Palavra Episcopal Julho 2009







Paulo Ayres Mattos, Bispo Em?rito da Igreja Metodista


Na d?cada de 1960, viajava de Chicago, onde estudava no Semin?rio Presbiteriano McCormick, para a cidade de Niagara Falls, onde vivia um antigo mission?rio metodista que havia vivido aqui no Brasil por alguns anos. Em uma das paradas do ?nibus, fui at? o banheiro. Como todo banheiro de esta??o rodovi?ria, havia muitas inscri?es na parede. Uma delas me saltou aos olhos. Em letras grandes estava escrito: "Deus est? morto. Assinado: Nietzsche."
Eram anos de grande turbul?ncia em todo o mundo, dias de grande ceticismo e de grande crise, ?poca em que a religi?o tradicional estava sendo questionada e at? mesmo recha?ada.

Algu?m, contudo, escreveu uma outra frase com muito humor embaixo daquela frase na parede que me saltou aos olhos: "Nietzsche est? morto. Assinado: Deus".
Passados mais de quarenta anos, assistimos no mundo todo um quadro religioso completamente diferente. Vivemos dias em que h? um renascer, em praticamente todas as religi?es, da preocupa??o com a espiritualidade. O que eu estou querendo aqui ressaltar ? o fato de que nos dias de hoje h? uma procura extraordin?ria por espiritualidade. Alguns t?m denominado este fen?meno como "a revanche de Deus". ? neste contexto que n?s somos chamados como metodistas a refletir sobre a nossa espiritualidade. Ao falarmos dessa recupera??o, desse resgate da espiritualidade, ? importante que consideremos o texto que em Lucas 24 narra a est?ria dos caminhantes de Ema?s.
Dois homens caminhavam tristes e acabrunhados pela estrada que ia para a aldeia de Ema?s. N?o eram eles parte do c?rculo mais ?ntimo de Jesus; entretanto, eram disc?pulos de Jesus. O projeto no qual eles tudo tinham apostado chegara a seu fim. Quando menos esperam, um terceiro viajante se junta a eles. A gente conhece o resto dessa hist?ria.
Levando-se em considera??o que Lucas foi um pesquisador muito atento, se ele acrescentou esta narrativa longa sobre o Ressuscitado, ? porque, certamente, nela est?o escondidos alguns dos aspectos mais fundamentais do maior milagre que encontramos registrado na B?blia: a ressurrei??o de Jesus Cristo. O que parece ser central no texto ? a pergunta que fazem ap?s a manifesta??o de Jesus ressuscitado no partir do p?o. Eles dizem um ao outro: "Porventura n?o nos ardia o cora??o quando ele, pelo caminho nos falava, quando nos expunha as Escrituras?"
Aqui est? escondida uma p?rola de nossa espiritualidade metodista, santidade de cora??o e vida como caminho de salva??o: podemos ter o cora??o aquecido e mesmo assim n?o percebermos a presen?a do Cristo vivo, ressurrecto, pelos caminhos da vida. Esperamos em nossa espiritualidade intimista e introvertida encontrar com o Cristo ressurreto nos momentos dos grandes milagres, das grandes manifesta?es extraordin?rias do poder de Deus. Isto ocorre at? porque alteramos, colocamos em ordem inversa, a m?xima de Jesus ao afirmar "Se tu creres, tu ver?s a gl?ria de Deus", preferindo na pr?tica a postura de "se eu vir a gl?ria de Deus, ent?o, crerei".
Aqui h? uma quest?o que me parece central, o encontro com Cristo ressuscitado nunca se d? ? e o evangelista Jo?o ? muito mais claro sobre isto ? com os olhos carnais. Eles n?o nos possibilitam ter o encontro com o Cristo ressuscitado. E, muitas vezes, queremos, em nossa espiritualidade, ter um encontro com o Cristo ressuscitado com nossos olhos carnais: "se conseguir ver, crerei!" Cada vez mais em nossos dias somos como Tom?. Por isso, quando Tom? se encontra com o Jesus ressurreto, este lhe diz: "p?e aqui o teu dedo". Tom? faz a mais radical declara??o cristol?gica que encontramos no Novo Testamento, dizendo: "Senhor meu, Deus meu". A r?plica de Jesus ? contundente: "Tom?, mais bem aventurados s?o aqueles que n?o viram e creram".
O grande segredo de nossa espiritualidade ? quando ela pode nos ajudar a reconhecer o Cristo ressurreto, vitorioso, glorificado, no cotidiano da vida, nos caminhos da vida. O Cristo que caminha conosco no meio de nossas desilus?es, fracassos e frustra?es. Mesmo quando parece que o projeto de Deus est? falhando, sendo derrotado! ? nestes momentos que o Cristo ressurreto est? ao nosso lado caminhando conosco. E, porque ele est? conosco e caminha ao nosso lado, por vezes inc?gnito, sem fazer barulho, conversando mansamente conosco, ? que nossa percep??o espiritual e intimidade e conviv?ncia com ele podem ser agu?adas e podemos finalmente discernir sua presen?a em nosso cotidiano, e, como os disc?pulos depois de o reconhecerem, declarar: "? o mestre!".
Somente na medida em que formos capazes, em nossa espiritualidade, de nos reencontramos com o mist?rio do Cristo ressuscitado no cotidiano da vida, ? que seremos capazes de como Igreja darmos resposta ao um mundo em crise. N?o basta ir ao monte; importa descer do monte, para enfrentarmos as for?as demon?acas que causam ang?stia, dor, sofrimento, mis?ria, viol?ncia e morte. Para a transforma??o de um mundo em crise, nossa espiritualidade tem que nos dar condi?es para descobrir o Cristo presente nos caminhos de nosso cotidiano, pois como afirmou Wesley, "o mundo ? a nossa par?quia".
Creio que ainda hoje, mais do que nunca, precisamos de uma espiritualidade que, alimentada por Deus, seja fiel ? sua Palavra, sens?vel ao mover do Esp?rito Santo, edificada na comunidade, comprometida com a justi?a, voltada para o mundo, ?ntegra no seu comportamento ?tico e disposta ao servi?o particularmente dos pequeninos de Deus, como dizia Wesley, n?o s? daqueles que precisam de n?s, mas daqueles que mais precisam de n?s. Tal espiritualidade nos dar? o empoderamento para com autoridade promovermos a transforma??o n?o somente de pessoas individualmente, mas da sociedade em que vivemos, e, assim, "espalhar a santidade b?blica sobre estas terras do Brasil".
Quando a Igreja Metodista no Brasil est? convocada para a Campanha Nacional de Evangeliza??o de 2009, sob o tema "Jesus, nossa maior seguran?a", n?o seria o caso de nos perguntarmos "se realmente queremos ser uma Igreja espiritualmente relevante para um mundo em crise, ao inv?s de pensarmos em mudar os C?nones, de criarmos novas leis e estruturas, em eleger no pr?ximo Conc?lio Geral o reverendo fulano ou beltrano, pois ser? melhor bispo que nossos atuais bispos, em formar este ou aquele movimento que parece promover um avivamento, mas ? somente plataforma pol?tica para atingir interesses pr?prios; n?o dever?amos levantar aos c?us um verdadeiro clamor por uma verdadeira transforma??o de nossa espiritualidade num verdadeiro encontro com ?o Cristo de todos os caminhos` (no feliz t?tulo de um dos mais importantes livros de Stanley Jones, exatamente naquele em que trata da obra do Esp?rito Santo na vida do crente e da Igreja)?"
Que nosso encontro com Deus verdadeiramente nos tire de dentro da nossa aquecida pousada de Ema?s e nos devolva de novo ao caos e confus?o dos caminhos de nossas Palestinas, das ruas de nossas Jerusal?ns, derrubando as muralhas da espiritualidade fechada nos cen?culos de nossos templos. Afinal de contas, ? ou n?o ? o mundo nossa par?quia?

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