o suposto túmulo de Jesus



Publicado no site No Minimo, 27 de fevereiro de 2007.


Faz cinco anos que foi apresentado com um certo estardalha?o, pela imprensa, o oss?rio do s?culo 1 com a inscri??o Tiago, filho de Jos?, irm?o de Jesus. A onda durou uns meses e ent?o cientistas que manjam do assunto foram l? e constataram que o trecho ?irm?o de Jesus? n?o s? estava escrito com uma letra diferente como era bem mais recente.


? com estardalha?o equivalente que chega ? televis?o norte-americana e europ?ia o document?rio A tumba perdida de Jesus, produzido por James Cameron, diretor de Titanic. Fale de Jesus hist?rico e a imprensa fica mexida: ? que vende jornal e causa fasc?nio. Dado que ? sensacional e como os redatores que transcrevem o notici?rio das ag?ncias entendem muito pouco do assunto, o leitor, compreende-se, fica perdido, sem saber no que acreditar.


O time tem um conjunto interessante nas m?os. ? uma tumba do s?culo 1, portanto contempor?nea a Jesus, nela estavam 10 oss?rios, alguns deles inscritos. Foi encontrada em Jerusal?m, ano 1980. Oss?rios s?o pequenas caixas de pedra onde os ossos, ap?s a putrefa??o do corpo, eram guardados. Fam?lias com algumas posses tinham suas pr?prias tumbas – oss?rios deste tipo, na Terra Santa, s?o descobertos ?s centenas toda hora. Alguns n?o t?m qualquer inscri??o, outros v?m com o nome do morto.


Num destes dez oss?rios est? escrito, em aramaico, Yeshua bar Youssef. ? o t?pico nome da tradi??o judaica: Jesus, filho de Jos?. Yeshua era um nome comum, Youssef idem. Jesus filhos de Jos? eram muitos naquela terra severina. Este ? o segundo oss?rio desta ?poca j? descoberto na Terra Santa de um Jesus filho de Jos?. (Jo?o filho de Maria tamb?m tem muito por aqui.)


Noutro oss?rio est? escrito Maria, o nome latino mesmo, transliterado para o hebraico.


Estamos falando de uma tumba familiar, portanto parte-se do princ?pio de que as pessoas ali se relacionam de uma forma ou de outra.


Um terceiro oss?rio tem inscri??o em letras gregas de nome aramaico Mariamene a mara, Maria a quem chamam mestre.


Ainda h? um oss?rio para Yehuda bar Yeshua. Jud?, filho de Jesus.


O filme ainda n?o foi apresentado mas, segundo seus produtores, embora os ossos n?o estivessem mais l?, testes de DNA em restos foram realizados. Pelo mDNA, d? para relacionar Maria com Jesus mas n?o Jesus com Mariamene.


Seu caso, e parece honesto, ? que temos aqui uma m?e Maria, um filho Jesus, um neto Jud?, sabemos pela inscri??o que o pai deste Jesus se chamava Jos?. E n?o ? pressupor demais que a Maria n?o parente pudesse ser mulher de Jesus. Estatisticamente, defendem os produtores, por mais que os nomes fossem comuns – e eram – uma fam?lia assim estruturada, nos arredores de Jerusal?m, s? pode ser a fam?lia do messias crist?o.


Se os graus de parentesco sugeridos pelos pesquisadores realmente podem ser confirmados por DNA, eles t?m um caso forte. Se as contas estat?sticas estiverem certas – e isto ? trivial para quem ? do ramo, decididamente n?o ? o caso do blogueiro – seu caso fica mais forte.


Mas ? bom uma pausa para repassar os argumentos. Primeiro, Mariamene. Por que concluir que este era o nome de Madalena? Um dos argumentos est? num texto do s?culo 4, os Atos de Filipe, que pertencia a uma das muitas seitas crist?s. A vers?o mais completa deste texto foi descoberta em 1974 por um grupo de pesquisadores de Harvard. ? interpreta??o deles que uma personagem chamada Mariamne ? Madalena. Um pouco antes, no s?culo 3, Or?genes – que foi um te?logo crist?o importante e radical, capou-se e tudo – chama Madalena de Mariamme. Fl?vio Josefo, um historiador judeu vendido aos romanos contempor?neo a Cristo, chama Marias de Mariammes. S?o corruptelas naturais. Certamente Mariamene, como Mariamne, ? o nome Myriam. Maria.


Ent?o cabe pescar o argumento por um plano mais geral: o que realmente sabemos sobre Jesus? Apenas o que est? no Novo Testamento. H? quem tente empurrar um trecho de Josefo que, em suas hist?rias da Terra Santa, citaria Jesus. Quase todo especialista cientificamente rigoroso p?e o trecho em d?vida. Nas c?pias mais antigas de Josefo ele n?o existe, come?a a aparecer em c?pias feitas por monges cat?licos j? na Idade M?dia, tem toda a pinta de ter sido inserido ali por gente ?vida por outra fonte. Devia, ?s vezes, ser duro basear toda a cren?a que tomava a Europa na exist?ncia de um homem sobre quem s? o livro sagrado fala. Se ele foi t?o importante, por que a burocracia romana n?o deixou um ?nico registro?


Mas isto n?o quer dizer que Jesus seja fic??o. As cartas de S?o Paulo sobre ele, de longe os mais sofisticados textos de todo Novo Testamento, foram escritas uma d?cada ap?s a morte de Jesus. S?o Paulo n?o o conheceu, mas conheceu e conviveu e brigou com gente que viveu com e foi amiga de Jesus. S?o Paulo dedicou um bom naco de sua vida a espalhar a palavra de um homem que muita gente ao seu redor conheceu. ? ind?cio forte o suficiente de que havia, ali em Jerusal?m, um grupo de pessoas que, mesmo ap?s sua morte, ainda falava com ?nfase, com uma cren?a profunda, com como??o, de um rabino que os marcou muito. E este assunto a respeito deste rabino se espalhou pelo Imp?rio Romano ao longo dos anos.


N?o ?, do ponto de vista estritamente hist?rico, surpresa. O juda?smo produzia muitos ?messias? nessa ?poca, havia seitas as mais diversas, todas seguindo de uma forma ou de outra alguma coisa das mesmas Escrituras. Era uma cultura e uma religi?o profundamente rachada, em d?vida, em crise, em busca de sa?das. O conv?vio com os romanos, que j? n?o eram o primeiro ou mesmo o segundo invasor, era dif?cil. O conv?vio com uma classe sacerdotal que controlava o Templo – aquele do qual sobrou apenas o Muro das Lamenta?es e em cujo lugar se ergueu a Mesquita de al-Aqsa – era dif?cil e, fundamentalmente, caro. Os sacerdotes extorquiam. A passagem dos Evangelhos que cita a raiva de Jesus contra os vendilh?es n?o v?m ? toa, era um sentimento difundido por uma gente entre pobre e de classe m?dia baixa. A descri??o de Jos?, o pai de Jesus, soa t?pica desta classe m?dia baixa que vivia nos reinos judaicos de ent?o.


? fant?stico que o Ocidente seja baseado, culturalmente, num trip? que junta duas culturas que constru?ram imp?rios – gregos e romanos – e uma que jamais dominou ningu?m, sempre foi dominada – a judaica. E a chave do porqu? deste fen?meno est? perdida nesta figura, neste Yeshua bar Youssef. Outros messias judaicos n?o se espalharam, perderam-se. Aquele ficou. Um dos motivos pelos quais ficou ? que ele fazia, ? moda de um grupo judaico conhecido por fariseus, uma teologia baseada nas Escrituras mais do que no Templo. A Casa de Deus para os fariseus e para Jesus era a palavra; para os sacerdotes, era o Templo. Quando os romanos puseram o Templo abaixo, o que sobrou foi a Palavra. O juda?smo de hoje, chamado rab?nico, ? descendente do juda?smo farisaico. O cristianismo tamb?m.


Dos quatro Evangelhos, o de Marcos, escrito pouco mais de tr?s d?cadas ap?s a morte de Jesus, ? o mais pr?ximo de uma tradi??o oral minimamente confi?vel. Todos os outros s?o muito posteriores. Esta rela??o complicada entre Maria e Jos?, posteriormente Madalena, este tecido de parentescos, vai se construindo, sendo contado, com alguma dist?ncia. Um equ?voco comum, for?ado pela Igreja medieval, ? o de por Madalena como a prostituta de outra passagem, aquela que seria apedrejada. N?o s?o a mesma pessoa. Embora da? a for?ar a m?o na conclus?o popularizada por Dan Brown de que Madalena era sua mulher tamb?m, bem – n?o est? dito. ? interpreta??o de um texto muitas vezes herm?tico o suficiente para permitir interpreta?es v?rias.


O certo ? que, sendo homem judeu, ainda mais um rabino – e isto era porque judeus o seguiam como l?der espiritual – Jesus tinha que ser casado. O cristianismo ? algo que nasce depois dele, a histeria cat?lica contra mulheres de padres s? vem depois do s?culo 10. Ele se via como judeu e falava para os seus. Em seu tempo homem sem mulher simplesmente n?o estaria inserido no ?mbito social, seria um paria, coisa que Jesus n?o era. Parias n?o s?o ouvidos, quanto mais seguidos.


Tudo para cairmos de volta nos oss?rios de James Cameron, na caixinha de pedra sab?o na qual, em caracteres aramaicos ligeiros l? est? Yeshua bar Youssef. Ao lado de Mariamene a quem chamam Mestra. Uma mulher chamada de s?bia. (Todo judeu sabe que mulher de rabino ? s?bia. Sempre s?o. Mais que os maridos.) E seu filho Jud?.


H? uma penca de blogs assinados por especialistas em hist?ria b?blica, a turma que conhece aquele per?odo do Oriente M?dio de tr?s para frente, sabe suas l?nguas – hebraico, aramaico, latim, grego. Um deles repousa quieto a? na barra direita, o de Jim Davila, Paleojudaica. Est?o todos c?ticos. Jim, por exemplo, diz que ?infelizmente, a hist?ria da Tumba de Jesus est? ganhando uma aten??o enorme?. Os estudiosos, quem os acompanha sabe, ficam pasmos quando o notici?rio ? reciclado, e vem o Evangelho de Judas aqui, o irm?o de Jesus ali – agora a fam?lia toda junta-se ? festa.


E n?o ? ? toa que eles ficam mexidos. A imprensa sempre erra muito, o caso do Evangelho de Judas foi s? um pouco pior. A busca por uma not?cia sensacional est? no nosso sangue. Se os especialistas duvidam por princ?pio, mesmo antes de ver o filme, ent?o ? bom tratar com um qu? de ceticismo e esperar que os documentaristas apresentem seus dados, suas conclus?es.


Mas a busca n?o vai cessar. Em princ?pios do s?culo primeiro houve um homem que viveu nos arredores de Jerusal?m. O que ele tinha a dizer era t?o forte que sua religi?o, religi?o de povo derrotado, fez-se a religi?o do Imp?rio que o matou. N?o ? preciso sequer acreditar em Deus para constatar o impacto que Jesus, filho de Jos?, teve no mundo. Talvez, sem sequer desconfiar.
Publicado por Pedro Doria
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