o cristianismo hist?rico e as igrejas pentecostais
Paulo Hebm?ller – Jornal da USP, 28/01/2008
A uma plat?ia de estudiosos da religi?o vindos de mais de 30 pa?ses para a Confer?ncia sobre o Cristianismo na Am?rica Latina e no Caribe, realizada em S?o Paulo em 2003, o padre e escritor Jos? Oscar Beozzo afirmou: "O crescimento das igrejas pentecostais ? o fen?meno mais espetacular no panorama religioso da Am?rica Latina nas ?ltimas d?cadas". De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat?stica (IBGE), o total de evang?licos no Pa?s – inclu?dos a? todos os ramos, desde os protestantes hist?ricos at? os neopentecostais – passou de 9,05% da popula??o em 1991 para 15,45% no ano 2000. Em n?meros absolutos, de cerca de 13 milh?es para aproximadamente 26 milh?es de pessoas.
"A religiosidade est? em alta no Brasil na alvorada do novo mil?nio", atestou um relat?rio divulgado no ano passado pela Funda??o Get?lio Vargas. O estudo "Economia das religi?es: mudan?as recentes" mostra que pela primeira vez em mais de um s?culo a taxa de participa??o dos cat?licos deixou de cair e manteve-se "est?vel no primeiro quarto de d?cada, com 73,79% em 2003". Os evang?licos seguem crescendo, mas agora angariando seu p?blico no segmento dos sem-religi?o – grupo que caiu de 7,4% para 5,1%.
O texto afirma que os dados demonstram claramente que "a velha pobreza brasileira" (como nas ?reas rurais do Nordeste) continua cat?lica, enquanto "a nova pobreza" (periferia das grandes cidades) "estaria migrando para as novas igrejas pentecostais e para os chamados segmentos sem religi?o". "Discutir pol?tica social sem levar em conta a atua??o de entidades religiosas ? deixar de fora um elemento fundamental", aponta o estudo.
Espet?culo – N?o s? a periferia e os grandes centros constituem o ringue em que o crescimento evang?lico e a rea??o cat?lica travam seus embates. A luta pelos cora?es e mentes dos fi?is se d? em diversos campos, inclusive no midi?tico – terreno, como se sabe, pouco prop?cio ? santidade. Enquanto a mais conhecida das denomina?es neopentecostais, a Igreja Universal do Reino de Deus, tem constru?do um verdadeiro imp?rio de comunica??o, com a TV Record ? frente – "vamos ser l?deres na comunica??o no Brasil", diz seu fundador, Edir Macedo (veja abaixo) -, a Igreja Cat?lica tamb?m busca alternativas na televis?o. Hoje j? s?o quatro as emissoras cat?licas do Pa?s: Rede Vida, TV S?culo XXI, Rede Can??o Nova e TV Aparecida. Seus perfis procuram dar voz ?s diferentes correntes, das carism?ticas ?s mais ligadas ao engajamento sociopol?tico, que formam o rebanho majorit?rio do cristianismo brasileiro.
Artigos de acad?micos que pesquisam a presen?a dos grupos religiosos nos meios de comunica??o est?o no livro M?dia e religi?o na sociedade do espet?culo, lan?ado no final de 2007. O volume traz textos apresentados no I Col?quio de Comunica??o Eclesial, promovido pela C?tedra Unesco de Comunica??o da Universidade Metodista de S?o Paulo (Umesp). "Enquanto as igrejas hist?ricas – catolicismo e protestantismo – usavam os meios de comunica??o de massa como instrumentos de sua mensagem, como transportadores de seus conte?dos, as novas religi?es nascem fundidas, geneticamente produzidas pela m?dia, particularmente a televis?o. O que significa que as segundas correspondem ao bios midi?tico e as primeiras precisam aprender a ser para assim sobreviver", escreve Christa Berger, docente da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos/RS)
Para ela, do ponto de vista da comunica??o, "as religi?es integram a sociedade midi?tica do espet?culo". V?rios s?o os textos, por sinal, que fazem refer?ncia a Guy Debord e seu cl?ssico A sociedade do espet?culo, que j? em 1967 dizia que "a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condi?es de produ??o se apresenta como uma imensa acumula??o de espet?culos".
Reencantamento – Professor da Umesp e vice-presidente para a Am?rica Latina da Associa??o Mundial para Comunica??o Crist?, Luciano Sathler, por sua vez, cita Peter Burke para dizer que a concentra??o de poder na m?dia no s?culo 20 embaralhou as poss?veis linhas divis?rias entre informa??o e entretenimento, inclusive com as influ?ncias m?tuas entre pol?tica, m?dia, economia e religi?o. J? o complicado quadro das concess?es de televis?o que misturam interesses pol?ticos e religiosos ? analisado por Alexandre Brasil Fonseca, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Caracter?sticas do cen?rio p?s-moderno – como vazios de sentido, supervaloriza??
Karla Pereira Patriota, doutoranda em Sociologia na Universidade Federal de Pernambuco, alerta que "n?o podemos esquecer que na p?s-modernidade praticamente tudo passa pela m?dia". Ela ? receptora dos discursos da sociedade e deles tamb?m se alimenta. Portanto, diz a pesquisadora, se os grupos religiosos est?o alcan?ando sucesso nessa seara ? porque, segundo a l?gica da propaganda e do mercado, "t?m o que o p?blico precisa". E como lembra Angela Maria Lucas Quintiliano, mestranda da Pontif?cia Universidade Cat?lica de S?o Paulo, citando Durkheim: "N?o existe religi?o alguma que seja falsa, todas elas respondem de formas diferentes a condi?es dadas de exist?ncia."
Caracter?sticas do cen?rio p?s-moderno – como vazios de sentido, supervaloriza??
Karla Pereira Patriota, doutoranda em Sociologia na Universidade Federal de Pernambuco, alerta que "n?o podemos esquecer que na p?s-modernidade praticamente tudo passa pela m?dia". Ela ? receptora dos discursos da sociedade e deles tamb?m se alimenta. Portanto, diz a pesquisadora, se os grupos religiosos est?o alcan?ando sucesso nessa seara ? porque, segundo a l?gica da propaganda e do mercado, "t?m o que o p?blico precisa". E como lembra Angela Maria Lucas Quintiliano, mestranda da Pontif?cia Universidade Cat?lica de S?o Paulo, citando Durkheim: "N?o existe religi?o alguma que seja falsa, todas elas respondem de formas diferentes a condi?es dadas de exist?ncia."
M?dia e religi?o na sociedade do espet?culo, de Jos? Marques de Melo, Maria Cristina Gobbi e Ana Claudia Braun Endo (org.). Editora Metodista, 302 p?gs., R$ 38,00.
"Record vai ser a n?mero um", diz Edir Macedo
Um dos textos do volume aborda o sucesso da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). Para Eduardo Refkalefsky e Cyntia Lima, da Escola de Comunica??o da UFRJ, Edir Macedo "criou e desenvolveu uma organiza??o que precisa ser estudada para que empresas, consultores, te?ricos e acad?micos aprendam melhor a realidade da comunica??o, marketing e administra??o na sociedade e economia contempor?neas".
Para os autores, o diferencial da igreja ? o fato de ter escolhido um inimigo claro: "A Iurd posiciona-se contra e a partir da doutrina umbandista: reconhece o ?poder' de suas entidades, por?m afirma que s?o ?diab?licas', precisando, por isso, ser combatidas. A Igreja Universal ? exatamente aquela que se encarregaria de combater o ?mal demon?aco' da umbanda".
Com isso, diz o texto, a Iurd aceita a exist?ncia do mundo m?gico que integra a matriz religiosa brasileira "e n?o se op?e ?s cren?as da maioria da popula??o do Pa?s, como havia feito o protestantismo tradicional".
Os autores tamb?m afirmam que Macedo conhece profundamente a umbanda porque teria sido praticante de seus ritos antes de ser pastor. Na biografia O bispo (Editora Larousse), lan?ada no ano passado, o l?der limita-se a dizer que freq?entou centros esp?ritas na adolesc?ncia.
Nascido em 1945, Edir Macedo entrou na Igreja Nova Vida aos 17 anos e teria se convertido realmente aos 19. Em julho de 1977, realizou o primeiro culto em sua Igreja da B?n??o, mais tarde Universal.
O crescimento da Iurd foi avassalador: hoje ela est? presente em dezenas de pa?ses. Em 1989, numa negocia??o ainda envolta em questionamentos, a Universal adquiriu a TV Record. Passou ent?o a ser alvo de freq?entes reportagens atacando seus m?todos de arrecada??o de doa?es, veiculadas especialmente na TV Globo.
O ?pice da "guerra santa" com a Globo se deu em 1995, com a explora??o do epis?dio do "chute na santa" ("nosso maior erro": "atrasou nosso trabalho em dez anos", reconhece Macedo no livro) e a exibi??o da miniss?rie "Decad?ncia", na qual um pastor inescrupuloso, interpretado por Edson Celulari, chegou a dizer frases inteiras retiradas de uma entrevista que o bispo havia concedido ? revista Veja anos antes.
Em rela??o a outras igrejas pentecostais e neopentecostais, Edir Macedo opina em O bispo: "Eu vejo grandes defici?ncias em muitas denomina?es. A maior delas ? a explora??o da f? emotiva. Abusa-se o tempo todo da emo??o em detrimento da f? inteligente".
E, sobre o futuro de seu grupo na m?dia, ? taxativo: "Vamos ser l?deres na comunica??o no Brasil. A Record ser? a n?mero um. Iremos trabalhar o tempo que for necess?rio, mas vamos chegar l?. N?o tem volta".

