Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

Palavra Episcopal junho 2006

 

João Carlos Lopes, Bispo da 6ª Região Eclesiástica

Aqueles eram dias incertos na vida da Igreja. Dias de perigo, dias confusos, mas também dias de muito entusiasmo. Jesus havia morrido, ressuscitado e subido aos céus. Ele havia deixado seus discípulos com muitos ensinos a serem explorados. Sua ordem final, "Ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando e ensinando"  ainda soava nos ouvidos dos apóstolos.

O Espírito Santo havia descido sobre eles e lhes dado grande poder, otimismo incomparável e entusiasmo contagiante. Eles estavam prontos para participar na edificação de uma Igreja que glorificaria a Deus e levaria salvação a muitos.

Havia, porém, apenas um problema - um grande problema.

Um problema que tem sido uma pedra mesmo para nós cristãos no século 21: Jesus não disse exatamente como deveria ser a igreja. Instruções passo a passo não são encontradas em nenhum lugar. Jesus não deixou nenhuma planta.

Assim, desde o começo, temos aprendido a ser igreja por tentativa e erro. Erramos muitas vezes e, então, temos que reconstruir as partes mal construídas. Construímos "como que por espelho, obscuramente". Construímos pela fé e não pela vista.

Depois da experiência de Pentecostes, a Igreja começou a crescer espontaneamente. Nos primeiros anos, deixou de ser apenas um novo ramo do Judaísmo para tornar-se um grupo majoritariamente gentio. Essa foi uma grande mudança, cheia de tensões.

Os helenistas (como os gentios eram chamados) provocavam os hebreus cristãos e vice-versa. Num certo momento, os helenistas acusaram os hebreus de ignorarem suas viúvas e não ajudarem os necessitados entre eles. Os apóstolos concordaram. Entenderam que a igreja havia crescido tanto que, sozinhos, eles não poderiam atender a todas as questões. Então nomearam diáconos para servir às viúvas e aos pobres no meio deles.

Um desses diáconos era Filipe. Esse homem fez muito mais que cuidar das viúvas. Sua experiência mudaria o rumo e a maneira de ser da Igreja. Sob a direção do Espírito Santo, Filipe, em um dado momento, deixou de servir as mesas e começou a pregar. Ele foi sozinho em direção a Samaria (irmã desprezada de Judá) e ali pregou, convidando os samaritanos a se unirem à Igreja.

Dali, Filipe sentiu-se guiado em direção à estrada de Gaza, no deserto. Alguém poderia pensar que Filipe iria pregar para uma grande multidão novamente, mas, que surpresa: foi-lhe dado um eunuco etíope para evangelizar. Ser etíope significava ser um total estrangeiro. Significava também ser negro. Talvez fosse a primeira pessoa negra que Filipe tenha visto. Era, certamente, uma situação fascinante; amedrontadora e confusa.

Aquele etíope era também um eunuco - um macho que havia sido castrado. Ele possivelmente havia sido castrado a fim de poder trabalhar na corte real sem o risco de envolver-se romanticamente com as mulheres da corte.

Ele jamais podia tornar-se um judeu, porque, de acordo com a lei de Moisés, em Deuteronômio 23.1, a um eunuco não seria permitido entrar na assembléia para adoração. Embora fosse bem educado, oficial da corte da rainha da Etiópia, um homem de confiança, em Jerusalém ele teria que adorar de longe, estudar as escrituras a sós.

Felipe correu acompanhando a carruagem desse eunuco etíope e começou uma conversa. Ele falou sobre a passagem de Isaías que o homem estava lendo. A passagem referia-se a Jesus. Aquele etíope tinha muito em comum com Jesus. Felipe contou-lhe toda a história do Messias. O homem ficou tão empolgado que quis ser batizado.

Não "passou pela Clam", não "reuniu um concílio". Não, Filipe fez o que o coração mandou. Seguiu a direção do Espírito. E ali aconteceu a primeira conversão de um africano. Ele convidou o primeiro negro, o primeiro eunuco, a unir-se à mesa da comunhão. E aquele eunuco que a pouco se sentia um estranho, "persona non grata", foi embora feliz, agradecido e transformado.

Imagine aquele carro continuando a viagem, aquele homem lendo um pouco mais o livro de Isaías e encontrando as seguintes palavras: "Pois assim diz o Senhor a respeito dos eunucos que guardam os meus sábados, e escolhem as coisas que me agradam, e abraçam o meu pacto: Dar-lhes-ei na minha casa e dentro dos meus muros um memorial e um nome melhor do que o de filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará" (Isaías 56.4-5).

O que é que essa história significa para nós hoje? Significa que a Igreja de Jesus Cristo continuará se expandindo de maneira surpreendente, às vezes confusa, às vezes amedrontadora. Mas não devemos ficar com medo. Sabem por quê? Porque apesar de não termos uma planta, nós temos o Espírito Santo. Ele caminha conosco, nos dirige e nos ajuda na construção.

No século em que vivemos, os dias ainda são perigosos, complicados e confusos. A Igreja continua sendo construída por fé e não por vista. Tomamos decisões e algumas pessoas ficam bravas, enquanto outras aplaudem. Escrevemos um artigo; uns ficam a favor, outros contra.

Os debates teológicos e administrativos continuarão. Pessoas respeitáveis, verdadeiros cristãos, pessoas tementes a Deus, pessoas amorosas, estarão em lados opostos das questões.

Não é a falta de discordância que demonstra a presença do Espírito. É o resultado surpreendente e abençoado que demonstra essa presença.

Não podemos ter medo de cometer erros. Filipe não teve medo. Sua motivação era o amor a Deus e às pessoas.

Quando, movidos pelo amor ao nosso mestre, buscando ser fiéis, ainda assim tomamos a decisão errada, Jesus, nosso Senhor, aquele que no final das contas é quem realmente edifica a igreja, coloca-se ao nosso lado e nos ajuda a derrubar e a reconstruir.

"Eis que eu estou convosco sempre". Ele está conosco como líderes, como profissionais, como pastores(as), como mães, como pais, como filhos(as), como seres humanos vulneráveis que somos. Está conosco por meio do Espírito Santo!

E o Espírito Santo nos guia para muito além do que esperamos. Ele nos guia e nos ajuda, como Igreja do Senhor Jesus, a continuar andando pela fé, não pela vista.


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