Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
mulheres indianas reagem contra corrupção
Julien Bouissou
Chunna Devi está no centro de uma roda de camponesas. Todas elas trajam um sari - a vestimenta tradicional formada por uma longa peça de tecido enrolada no corpo - cor-de-rosa. Com a testa envolta em ataduras, ela retira do seu saco de plástico, lenços maculados de sangue. "Olhem para isso. Vejam o que eles fizeram comigo. Eram cinco homens. Eles arremessaram tijolos e deram golpes com bastões em mim e na minha filha", grita Chunna para a multidão. Quatro dias antes, esta habitante de uma pequena aldeia do sul do Uttar Pradesh, uma região pobre do norte da Índia, havia tentado rechaçar os seus agressores. Transportada numa cama até a delegacia mais próxima, ela deu queixa na justiça, mas os policiais se recusaram a dar continuidade ao inquérito. "Eles foram pagos para abandonar as investigações", lamenta Chunna Devi. A "gangue cor-de-rosa" representa a sua última chance. Fitando-a com os seus olhos verdes, Sampat Pal Devi, a chefe desta gangue, lhe promete que justiça ser feita. Daqui a pouco, ela irá até a delegacia junto com dezenas de "irmãs", todas elas enroladas em panos rosa e armadas com bastões.
Espalhadas por um grande número de aldeias, elas são cerca de 200 justiceiras prontas para intervirem a qualquer momento para defender a causa das mulheres maltratadas pela justiça e pelas forças de manutenção da ordem. Toda vez que elas recebem um pedido de ajuda, elas enfiam o seu sari de combate e empunham o seu bastão. "Nós não contamos com o auxílio de ninguém. Os funcionários e a polícia são contra os pobres. Nós somos obrigadas a fazer respeitar a lei por nossa conta", justifica a fundadora da gangue, Sampat Pal Devi.
No sul do Uttar Pradesh, no distrito de Bundelkhand, um dos mais pobres do país, as meninas não têm o mesmo direito de viver que os meninos. Um grande número de mulheres pratica abortos clandestinos quando elas são informadas de que a criança que está por nascer é uma menina, o que elas fazem para evitar serem obrigadas a pagar um dote no momento do seu casamento. O resultado disso é que a região não conta mais do que 825 mulheres para 1.000 homens, em média. Além disso, quando elas nascem, raras são aquelas que podem freqüentar a escola. Cerca de três quartos das mulheres são analfabetas.
Sampat Pal Devi conhece muito bem essas injustiças, pois ela mesma foi vítima delas desde a sua infância. Aos 9 anos, ela se viu obrigada a afastar-se da escola, após ter sido forçada a se casar com o marido da sua irmã, a qual acabara de falecer, e então deu à luz, quatro anos mais tarde, o seu primeiro e único filho. "Eu aprendi a ler e a escrever, sozinha, de noite, e depois consegui convencer o meu marido de que nós deveríamos nos instalar na cidade".
Enquanto ela vende chá na sua banca à beira de uma estrada, Sampat Pal Devi ouve atentamente, atrás do seu balcão, as primeiras confidências das mulheres maltratadas. A primeira intervenção importante desta líder remonta a cerca de vinte anos, quando ela mobilizou uma comunidade de aldeões com o objetivo de forçar um homem a desistir do projeto de abandonar sua mulher. "Os dois cônjuges são como as duas rodas de um trator, eles não podem ir para frente na vida, a não ser permanecendo juntos", martela a chefe da gangue. Quando ela fundou a "gangue cor-de-rosa", dois anos atrás, Sampat Pal Devi, 47 anos, não esconde ter se inspirado em Rani Laxmibai, uma rainha que, ao constituir o seu próprio exército em 1857, conseguira resistir ao cerco das tropas britânicas durante mais de um ano. "Uma mulher é capaz de derrotar os mais poderosos", concluiu Sampat daquele feito. Foi ela mesma quem escolheu a cor rosa para as vestimentas das suas justiceiras, uma cor que as mulheres da gangue não costumavam usar anteriormente.
No seu quartel-general, situado à beira de uma artéria empoeirada do vilarejo de Atarra, a maior parte dos alertas é comunicada por telefone. Mas, precisamente neste dia, foram agricultores, homens e mulheres desesperados pela montanha de dívidas que pesam sobre eles depois de três anos de uma onda de seca sobre a região, que compareceram para pedir por uma intervenção da gangue. As camponesas veneram a chefe da gangue como uma deusa. Quando ela chega ao local e desce do seu carro, elas se aproximam para tocar de leve sua cabeça com as suas mãos. "O governo nada faz para nos ajudar a pôr o pão na mesa", se lamenta uma delas. "Inscrevam-se na gangue, e vistam-se com saris cor-de-rosa", lhe responde imediatamente Sampat Pal Devi, "e nós iremos, todas nós, pedir aos bancos para aliviarem as suas dívidas".
Se a "gangue cor-de-rosa" aceita apenas mulheres como membros, é porque, justamente por esta razão, "os policiais preferem pensar duas vezes antes de nos dispersarem com golpes de cassetetes", explica uma das integrantes, com o seu rosto escondido por trás de um véu rosa. Até o momento, a arma que elas usam nunca lhes serviu para desfechar golpes, mas as mulheres seguem treinando, por prudência, o manejo do lathi, o bastão de madeira que é geralmente reservado aos homens quando eles trabalham nas lavouras.
Os cursos de formação são ministrados em pátios e praças nas aldeias, e têm como trilha sonora músicas que foram compostas por Sampat Pal Devi. "Durante o treinamento, nós fazemos de conta que um inspetor de polícia está ali, diante de nós", explica uma aluna que acaba de completar 70 anos de vida. A "gangue cor-de-rosa" reivindica apenas um único ato de violência: um exemplar do código civil foi arremessado na cabeça de um inspetor que se recusava a apresentar as razões do encarceramento de um jovem rapaz oriundo da casta dos intocáveis. Este último foi libertado, enquanto a responsável pela "agressão", por sua vez, ficou detida na delegacia durante um dia inteiro. "O código civil ao menos terá servido para alguma coisa", ironizam as integrantes da gangue.
Nem todas as leis que estão em vigor no distrito do Bundelkhand estão inscritas no código civil. Um policial que está mergulhado na leitura do seu jornal no pátio da delegacia de Atarra admite prontamente esta situação: "Aqui, os homens políticos são corruptos e apóiam a máfia. O nosso contingente conta apenas 20 policiais, o que é muito insuficiente quando se trata de enfrentar mafiosos que têm, cada um, mais de 50 homens armados sob as suas ordens".
Entre os tráficos mais praticados na região está o dos cartões de racionamento destinados aos mais pobres: de fato, na maioria dos casos eles são entregues apenas àqueles que aceitam desembolsar algumas rúpias de propina. No espaço de dois anos, a gangue queimou, em três oportunidades, cartões de racionamento "ilegais" que as suas integrantes haviam coletado nas aldeias. "E nós não pretendemos parar por aí, ao menos enquanto nós continuarmos sendo as escravas de funcionários que supostamente estão aí para nos servir", explica Jai Prakash, a principal assistente de Sampat Pal Devi, antes de concluir: "[Karl] Marx alterou os rumos da história ao escrever o que ele estava vendo. Nós estamos tentando fazer a mesma coisa, explicando para os aldeões o que estamos vendo".
O que elas estão vendo, são as desigualdades entre homens e mulheres que perduram na Índia. No ranking elaborado a partir do índice sobre as desigualdades entre os sexos, que foi publicado em 2007 pelo Fórum Econômico Mundial, a Índia aparece no 114º lugar, numa lista de 128 países. Em termos de "participação das mulheres na vida econômica", este país tem um desempenho ainda mais pífio, aparecendo no 122º lugar. Apenas 3% dos cargos de executivos e 21% dos cargos de empregados são ocupados por mulheres. Este fenômeno pode ser explicado, entre outros, pela desigualdade dos sexos em relação ao acesso à educação: apenas 48% das mulheres sabem ler e escrever, contra 73% dos homens.
O costume que faz com que o pagamento de um dote seja exigido da mulher no momento do seu casamento resulta num grande número de atos de violência domésticos. Em 2006, 40% das mulheres declararam ter sido vítimas de maus tratos, segundo dados do inquérito nacional sobre as famílias, que foi conduzido pelo governo. Uma lei destinada a lutar contra este flagelo só chegou a entrar em vigor em 2007. Na Índia, uma mulher é estuprada, em média, a cada meia-hora, enquanto uma mulher é morta, em média, a cada 75 minutos, revela um relatório que foi publicado em 2006 pelo Escritório Nacional da Criminalidade.
As mudanças de atitude já são perceptíveis na área de influência da "gangue cor-de-rosa". No pequeno vilarejo de Tanal, na margem de um canal drenado pela seca, no fundo do qual os esqueletos de búfalos jazem sobre uma terra repleta de rachaduras, um senhor idoso observa de longe as jovens mulheres trajando saris rosa. Elas estão realizando uma reunião. "Nós tivemos a bandeira indiana que nos permitiu sair da colonização britânica; daqui para frente, nós precisamos dos seus saris rosa para nos livrar da corrupção", avalia, com o queixo apoiado sobre o cabo da sua bengala.
No Uttar Pradesh, os habitantes vão perdendo progressivamente as esperanças que eles acalentavam em relação aos seus eleitos, inclusive aqueles que pertencem à sua casta. No ano passado, uma mulher oriunda das baixas castas, Mayawatti Kumar, foi eleita para dirigir o Estado. Mas, desde a sua eleição, a aldeia só foi contemplada com uma estátua celebrando a figura emblemática e histórica dos intocáveis: o doutor Ambedkar, que é representado trajando terno e gravata, segurando um livro em sua mão, reina no meio de crianças que brincam na poeira. Os aldeões, por sua vez, até hoje continuam à espera da eletricidade e da construção de uma estrada. "Uma vez que eles ascendem ao poder, todos os políticos se esquecem de nós. A nossa derradeira esperança está depositada na "gangue cor-de-rosa"", dispara uma mulher que está lavando seus utensílios de cozinha numa poça de água enegrecida.
No que vem a ser o preço a ser pago pelos seus primeiros sucessos, a "gangue cor-de-rosa" viu surgirem os seus primeiros desafetos, críticos e detratores. "Sampat Pal nos acusa de todos os crimes para ganhar as eleições", considera um funcionário público local, com as mãos colocadas sobre a sua escrivaninha, entre um tinteiro e dois telefones celulares. Embora ela já tivesse se candidatado nas mais recentes eleições, Sampat Pal Devi se defende de fazer política. Contudo, Sonia Gandhi, a presidente do Partido do Congresso, atualmente no poder, a convidou a comparecer em Nova Déli para propor-lhe integrar as fileiras do seu partido. Sampat Pal, puro e simplesmente, recusou a oferta: "Não se pode defender ao mesmo tempo um partido político e os oprimidos. No dia em que eu ingressar na política, eu perderei a minha credibilidade".
Tradução: Jean-Yves de Neufville